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quarta-feira, agosto 20, 2025

É tudo sobre encontros


Eu tenho uma relação antiga com a poesia. Porém, há pouco tempo tenho assumido o lugar de poeta, com a publicação do meu livro Cicatriz, ocorrida no final de 2024, pela editora Litteralux. Sim, eu sei, posto poemas há anos nas redes e no blog, mas não é a mesma coisa. Ter meus versos transformados em um objeto como o livro tem me levado a outros lugares, para falar de meu fazer poético.

Foi o que aconteceu no dia 12 de agosto, terça, quando compareci como convidado, junto com Isabella Bettoni e Renato Negrão, para o Sarau Poético Vozes da Cidade, na Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas. O convite partiu do bibliotecário Rafael Mussolini, que realiza há anos um trabalho consistente de promoção literária e formação de leitores. Conheci o Rafael quando ele ainda atuava como coordenador do Projeto Polo de Leitura Sou de Minas, Uai! e já mantinha uma presença forte nos debates para a construção de uma política pública para o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas em Belo Horizonte.

Portanto, ao receber esse convite, eu me senti genuinamente honrado. Afinal, trata-se de uma pessoa que muito admiro, tanto pela atuação como bibliotecário e mediador de leitura, quanto como leitor e crítico, com seu blog pessoal, passando também por sua relação afetiva com a escritora Marina Colasanti, a quem admiro desde criança. Rafael criou o site Marina Manda Lembranças, que logo se tornou o site oficial da escritora ainda quando estava viva.

Ao saber que compartilharia a fala com a Isabella Bettoni e o Renato Negrão, minha sensação de privilégio e responsabilidade cresceu ainda mais. Havia conhecido a Isabella pouco tempo antes e tinha seu livro, emprestado do acervo da BPIJ-BH, comigo. Já Renato eu conheço desde 2019, quando assisti sua fala no Segundo ConVerso de LiteraRua, no Centro Cultural Usina de Cultura. Portanto, minha admiração por essas duas pessoas da poesia já era patente. 

O sarau teve início com o Rafael mencionando a iniciativa da 2ª Noite de Museus e Bibliotecas, que busca promover a ocupação desses espaços, a partir de atividades fora de seus horários de funcionamento. Fez uma leitura sensível de um poema da grande Wisława Szymborska, sobre pessoas que gostam de poesia. Em seguida, acrescentou que a escolha da poeta e dos poetas da noite se pautou pelo perfil de pessoas que transitam e vivem na cidade de Belo Horizonte. Ele muito cuidadosamente leu as bios de cada convidada e convidado. 

A palavra então foi passada para Isabella, que traçou um histórico desde sua infância, revelando seu sonho de ser escritora e que a poesia nasceu nela desde que começou a traçar as primeiras letras. Foi de fato uma criança escritora, pois publicou seu primeiro livro aos 12 anos e essa experiência impactou sua vida profundamente, por ter sido uma criança escrevendo para crianças. Formou-se em Direito e atua como advogada feminista, na área do Direito à Cultura. Em 2020, durante a pandemia, participou de diversas oficinas de escrita ministradas por mulheres. Dos versos criados nasceu seu livro Não tentar domar bicho selvagem.

Renato Negrão assumiu o microfone e contou que passou uma infância cercada pela arte e pela cultura. O pai colocava para tocar discos de muita música boa, de Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Rita Lee. Renato achava que artista era uma espécie de entidade, tipo um extraterrestre, como eles mesmos pareciam admitir. Essa coisa de ver o artista na caixa da televisão, ou a voz saindo do vinil. Fato é que sempre quis ser artista. A mãe o colocou no curso profissionalizante, onde aprendeu a trabalhar com tipografia, e produção de revistas. 

Um dia, foi barrado na entrada do prédio de seus amigos que moravam perto de sua casa. Com isso, escreveu um manifesto poético e pregou na parede do elevador. Essa experiência causou grande efeito nele. Percebeu que poderia se destacar pela intelectualidade. Logo identificou que sua pegada era o trânsito entre palavra e imagem. Busca assim sempre seguir pela via da experimentação. Sua obra poética é numerosa e consistente, indo desde a participação na coleção Poesia Orbital, bem como os livros solo No Calo (1996), Vicente Viciado (2012) e Odisseia Vácuo (2023).

Fui então que chegou a minha vez de falar. Aproveitei para fazer um paralelo entre as falas de Isabella e Renato, relacionando-as com a minha própria trajetória. Meu contato com a poesia foi antes mesmo de saber ler, com minha mãe recitando poemas na família, mas estes eram de versos religiosos, evangélicos. Minha família por parte de mãe é de tradição evangélica e isso me atravessa, mas minha relação com essa herança é pela via do ódio.

