sexta-feira, maio 29, 2020

Um amor incomodo - O mergulho em uma busca delirante

Delia é a mais velha de três irmãs. Carrega em si as complicações do relacionamento que tem com a mãe, Amália que já é idosa e vive sozinha em Nápoles. Quando Delia recebe a notícia de que Amália foi encontrada morta, ela se lança em uma angustiante caçada, na tentativa de entender as circunstâncias da morte de sua mãe.

Assim tem início o conturbado romance  de estreia de Elena Ferrante, Um amor incômodo. A narrativa acontece em Nápoles, cidade populosa e obscura, repleta de vielas torpes e homens perversos. Delia busca entender as circunstâncias da morte da mãe, que foi encontrada em uma praia da costa italiana. A única peça de roupa que Amália usava era um sutiã de um grife cara de Nápoles. Não havia sinais de violência, o que dava a entender que se tratava de um acidente, ou um suicídio. 

O passado de Amália, porém, é conturbado e repleto de mistérios. Esse passado se relaciona às memórias mais submersas de Delia, que se vê obrigada a revisitá-las incessantemente. E a cada mergulho no passado, novas revelações vão surgindo e como um palimpsesto, os traços das recordações vão sendo reescritos, reconstruídos e remontados. 

Não é fácil seguir o fio narrativo de Delia. Como testemunha não confiável de suas próprias memórias, a protagonista nos arrasta como vítimas desse passado que ganha cores e formas múltiplas. Repletas de desejo e violência.

Outro elemento a ser observado no romance é o tom de angustiada denúncia. A todo momento somos levados a presenciar alguma cena de violência de um homem contra uma mulher. Cenas que muitas vezes se desenrolam em plena luz do dia, em maio a diversas pessoas. Essa banalização da violência vai além do incômodo e chega a ser quase insuportável. 

Com um enredo repleto de sombras e mistérios, num jogo fabuloso de contrastes, o romance Um amor incômodo certamente será um percurso selvagem e delirante, um mergulho na loucura e na perversidade, uma experiência literária de fôlego e estômago.

Ficha Técnica
Um amor incômodo
Elena Ferrante
ISBN-13: 9788551001370
ISBN-10: 855100137X
Ano: 2017 
Páginas: 176
Idioma: português
Editora: Intrínseca

segunda-feira, maio 25, 2020

Segunda vinda


Para aqueles
que aguardam
a volta de seu Cristo,
Saibam que ele 
já esteve aqui.
Já voltou.
E o que viu
O encheu
de horror 
E assim ele
deu suas costas
e partiu.
Para jamais
Voltar.

sexta-feira, maio 22, 2020

Os Fantásticos Livros Voadores de Modesto Máximo - Para aqueles que ainda virão

Em um dos primeiros momentos do curso Infâncias e Leituras, tive a oportunidade de assistir mais uma vez ao filme Os Fantásticos Livros Voadores de Modesto Máximo (The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore). Já de início afirmo que sempre encaro com entusiasmo as oportunidades de assistir a esta animação, tão singela e preciosa, que não raro arranca lágrimas de meus olhos.

Este filme é um dos mais incríveis que já assisti. Foi maravilhoso poder vê-lo novamente. Trata-se de uma narrativa fantástica, com alto grau de simbolismo e que apresenta uma narrativa muito clara e bem amarrada. Nela, Modesto Máximo (Morris Lessmore) é arrancado de sua vida comum e de suas palavras por um desastre que desarrumar todo o seu mundo. Suas cores são perdidas, sua voz é silenciada, o livro que representa a sua vida perde as palavras e se torna vazio.
O que parecia não ter conserto logo se mostra repleto de possibilidades. Modesto encontra um livro que o leva a uma casa de livros. 

Enquanto trabalhei na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, gostava de brincar com os livros como se estes fossem pássaros. Creio que eu tenha sido inspirado pelo filme. Ou talvez a analogia já estivesse em mim há mais tempo. O fato é que o filme usa dessa metáfora, ao mostrar os livros voando, com suas páginas abertas.

Apenas o livro da vida de Modesto Máximo não voa. 

