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sexta-feira, novembro 26, 2021

Água de Barrela - Sangue e dor na luta por um futuro


Quem foram nossos ancestrais? O que fizeram? Como viveram? Se fosse possível traçar nossas árvores genealógicas e resgatar a história de cada pessoa nelas, o que descobriríamos? Encontraríamos atos heroicos ou crimes hediondos? Será que nos arrependeríamos de buscar as histórias dessas pessoas?

O romance Água de barrela talvez tenha surgido de alguma das perguntas acima. Escrito por Eliana Alves Cruz, este romance histórico é um primoroso trabalho de pesquisa histórica e criação literária. De início, não sabia o que era barrela. Posteriormente, soube que é uma mistura feita para alvejar as roupas, usado pelas mulheres escravizadas para lavar as roupas de seus senhores. Após a declaração da abolição, essas mesmas mulheres continuaram nesse trabalho, como se esse fosse o destino inevitável para elas. 

O livro me encantou já de início, quando vi árvore genealógica que vai de Ewá (Helena), passando por Anolina, Martha, Damiana, Celina, até chegar à Eliana, a autora desse romance histórico que mostra o Brasil a partir da Bahia e das vidas de uma família marcada pela escravização.

Enquanto lia, meus olhos da mente criavam imagens de um país que se transformou de um império colonial a uma república de fachada, como se os tais valores republicanos nada mais fossem do que a tinta que caia um sepulcro. Afinal, essa democracia tão defendida pelos maiores intelectuais brasileiros não alcançou a grande maioria da população, que continuou vítima da exploração, da violência e do preconceito.

Com o objetivo de ultrapassar as barreiras sociais e alcançar ainda que o mínimo de liberdade e dignidade, uma família recorreu à educação. Apesar disso, foi a duras penas e muita roupa lavada que as matriarcas Martha e Damiana foram mudando os destinos dessa família.

Foi através desse livro que conheci Juliano Moreira, médico, um dos maiores do seu tempo. E negro. também conheci Matheus Cruz, grande mecânico, que até os 83 anos lecionava no Liceu Artes e Ofícios.

Mas esse livro é principalmente sobre mulheres. Sobre Martha e Damiana, que vendendo quitutes e lavando roupas foram buscando um futuro melhor para as filhas. Sobre Dodó, explorada até a morte pelo mesmo clã que no passado escravizou, torturou e estuprou suas ancestrais. É sobre Celina, corajosa professora, capaz de enfrentar o risco do cangaceiro Lampião, sem no entanto esmorecer.

Ao terminar o romance, senti culpa por minha branquitude, pelos privilégios estruturais que carrego na minha pele. Senti tristeza por saber que o país continua matando jovens negros. Senti também uma profunda comoção ao ver a justiça de Xangô, que nos descendentes de Ewá, Anolina, Martha, Damiana e Celina elevou essas heroínas, imortalizando-as nesse livro potente e profundo.


Ficha Técnica

Água de barrela

Eliana Alves Cruz

ISBN-13: 9788592736408

ISBN-10: 8592736404

Ano: 2018 

Páginas: 322

Idioma: português

Editora: Malê

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/agua-de-barrela-743875ed834219.html

sexta-feira, julho 23, 2021

O Crime do Cais do Valongo - O poder das vozes de além




É difícil falar de um livro tão complexo e rico como O crime do Cais do Valongo. Escrito como uma narrativa composta, com mais de uma voz, o texto de Eliana Alves Cruz nos brinda com um enredo envolvente, com motivo histórico, mostrando que muitas de nossas mazelas são antigas.

No romance, conhecemos Nuno, um rapaz jovem e alegre, amante da vida e muito esperto. Por saber que, sendo mestiço, tem poucas chances de ascensão social, Nuno busca nos negócios uma chance de melhorar sua vida. O problema é que o jovem tem uma dívida com um português, aparentado com o Intendente Geral de Polícia, que responde diretamente a D. João VI.

A situação se complica para Nuno quando o credor da dívida aparece morto e seu corpo, mutilado. Temendo que a culpa caísse sobre ele, o jovem inicia uma investigação por conta própria, enquanto se aproxima do responsável pelo caso, o intendente em pessoa.

Além da voz de Nuno, temos também Muana Lómuè. Ela foi escravizada e trabalhava para a vítima. Moçambicana, Muana tem poderes que os olhares europeus não conseguem explicar. Muana fala de seu povo, macua, e sua Grande Mãe, Nipele. Muana tem capacidade de enxergar os mortos. Há outras duas personagens que trabalhavam para a suposta vítima: Roza e Marianno. Cada um deles tem características marcantes e poderes misteriosos.

Enquanto acompanhamos as vozes de Nuno e Muana, vamos nos questionando qual seria o verdadeiro crime. Não seriam os horrores provocados pelos traficantes das pessoas escravizadas? Cada capítulo se abre com um anúncio de jornal e alguns deles são de pessoas vendidas para o tráfico de escravizados. Os anúncios foram de fato consultados em documentos dos jornais do Brasil colonial. E mostram a vileza dos portugueses em negociar vidas inocentes, inclusive crianças. 

Um elemento interessante é que a autora com sua obra homenageia o romance policial, com reviravoltas e mistérios que envolvem cada personagem. O livro, porém, não é um romance policial e sim uma obra de denúncia social e um romance histórico. Uma obra poderosa sobre a resistência de povos que foram retirados à força de sua terra, mas que lutaram para que sua terra não fosse arrancada deles.


Ficha Técnica

O crime do Cais do Valongo

Eliana Alves Cruz

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ISBN-13: 9788592736279

ISBN-10: 8592736277

Ano: 2018 

Páginas: 202

Idioma: português

Editora: Malê


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/o-crime-do-cais-do-valongo-782206ed787048.html