Enfim, um dos poemas que minha mãe recitava era de um pastor atropelado que no leito de morte dá boa noite para todos os filhos, menos aquele que não era mais crente. Para ele, o pastor diz “Adeus”. O resultado era um chororô, eu chorava, meus irmãos, minhas tias, uma coisa bem catártica. 

Mas minha mãe também fazia poesia. Lembro-me do poema sobre sua paixão por Teófilo Otoni, MG, sua cidade natal (“Vi Teófilo Otoni florir… /Quis o ipê roxo pra mim”). Ou quando recitava para mim, de repente, o poema que começava mais ou menos assim: “Ao poeta escondido /do poema esquecido /que nunca foi lido /nem nunca será…” (...) E termina: “Está tão escondido /no baú ou na alma /que nunca foi lido /nem nunca será”. Acredito que ela ainda saiba recitá-lo perfeitamente.

Eu, como Isabella, também queria ser escritor ainda quando criança. Publiquei um livro que era uma espécie de fanfic, de forma bem independente, sem editora. O enredo tinha como personagens a Atíria, o Papílio, o Príncipe Grilo (tornado Rei), entre outros presentes na obra de Lúcia Machado de Almeida. Minha mãe enviou um exemplar para a Lúcia, que me ligou lá em casa. Na época, eu morava em Teófilo Otoni. 

Aquilo foi como se “a Divindade” estivesse falando comigo pelo telefone, algo meio como o Renato disse sobre os artistas serem entidades. Tive uma espécie de quebra de relação com a divindade naquele momento. A voz que falava no livro, sagrada, agora estava falando comigo ao telefone. Essa experiência deixou um profundo impacto em mim.

Contei de minha trajetória pela tecnologia, como programador, e também a tentativa em fazer Direito, por conta de uma visão ingênua sobre escritores como José de Alencar, Clarice Lispector, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles,  que tiveram essa formação

Minha mãe, mais uma vez, me influenciou nesse processo, ao dizer que Letras tinha tudo a ver comigo. 

Relatei sobre a primeira aula na UFMG, com o professor ouvindo sobre meu sonho de ser escritor e me chamando de ingênuo. Afirmei que leio poesia por obrigação, uma espécie de senso de dever, para expandir meus horizontes sensíveis. Que escrevo para dar vazão ao meu desarranjo interno, sendo também minha forma de fazer política. Para mim, política é se posicionar contra o que você acha que está errado no mundo. Isso independe de partido ou orientação ideológica. Dizer que não gosta de política é um contrassenso gigantesco, em minha opinião. Um verdadeiro absurdo.

Enfim, Rafa perguntou sobre espaços de poesia em Belo Horizonte. Renato apontou o Ateliê de Estratégias Narrativas, da Laura Cohen Rabelo. Nós três falamos dos saraus que ocorrem pela cidade. Destaquei o ColetiVoz e também falei de outros coletivos poéticos. Aproveitei para divulgar a Prosa Poética  Oficina de Escrita Criativa, que acontece todas as terças, às 10h, na BPIJ-BH. E, como não podia faltar, também fiz uma fala sobre o Clube de Escritores de BH, destacando o desafio de escrita. Por fim, apontei a importância da apropriação por parte da sociedade das 22 bibliotecas públicas municipais

Como não podia faltar, fizemos leituras de nossos poemas. De minha parte, li “Édipo ao avesso” e “Preciso trocar os meus óculos”.

Uma das pessoas presentes, um leitor chamado Marcos, perguntou sobre o incentivo para a escrita e publicação de poesia. Quis saber sobre o retorno financeiro. Isabella apontou que o principal motivo são os encontros. As pessoas que conhecemos pelo caminho. Concordamos com ela. Aproveitei para destacar que me considero um ilustre desconhecido. Que formar nossas famílias literárias é fundamental. Nossa matilha. Como que para provar o que eu afirmava, estavam presentes a Pâmela Bastos Machado e a Norma de Souza Lopes, duas pessoas que eu amo demais.

Só posso declarar que foi uma noite ímpar. Mais uma vez destaco que me senti profundamente honrado por estar naquele espaço cultural, cercado por pessoas tão incríveis. E poder falar do que me toca profundamente – a poesia. Estar em espaços como esse é um grande privilégio, pela escuta e, principalmente pelos encontros.

Para finalizar, expresso minha profunda gratidão ao Rafael Mussolini e a toda a equipe do Centro Cultural Unimed-BH Minas. E que outros momentos tão especiais como esse possam sempre acontecer.