A imagem dos diversos livros, de várias formas e tamanhos, adejando graciosamente é um espetáculo à parte. E justamente um desses livros passa a fazer o papel de companheiro de Modesto.

Não vou adiantar muita coisa do filme, pois acho que assisti-lo sem muitas informações preliminares, descobri-lo com um primeiro olhar é uma aventura ímpar a meu ver. Portanto, peço que só leiam os próximos parágrafos quem já tiver assistido ao filme.

Achei muito interessante que o livro que levou o protagonista para a casa dos livros não foi o mesmo que guiou a garotinha ao final da narrativa. Ou seja, cada um de nós tem o seu livro, aquele que podemos chamar de completamente nosso. O livro que nos apresenta aos demais, que nos encanta pela primeira vez. 

Também foi lindo observar que o senhor Modesto Máximo não foi embora sem antes deixar um pedaço de si, uma parte de sua história, ou toda a sua história. Seu livro agora havia ganhado vida, passando a ser mais uma das entidades encantadas que voavam pela casa dos livros. 

Da mesma maneira, somos convidados, pela leitura e pela escrita, a deixar nossas marcas, nossas pegadas através das palavras e traços, como nosso testemunho para aqueles que ainda virão.


terça-feira, maio 19, 2020

Memórias de leitura

As memórias afetivas são um fator muito forte na vida de uma pessoa. Mais profundas do que meras lembranças, tais memórias carregam junto a si uma miríade de sentidos, sejam estes físicos ou não. São aromas, sons, superfícies e até outros sentidos ainda mais sutis, além das emoções que os mesmos carregam.

Durante o curso Infâncias e Leituras, um dos exercícios foi justamente evocar as memórias afetivas que tenho das leituras mais antigas de minha infância. Nao foi difícil resgatá-las, pois as visito com muita frequência, como lugar dentro de mim para me (re)visitar e (re)conhecer.

Existem duas memórias muito próximas e não sei qual das duas é a primeira. São memórias de dois livros: Marcelo, Marmelo, Martelo, de Ruth Rocha, e Flicts, de Ziraldo.

Uma das memórias mais antigas que tenho é a imagem de Marcelo correndo e gritando, com a boca enorme, para avisar que a casinha do cachorro estava pegando fogo. Outra imagem bem forte é da última imagem do livro Flicts, quando a gente descobre que a lua é dessa cor, Flicts.

No caso de Flicts, eu não me lembro de quem lia para mim. Talvez fosse a minha mãe, mas não tenho certeza. Já com Marcelo, Marmelo, Martelo, eu tenho a recordação do meu irmão mais velho, Arthur, rindo e dizendo: "Embrasou a moradeira do latildo!" Ele me contou a história do Marcelo e de sua confusão com as palavras e seus sentidos. Lembro-me que rumos muito com o caso. 

Talvez o meu irmão, no auge dos seus cinco anos, tenha sido o meu primeiro mediador de leitura.

segunda-feira, maio 18, 2020

O que a leitura é para mim?


Muito se pode dizer sobre a leitura. Podemos, por exemplo, assumir um olhar meramente técnico, dizer que a leitura nada mais é que a decodificação de sinais, de forma a atribuir aos mesmos sentido. Ou podemos assumir, como eu, um viés mais amplo.

Não é possível falar de leitura sem pensar em Paulo Freire. O grande educador, em sua obra A importância do ato de ler(1981), fala sobre dois tipos de leitura: a leitura da palavra e a leitura do mundo. E ainda afirma que haveria uma preponderância de uma em relação à outra.

Certa vez, estava sentado em um banco na Estação São Gabriel, aqui de Belo Horizonte, aguardando o ônibus para o bairro Ribeiro de Abreu. Usava uma camisa preta, com a estampa de um mangá pouco conhecido aqui no Brasil - Gantz

De repente, um senhor se aproxima e aponta para o desenho em minha camisa. Ele dá um sorriso de reconhecimento e fala da apreciação do seu filho por desenhos desse tipo. Contou sobre Dragon Ball, dentre outras referências. 

