segunda-feira, julho 24, 2023

Poetizando

Quando quero escrever poesia

meu corpo explode em mil pedaços

Minha mente se estilhaça sutilmente

A vontade é apenas de ser luz.


Mas essa dor que me rasga o peito

não deve ser poesia, não pode ser

O que é então que me sacode

qual presa na boca do predador?


Não sei o que me acomete

quando quero escrever poesia

Sei apenas do fino desejo

que me corta igual navalha.


Não, poesia não é isso.

Eu nem tento me perder em sentidos

Sigo trôpego o caminho escondido 

e vencido lanço minha alma ao caos.

sexta-feira, julho 07, 2023

Conversa de contar

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Era uma tarde para se perder dentre tantas outras. Um menino silencioso e franzino entrou na sala e se deparou com o homem sentado no sofá, com um livro aberto. Era a história de um principezinho que se perdia entre tantos planetas e perguntas. O menino, por uns instantes, examinou o rosto do homem, tão mineral, como que talhado em rocha. Era um rosto forte, uma feição que o menino queria para si. E agora seu rosto demonstrava total concentração na leitura. Embevecido, o menino admirava tanta dedicação ao silêncio. Não imaginava que esse silêncio era aparente; no interior do homem, um mundo de palavras acontecia.

Querendo apenas compartilhar daquela calma, o menino se achegou ainda mais ao homem e sentou-se ao seu lado. Deixou-se ficar, a curtir a ausência. Era como se apenas estar lá já o fizesse cúmplice daquele ato tão íntimo, a leitura. Era também uma forma clandestina de acompanhar a silenciosa incursão do homem pelo texto.

E subitamente, ciente da presença do menino, o homem decide ler em voz alta. Era a passagem em que raposa e príncipe estabelecem os termos de sua relação, em que cada um se torna responsável por aquele que cativa. E ambos, cativos um do outro, começam a ver em tudo mais riqueza e sentido, por ver no mundo ao redor os traços de seu companheiro.

Enquanto príncipe e raposa se despediam, o menino sentiu um fogo tremendo queimar em seu peito. Sem que pudesse impedir, lágrimas brotaram de seus olhos. Como os dois cativos da história, o menino também chorava, cativo da voz do homem e da própria história que se desenrolava no momento. Ou melhor, histórias.

Homem e menino nunca trocaram uma palavra sobre o que acontecera naquela tarde. A leitura foi interrompida e cada um mergulhou em seu melancólico silêncio. Seguiram seus caminhos. Ambos, porém, nunca mais foram os mesmos. Entre eles um acordo tácito fora firmado. Afinal, muito aprenderam nessa conversa em que as vozes não eram deles. Homem e menino; príncipe e raposa.