segunda-feira, abril 29, 2013

Lorguth - Parte III de IV

Ir para Lorguth - Parte II de IV


Os grunhidos e rumores de luta foram cessando. Seridath quase não acreditava que eles foram salvos dos zumbis por outro tipo de mortos-vivos, aqueles derrubados por sua espada.
O silêncio entre os guerreiros era profundo. Tudo indicava que eles foram de fato salvos, mas ninguém parecia querer comemorar. Enquanto os sons do incêndio se propagavam na noite, todos se perguntavam se não seria uma armadilha.
Balgata deu ordens rápidas a seus homens para que continuassem de guarda, enquanto ele e Seridath se dirigiam ao casarão. O cavaleiro olhou ao redor, em busca de Aldreth, mas o garoto havia desaparecido. Dando de ombros, Seridath continuou a seguir o capitão. A sala de estar estava apinhada de gente, em sua maioria velhos e crianças. Culliach andava para todos os lados, atarefado em curar feridas e consolar camponeses desesperados. Seridath e Balgata conseguiram identificá-lo devido ao longo manto sacerdotal que o destacava. Não havia sinal de Anfard ou Denor.
Mestre Culliach – chamou Balgata, respeitosamente –, como vão as coisas?
Nada bem, caro capitão – suspirou o sacerdote. – Rheena não parece favorável esta noite e por isso clamo a Nisia e Talman. Temo que as feridas dessas setas tragam maldição para os que foram atingidos. Agora é cedo para qualquer afirmação. Alguém teve a ideia louca de incendiar as casas e por isso tenho muitos tocados pelo fogo, alguns em estado grave, mas creio que tenha sido a plácida escolha de Nereth. Por outro lado, não fosse por essa ação impensada, talvez todos nós já teríamos nos tornado vítimas des...
Seridath cortou o monólogo do religioso:
Olha, padre, não quero parecer rude, mas precisamos ser rápidos. Preciso falar com o Senhor da vila. O nome dele é Denor, estou certo?
O sacerdote estremeceu de uma maneira que Seridath entendeu tudo. Pelo visto, não iria ficar com as cobiçadas botas. Balgata também pareceu entender. O capitão bufou, cerrando os punhos com tal força que chegava a tremer. Ante a fúria daquele homem gigantesco, o sacerdote encolheu-se mais ainda. Olhando para um Balgata totalmente diferente, Seridath ficou maravilhado ao ver como aquele almofadinha havia mudado tanto em apenas algumas horas.
O capitão estendeu a mão direita na direção do sacerdote, que encolheu-se ainda mais, soltando um gemido quase inaudível. Ele parecia ter pouco mais de trinta anos, era magro e de estatura mediana. Tinha olhos grandes e caídos, numa expressão de constante desamparo. Culliach era um dos muitos sacerdotes plebeus que gastaram o mínimo de seu tempo em seminários estudando a parte teórica da religião e passavam a exercer seu ministério nas regiões mais remotas do reino. Mas ele nunca tivera tanto trabalho como agora. Muitos dentre os sobreviventes haviam sido feridos pelo incêndio, outros pelas setas malignas. E justamente nessa noite sombria ele estava diante do único capitão sobrevivente de um exército desesperado.
Balgata tocou de leve o ombro de Culliach, que ergueu os olhos, surpreso. O capitão falou, calma e pausadamente:
Padre, com o perdão da palavra, estamos todos na mesma merda. Eu posso ser um mercenário, mas depois de tudo que vi nesta luta, estou aqui por convicção e não por pagamento. Eu quero ver as pessoas em segurança. Denor e o Juiz fugiram, não é?
Si-sim... – suspirou o sacerdote. – Fo-foram logo depois que as setas começaram a cair.
Sem aviso aparente, Balgata esmurrou a parede às costas de Culliach. O sacerdote, sobressaltado, deu um ligeiro pulo e emitiu um grito estridente e abafado.
Maldição! – bufou Balgata. – Filhos da puta! Nos deixaram para retardar sua fuga!
De-desculpe... – gemeu Culliach.
Não precisa se desculpar, padre – Balgata pareceu acalmar-se diante da fragilidade do sacerdote. – O senhor somente estava obedecendo as ordens do seu amo, conforme mandam os deuses. Eu também não estou em condições de querer acertar as contas.
Já estava tudo preparado – informou Culliach, um pouco mais animado com a simpatia do capitão. – Sabiam que as terras estavam perdidas, que os mortos já começavam a lutar em bandos organizados. A passagem leva a sudeste, rumo a Arnoll. Denor tem uma amante na cidadela e usava a passagem com... bastante frequência. Mas sua esposa e filhas estão com ele, talvez sigam direto para o sul.
Balgata olhou de relance para Seridath, que tinha um sorriso de escárnio no rosto e encolhia os ombros, como se dissesse: "Não vá esperar que eu não busque acertar as contas!". O capitão suspirou e voltou-se novamente para Culliach.
O senhor sabe onde fica essa passagem? – perguntou o guerreiro.
Si-sim. Fica atrás da adega.
E quantas pessoas podem passar por vez?
Nã-não sei... Acho que po-poucas.
Balgata suspirou mais uma vez, enquanto se virava para Seridath.
Vamos dividir os sobreviventes em três grupos – disse o capitão, ainda sem conseguir disfarçar o quanto estava contrariado. – O terceiro grupo vai ser uma isca. Colocamos a maior parte dos velhos e crianças no segundo grupo, que tem mais chance de sobreviver. Queria Anfard ou Denor para fazerem isso, mas você vai ter que liderá-los.
Nem pensar – respondeu Seridath. – Eu vou no terceiro grupo. Vai você, que quer protegê-los.
Não entendeu o que eu disse, orgulhoso de merda? As vidas desses camponeses estão em jogo. Não é hora para brincadeiras!
É isso mesmo, capitão. Você é um oficial de verdade e eu não passo de um soldado raso. O velho Urso Pardo não aprovaria que você me desse qualquer liderança.
Dobre essa língua em vez de falar do Andarilho, maldito! – rosnou Balgata. – Honre a memória dos mortos.
Eu não desonrei ninguém. Só disse o que acredito que o velho faria. A propósito, fui o último a estar com ele na hora de sua morte. Não confunda as coisas, capitão.
Tudo isso foi dito com o máximo de sarcasmo por parte de Seridath. Balgata deu de ombros, deixando evidente todo seu cansaço.
Faça como quiser. Não te considero guerreiro da Companhia. Padre, por favor, reúna os camponeses e divida os três grupos.
Ma-mas... – hesitou Culliach. – E os feridos?
Faça o que puder, padre. Você é o representante dos deuses. Fazer milagres é um trabalho seu, não meu.
O sacerdote baixou novamente a cabeça, enquanto Balgata silenciosamente deixava o recinto, seguido por Seridath. O capitão ardia em ira, mas tentava manter seu autocontrole diante da situação crítica. Não queria provocar baixas por causa de seu orgulho ferido. A prioridade era tirar as pessoas daquela aldeia condenada.
Seridath olhava para ele, divertido. Adorava aquela situação, como se estivesse vendo um espetáculo na primeira fila. Andaram até o salão comunal, onde haviam sido acomodados os feridos mais graves. O capitão Aleigh estava entre eles, ardendo em uma sinistra febre, dizendo coisas sem sentido. Do seu peito as hastes de duas setas negras despontavam. Haviam sido quebradas pela metade, na tentativa de serem arrancadas. Naquele momento, a realidade veio a Balgata. Murrough não fora visto, não estava entre os feridos. Murrough estava morto.


Continua...

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