Aquele senhor não conhecia o mangá cuja imagem estava estampada em minha camisa. Porém, observou o padrão da imagem e fez relações que estavam presentes em sua bagagem cultural. Para mim, esse episódio foi um exemplo inesquecível sobre as capacidades de leitura de mundo que as pessoas possuem. E tais capacidades muitas vezes são desprezadas por aquelas pessoas que se consideram "detentoras do saber".

Sei que ao falar de leitura aqui, não estou me referindo à leitura de mundo. Estou falando da leitura da palavra. Porém, para mim, não existe uma sem a outra. Em minha opinião, quanto mais aproximamos mundo e palavra, maior a possibilidade de pertencimento, de associações. Maior a possibilidade do jogo de sentidos.

Chego, porém, ao título deste texto. O que é a leitura para mim? E falo a leitura da palavra. Qual a sua importância em minha vida? A leitura sempre foi para mim uma possibilidade de escape, mas não de escapismo. A leitura ressignifica meus dias e concede a eles um caráter mágico, maravilhoso. A leitura concede sentido à minha existência.

Continuo a buscar a ampliação desse meu conceito de leitura. Tenho para mim que ler é um ato de liberdade e também de existência. Pela leitura eu reafirmo a minha (r)existência, meu lugar no mundo e todas as possibilidades que tal posicionamento me traz. Até quando não leio estou reafirmando a minha leitura, pois tenho nos livros e no texto escrito uma das minhas razões para permanecer neste mundo. Um dos maiores sentidos de meu ser. 

domingo, maio 17, 2020

Redemoinho de Histórias - Histórias Diversas

Hoje, eu e Pâmela teremos a alegria enorme de contar histórias no canal do Instagram Redemoinho de Histórias (@redemoinhodehistorias).

Eu pretendo narrar Lolô, de Grégoire Solotareff. Tenho no canal uvm vídeo em que faço a leitura desse livro tão maravilhoso. A Pam irá contar "A velha mulher do mundo", de tradição oral.

Fomos convidados na ocasião da abertura da nova temporada do Redemoinho de Histórias, com o espetáculo "Histórias Diversas".

Sinto-me profundamente honrado pelo convite e espero estar à altura de um projeto tão sensível e diverso. Conto com a presença de todo mundo!

Dia 17de maio de 2020, domingo, às 17h30, no perfil do Redemoinho de Histórias.



Vídeo: Pense em quantos anos foram necessários para chegarmos a este ano - Ana Martins Marques



Hoje declamo o poema de Ana Martins Marques presente em "O livro das semelhanças":

Pense em quantos anos foram necessários para chegarmos a este ano
quantas cidades para chegarmos a esta cidade
e quantas mães, todas mortas, até tua mãe
quantas línguas até que a língua fosse esta
e quantos verões até precisamente este verão
este em que nos encontramos neste sítio
exato
à beira de um mar rigorosamente igual
a única coisa que não muda porque muda sempre
quantas tardes e praias vazias foram necessárias para chegarmos ao vazio
desta praia nesta tarde
quantas palavras até esta palavra, esta


Mais histórias e poesias em: http://www.oguardiaodehistorias.com.br/

sexta-feira, maio 15, 2020

Esperando Bojangles - A eterna valsa de amor e loucura

Imagem: Amazon
Não há família normal. Este é um fato. Algumas pessoas defendem, inclusive, que a incubação das maiores patologias mentais de nossa sociedade está no seio das famílias, com seus valores, sua tradição e sua religião. Mas quando uma família sai completamente dos padrões, quando a loucura passa a ser uma espécie de parâmetro, como lidar com isso?

Esperando Bojangles, do francês Olivier Bourdeaut, é um exemplo disso. O romance é narrado por duas pessoas - pai e filho. A narrativa tem início pela voz do filho, que relata com inusitada inocência os comportamentos nada usuais dos pais. Sua mãe, por exemplo, recebe a cada dia um nome diferente pelo marido. Eles mantêm uma vida despreocupada e quase inconsequente, mesmo tendo uma criança para criar. O casal bebe muito e dança ainda mais. São completamente apaixonados e sustentam uma atitude de afetado descaso às regras. O pai é a única pessoa que recebe um nome fixo na narrativa: Georges. Já o menino é chamado de nosso filho, quando é Georges que assume a narrativa.

