Quem acompanha tanto meu trabalho na Biblioteca quanto meus percursos pela escrita, sabe que eu sou um grande admirador da literatura de fantasia, sobretudo a nacional. Já passaram por este blog alguns escritores contemporâneos que tive o prazer de conhecer, fosse pessoalmente ou por meios digitais. E foi com grande satisfação que pude conhecer o trabalho de Jim Anotsu. Mais especificamente, seu romance Rani e O Sino da Divisão.
Narrado pela protagonista, uma adolescente headbanger, o romance de pronto nos apresenta a cidade de Graúna por um viés meio sombrio. A caminho da escola, Rani tem um encontro inusitado com um menino esquisito, principalmente por seu tênis verde fluorescente. Esse é o Pietro, um dos grandes parceiros de Rani em sua jornada xamânica.
Sim, Rani é uma xamã, embora não o saiba no início de sua narrativa. Seu encontro com o Pietro, um vampiro nada convencional, inaugura uma série de incidentes sobrenaturais bem como seu ingresso entre os Animais de Festa, uma espécie de fação contra-cultura no mundo sobrenatural. A vida de Rani está em perigo, pois um poderoso xamã conhecido como Aiba está assassinando e devorando o coração de outros xamãs. Com a ajuda de seus novos amigos e de Marina, sua colega de sala e companheira de banda de garagem, Rani terá que encontrar o Sino da Divisão, o único objeto capaz de deter seu poderoso inimigo.
O mais impressionante no romance de Anotsu é que ele é muito mais do que uma sinopse pode sugerir. Ao abrir o livro, prepare-se para uma enxurrada de referências musicais e culturais, com animes, quadrinhos, bandas, filmes, seriados, livros, tudo permeado com um senso de humor genuíno. Os personagens criados por Anotsu, sejam eles desconhecidos ou retirados de algum panteão mitológico, são espirituosos, refinados e originais. As referências várias estão lá, mas claramente o autor fez mais do que inseri-las: deu-lhes alma própria.
Há uma surpreendente sinergia entre os personagens, até mesmo entre Aiba e Rani, e isso torna o livro ainda mais cativante. Não posso deixar de falar de Marina, responsável por alguns dos melhores momentos do livro, com destaque à interpretação da música "God Save The Queen", do Sex Pitols.
Vale destacar também como a narradora é capaz de despertar profunda empatia, mesmo com seu humor sardônico, suas dúvidas, inseguranças, sua enorme capacidade de criar as mais pessimistas metáforas que se pode imaginar. Ao ser advertida de que precisa limpar a negatividade em sua mente, ela responde: "Isso vai ser complicado. Eu sou uma garota do século XXI, noventa por cento do meu DNA é constituído de sarcasmo e negatividade."
Talvez isso seja o mais atraente no texto de Jim Anotsu. Rani é uma adolescente que busca não mentir para si mesma, que entende que está em uma das fases mais cruciais de sua vida e que precisa de mais maturidade do que aparenta ter. Isso aproxima muito o leitor, que sente acompanhar a história de uma pessoa real, com dramas reais.
Enfim, eu poderia continuar escrevendo, estender essa resenha a infinitos parágrafos e não vou conseguir dar forma ao que eu senti ao ler Rani e O Sino da Divisão. Garanto, contudo, que o leitor que tiver esse livro em mãos terá também a oportunidade de uma experiência divertida e ao mesmo tempo profunda. Um rito de passagem de uma jovem xamã rumo ao autoconhecimento.
Ficha técnica:
ISBN: 9788582351871
Ano: 2014 / Páginas: 320
Idioma: português
Editora: Gutenberg
Perfil do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/404916ED459224