Olivier Bourdeaut nos guia em um romance ligeiro e engraçado. As situações mais inusitadas vão se desenhando aos nossos olhos, enquanto uma história de amor e loucura nos arrebata em risos e lágrimas. Os capítulos que pai e filho narram são alternados e, contrapondo-se ao olhar infantil, nós leitores vamos conhecendo um Georges apaixonado que não se abala com a loucura da mulher. Ele a abraça com todas as suas consequências.

Assim, vamos descobrindo um pouco das peculiaridades e condições dessa família e do homem que é capaz de sacrificar literalmente tudo pela mulher que ama. Apesar do contraponto da narrativa de pai e filho, é interessante perceber que o mesmo ar inocente perpassa também as palavras de Georges, enquanto ele narra seu encontro com a mulher de mil nomes, a mãe de seu filho e senhora de sua vida. 

Existem outras personagens igualmente cativantes e pitorescas. Uma delas é Madame Supérflua, uma grou que foi resgatada em uma viagem do casal e passou a ser um bicho de estimação, com direito a colares de pérolas. Outra personagem é a figura de um senador corrupto, amigo de Georges e responsável por sua riqueza. O senador também não é nomeado no romance, sendo chamado apenas de "o Lixo".

Este é um romance que, apesar de suas poucas páginas, tem uma mensagem profunda, estrondosa. Nele, valores e tradições são questionados de uma forma que, se não fosse pelo humor, seria dolorosamente incômoda. Totalmente longe do politicamente correto, o romance apresenta personagens disfuncionais, mas extremamente harmônicos em sua mecânica interna. Mostra pessoas que decidem ignorar conceitos como lógica, costumes, reputação, para viver, com toda a sua loucura e entrega, uma história de amor. 

* Um agradecimento especial a Norma de Souza Lopes, por ter me indicado este maravilhoso livro.

Ficha Técnica
Esperando Bojangles
Olivier Bourdeaut
 Nenhuma oferta encontrada
ISBN-13: 9788551300862
ISBN-10: 8551300865
Ano: 2017 
Páginas: 128
Idioma: português
Editora: Autêntica Editora

quarta-feira, maio 13, 2020

Muito ainda para refletir

Quem tem acompanhado o blog pode observar que minhas últimas reflexões tiveram o olhar sobre as infâncias, suas leituras e os espaços em que elas se atravessam. Ressalto que as reflexões foram motivadas pelas atividades do curso Infâncias e Leituras, realizado pelo Polo Itaú Cultural, em parceria com o Laboratório Emília de formação. 

Refletir e escrever sobre o tema abordado foi muito proveitoso para mim. Destaco o exercício de retorno às origens e memórias de leituras iniciais, o que reforçou ainda mais minha identidade como leitor, escritor e mediador de leitura. Ao final de cada atividade proposta, predominava o sentimento de gratidão pela oportunidade ímpar desse mergulho no passado, o qual proporcionou um melhor entendimento de mim mesmo, de meus propósitos e sentidos na vida.

Reforço que muito mais há para falar e explorar a partir das anotações feitas durante o curso. Continuarei a compartilhá-las aqui e conto com as leituras das pessoas que aqui comparecem, para podermos expandir ainda mais nossos horizontes. 

segunda-feira, maio 11, 2020

Para pensar os clássicos

Quem tem acompanhado os relatos e as reflexões que tenho postado aqui, é possível constatar que o curso Infâncias e Leituras é um espaço rico para muitos desdobramentos. 

Um dos temas abordados foi o conceito de clássico e o que ele representa na literatura. Como provocação, fomos convidados a assistir dois vídeos da escritora Marina Colasanti.

A partir das falas e provocações da escritora, pude observar alguns critérios que ela relaciona aos clássicos.

Creio que os critérios mais importantes dos clássicos são sua universalidade e atemporalidade. Na universalidade, as questões mais presentes na mente e na cultura humanas são abordadas e discutidas. Sendo assim, um clássico sempre será atual e sempre falará a pessoas de diverentes partes do globo terrestre.

Outro critério importante, creio eu, é a capacidade reflexiva. Um clássico não é feito para divertir, mas para despertar a reflexão daquele que o lê.

Sendo assim, os clássicos se destacam através do tempo por sua atemporalidade, ultrapassam fronteiras, por sua universalidade, e se mantêm vivos na mente das pessoas, por sua capacidade reflexiva.

domingo, maio 10, 2020

Vídeo: Minha Mãe Não é Legal - Loreto Corvalán

Olá! Para comemorar o Dia das Mães, compartilho com vocês a leitura do livro Minha Mãe Não é Legal, de Loreto Corvalán, traduzido por Andréia Nascimento. Vamos assistir?





Feliz Dia Das Mães para todas as mamães do mundo!

Ficha Técnica 
Selo: Rota Imaginária
Dimensões: 21 x 21
Autora: Loreto Corvalán
Ilustradora: Loreto Corvalán
Tradutora: Andréia Nascimento

sexta-feira, maio 08, 2020

Mamãe & Eu & Mamãe - A maternidade reconquistada

Maya Angelou é uma mulher incrível. Digo isso no presente porque, apesar de Maya já ter falecido, sua figura se mantém viva através de seu trabalho artístico, de seu ativismo, da força de suas palavras.
Autora de uma poesia potente e dona de uma mente incansável, Maya foi uma mulher forte e corajosa, uma desbravadora. Sua vida foi inaugurada por tragédias ainda muito cedo. Ainda assim, ela teve A força de superá-las, por intransponíveis que parecessem.

Um dos livros de Maya Angelou que retrata suas superações é Mamãe & Eu & Mamãe. Autobiográfico, o livro fala um pouco sobre essas tragédias, mas se foca principaente no resgate da relação entre mãe e filha e no quanto essa relação foi importante para Maya Angelou como artista, mulher e mãe. 

É interessante observar na narrativa a profunda e incontestável admiração que Maya sempre nutriu pela mãe. Inicialmente, tratava-se de uma admiração distante. Ela conta que sua mãe parecia uma artista de cinema, uma madame. 

O distanciamento se dava também pelo ressentimento. Quando era bem pequena, Maya foi enviada, junto com o irmão, para morar com a avó paterna. Eles só voltariam a morar com a mãe anos depois, quando Maya já estava no final da infância. Essa ausência teria causado em Maya e em seu irmão um distanciamento que parecia impossível de transpor. Tanto que ela não conseguia chamar Vivian de mãe, mas de "Lady".

A distância entre as duas, porém, vai sendo vencida pela franqueza, respeito e, sobretudo, pelo amor. Em nenhum momento, Vivian tentou se desculpar por ter mandado seus filhos para longe. Porém, ela se esforçou ao máximo para estar presente em suas vidas.

Foi impossível não me apaixonar pela pessoa de Vivian Baxter. Uma mulher altiva mas compassiva. Sempre disposta a ajudar, a tratar a filha como igual, sem deixar de oferecer a ela seu regaço de mãe. Repleto de fotos com Maya e Vivian juntas, trata-se de uma obra cálida e terna. Mamãe & Eu & Mamãe é uma homenagem e uma declaração de amor, além da mensagem forte de que com amor e dedicação, as relações de mãe e filha antes distantes entre si podem se transformar em laços impossíveis de serem rompidos. 

Ficha Técnica 
Mamãe & Eu & Mamãe
Maya Angelou
ISBN-13: 9788501114136
ISBN-10: 8501114138
Ano: 2018 
Páginas: 176
Idioma: português
Editora: Rosa dos Tempos

Perfil do livro no Skoob:

quarta-feira, maio 06, 2020

O que eu aprendi com meus leitores


Com meus leitores aprendi que não há preconcepção que não possa ser desconstruída. Aprendi que muitas vezes a criança que mais atrapalha é justamente a que mais está gostando da leitura e não sabe como dizê-lo. Aprendi que não há como a criança para quem eu leio gostar de um livro se eu mesmo não gostar.

Foram muitas as descobertas. Aprendi a não olhar a criança com superioridade. Nossas inteligências e experiências apenas são diferentes. Entender a criança a partir de uma horizontalidade e uma disposição de escuta é muito importante.

Com meus leitores eu aprendi que sempre é possível ser surpreendido e esperar o retorno das crianças, antes de tirar conclusões precipitadas. Quando eu achava que a criança já estaria consada de tanta leitura, ela pedia mais. Quando eu pensava que um texto específico já estaria batido e desinteressante, as crianças queriam que o mesmo texto fosse lido mais de uma vez sequida.

Aprendi que a leitura compartihada com as crianças é uma experiência de intensa troca, de constante descoberta. Nós estamos lendo para elas, mas elas também nos estão lendo. Elas buscam conexão.

A leitura compartilhada para as crianças é como um jogo. Não é um ato meramente protocolar. Trata-se de uma brincadeira também, assim como as demais atividades da criança são, para ela, como brinquedo. 

Ao mesmo tempo, a leitura compartilhada é também um momento para a criança descobrir outras formas de se relacionar com o mundo. O momento de silenciosa escuta. O momento de abrir a janela para dentro.

segunda-feira, maio 04, 2020

Meu caminho como leitor

Cada leitor tem um percurso único. Cada leitura também é única, a meu ver. Contudo, existem aproximações, interseções, que nos ajudam a entender nosso percurso como algo maior, mais amplo, cujos contornos nos ligam a tantas pessoas diferentes de nós.

Durante o curso Leituras e Infâncias, fui convidado a evocar de minha memória os momentos em que tive contato com a leitura em voz alta, quando ainda era criança.

Existe um momento especialmente marcado em minha infância. Eu tinha por volta de 9 anos. Cheguei à sala de casa e vi meu padastro lendo O Pequeno Príncipe. Ele estava sentado no sofá, em silêncio. Eu me sentei ao seu lado e ele, ao perceber, começou a ler um trecho em voz alta. Era justamente o trecho em que o príncipe e a raposa conversam sobre os sentidos da palavra cativar.

De repente, eu senti lágrimas escorrendo de meus olhos. Eu chorava, de tão emocionado que estava com o amor que a raposa e o príncipe haviam cultivado um pelo outro.

Houve outros momentos de leitura. Lembro-me de segurar em minhas mãos livros de contos de fadas, enquanto alguém lia para mim. Um dos contos era A pequena vendedora de fósforos, de Andersen.
A imagem era vívida e quase se podia sentir o frio que acometia a pequena menina. Assim como o calor da luz que a iluminou enquanto voava em companhia de sua avó.

E por falar em avó, a mãe de minha mãe contava histórias para mim. Algumas eram assombradas. Outras, cômicas. Sua voz soava tranquila, quase num sussurro, enquanto ela me guiava por caminhos de fantasia. 

Outra provocação do curso foi me fazer ponderar sobre o que teria facilitado meu percurso como leitor, bem como o que teria dificultado o mesmo.

A proximidade com os livros facilitou muito a minha formação leitora, ao mesmo tempo que a religião a dificultou. A partir da visão cristã, havia livros impróprios, histórias malditas, por falarem de magia, bruxas e monstros. Essa ideia não perpassou minha infância, mas contaminou com muita força parte da minha adolescência e me afastou dos livros. Em certa época, tornei-me leitor quase exclusivamente da bíblia e de livros religiosos.

Existe outro dificultador em relação a minha formação leitora, que foi o fato de ter morado no interior de Minas Gerais. A cidade em que eu morava, embora não fosse muito pequena, não contava com biblioteca ou livraria. O acesso a livros novos também era difícil, pois estes eram caros. Por isso, eu geralmente recebia livros usados, comprados em sebos de Belo Horizonte, ou doados por familiares. Tenho em meu acervo até hoje livros com nomes de parentes na contra-capa. 

A verdade é que eu tinha muita dificuldade em ler, nos primeiros anos. A partir da terceira série, porém, fui apresentado a livros da série Vaga-lume por minha mãe. Ela havia sido encorajada a isso por minha professora. Eu estava no quarto ano, antiga terceira série. 

A professora recomendou a minha mãe que não me obrigasse a ler, mas fizesse sutis sugestões. Os livros eram mostrados, oferecidos, mas nunca impostos. Essa ausência da imposição aguçou minha curiosidade. A partir do livro O caso da borboleta Atiria, minha paixão pelos livros teve início e tal fogo nunca mais se extinguiu.

Acho que essa premissa, a de nunca forçar ou obrigar uma leitura, foi fundamental para não me afastar dessa nova possibilidade. Assim, quando os livros se tornaram um lugar seguro para mim, um abrigo e uma casa, pude ter sempre em mente que ler é, antes de tudo, um convite. 

domingo, maio 03, 2020

Vídeo: Vandalismo - Augusto dos Anjos



Compartilho este vídeo, que foi gravado há bastante tempo, mas continua atual, assim como o poema que ele performa:




Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas,
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a Imagem dos meus próprios sonhos!


"Eu & outras poesias"
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1772




Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/eu-e-outras-poesias-1328ed206177.html

sexta-feira, maio 01, 2020

O homem que amava os cachorros - A Utopia Assassinada

Entre a História e a ficção literária existe uma tensão, que é ainda mais patente em romances históricos. Quando estes assumem um cunho biográfico, então, tal tensão pode ser quase insuportável. Afinal, temos de um lado a veracidade, o compromisso com os fatos, por mais absurdos que estes possam parecer; e do outro, a verossimilhança, ou seja, uma aparência de verdade.

O romance O homem que amava os cachorros, do cubano Leonardo Padura, caminha nessa corda bamba, sem perder o equilíbrio. A obra conta a da vida e da morte de três homens: Leon Trótski, Ramón Mercader e Ivan Cárdenas, sendo o último o fio condutor do romance, a testemunha que recebe as confissões atravessadas de um misterioso homem e se lança na busca pela verdade.

Já no prefácio do livro, o mesmo é definido como um "thriller histórico", estabelecendo assim a natureza dúbia desse texto que, já de início, apresenta seu narrador a partir de um ponto de vista intimamente ligado a suas personagens. Assim, quando começamos a ler sobre a vida de Trótski, temos contato com um homem aturdido, angustiado com as injustiças e perseguições que sofre.

Ao mesmo tempo, os capítulos destinados a Mercader mostram um jovem idealista, com uma relação complicada com a mãe e apaixonado por uma militante comunista cuja devoção aos ideias beiram à loucura. A proximidade que a narrativa estabelece entre nós, leitores, e seus protagonistas é de uma perturbadora intimidade, de forma a ser impossível buscarmos lados.

Não deixa de ser um fato, porém, que o romance apresenta lados. Em uma ponta está Leon Trótski, antigo líder do Exército Vermelho e um dos maiores líderes da Revolussão Russa. Na outra ponta está Ramon Mercader, o obscuro soldado da Guerra Civil Espanhola que será lentamente forjado para ser o assassino do ex-líder soviético. E no centro está Cárdenas, o narrador, responsável ficcional por construir uma unidade nessas narrativas convergentes.

Mas se o romance apresenta lados, como seria impossível para nós, leitores, assumir um posicionamento? Bem, para este leitor foi impossível. Tanto Trótski quanto Mercader são por demais humanos, repletos de paixões e defeitos, sendo que nenhum dos dois é retratado como um abjeto vilão. Ambos aparecem como pessoas que decidiram sacrificar tudo - até mesmo a família - por seus ideais.

Outra figura histórica que aparece com peso no romance é o próprio Josef Stálin. O líder soviético nunca surge pessoalmente, mas sua figura está sempre presente nas sombras. O romance não poupa Stálin, que aparece como o maior responsável pela morte da utopia comunista.

Portanto, é importante frisar que este não é um romance fácil. É uma obra densa, pesada, repleta de sombras e dor. O percurso pela narrativa é também uma jornada que mostra como a maior utopia do século passado pode alcançar seu ápice e também sua derrocada, tendo sido destruída de dentro para fora.

Ficha Técnica 
O homem que amava os cachorros 
Leonardo Padura 
ISBN-13: 9788575593578
ISBN-10: 8575593579
Ano: 2013 
Páginas: 592
Idioma: português

Editora: Boitempo

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/359958ED404651