Momento de fala.


Um público bem bacana!


Rafael Mussolini, Isabella Bettoni, eu, Norma de Souza Lopes e Renato Negrão na Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas



Com o Rafa, deixando um exemplar do Cicatriz no acervo da Biblioteca!


Eu e Isabella trocamos nossos livros!


Esse é o Marcos, que adquiriu um exemplar do Cicatriz!


* Registros fotográficos feitos por Pâmela Bastos Machado, Norma de Souza Lopes e equipe do Centro Cultural Unimed-BH Minas.

quinta-feira, outubro 03, 2024

Lançamentos do livro "Achei que você fosse o outro"



Faz tempo que tentava publicar um livro com o Rodrigo Teixeira. Escritor nato, talentoso e genial, Rodrigo mantinha um blog chamado "Bom Dia, Mudo Cruel!" que eu frequentava assiduamente. Esse blog, porém, foi descontinuado, embora permaneça online, com os textos do Rodrigo na nuvem. Recomendo muito o acesso. 

Enfim, desde que eu publiquei a primeira vez, há onze anos, sentia que era uma injustiça não ver os textos do Rodrigo impressos em papel, organizados em livro. Desde que nos conhecemos e nos aproximamos, surgiu a ideia da publicação conjunta. À época, havia uma terceira pessoa nesse projeto, mas a tríade não se sustentou. Ficamos apenas nós dois. E assim, entrava ano, saía ano e nada da gente publicar. 

Os textos foram organizados e reorganizados, revisitados várias vezes. Exigente, Rodrigo confessava que, a cada revisão, retirava um texto. Exasperado, instei que a gente publicasse logo, com medo de no final sobrarem somente os meus textos. Assim, fechamos uma versão final do livro conjunto.

Havia agora um outro desafio: Qual título dar para a obra híbrida? Deveria ser algo que representasse nossa amizade e parceria. Como sempre, Rodrigo teve uma sacada genial, retirando sua ideia de um incidente pitoresco. 

O ano era 2019. O local, o Centro Cultural Usina de Cultura, no bairro Ipiranga, em Belo Horizonte. Eu havia comparecido ao evento pela manhã, cumprimentado todos, curtido a programação. Rodrigo estava escalado para uma roda de conversa às 16h e chegou já no período da tarde. O problema é que ninguém o cumprimentava. As pessoas passavam por ele e o ignoravam. 

Ele começou a ficar preocupado. Já se perguntava o que estaria acontecendo quando o poeta e multiartista Dione Machado passou por ele, parou, voltou e disse: "Ué, achei que você fosse o outro!" Rodrigo então entendeu. As pessoas já haviam me cumprimentado pela manhã e, como é costume nos confundirem, achavam que eu e ele fôssemos a mesma pessoa. 

Isso é mais comum do que as pessoas que não nos conhecem podem pensar. Trabalhamos juntos no mesmo lugar, a Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Em diversos momentos tem gente trocando nossos nomes ou perguntando se somos irmãos. 

Ao se lembrar do incidente, Rodrigo chegou ao nome do livro: Achei que você fosse o outro. Contratamos o serviço do Selo Editorial Starling para a produção e impressão. Como podem constatar, resultado ficou lindo. 

Fizemos dois lançamentos. O primeiro foi conjunto, na Biblioteca onde trabalhamos. Foi em um sábado, dia 6 de julho de 2024. O segundo foi no Sarau do Coletivoz, numa quarta-feira, dia 10 de julho no The Wall Pub, em Contagem. Tivemos a presença do Coletivo Simples e também de representantes do Movimento Arte Contra a Barbárie. Já  terceiro e "oficial" foi no bar O Boêmio. Um momento de muita alegria e pertencimento. Além de muita cerveja! Pudemos nos três eventos encontrar amigos que nos apoiaram de forma tão presente. 

E por fim, fizemos parte de um lançamento conjunto na Sétima Candeia - Mostra Internacional de Narração Artística. Foi lindo, também!

Agradeço imensamente a todo mundo que participou de algum dos lançamentos. Sou grato também a quem não pode ir mas comprou um exemplar com a gente!

Seguem agora algumas fotos para ilustrar esses momentos marcantes em nossa trajetória literária.















segunda-feira, fevereiro 12, 2024

Aprendiz da imperfeição - Alcançando o inalcançável



O menino busca em um velho pintor o mestre que precisa. O pintor reluta em aceitá-lo como aprendiz e, mesmo após fazê-lo, não lhe dá aulas, deixa apenas que o garoto cumpra tarefas domésticas e lixe as telas até ficarem lisas o bastante. Mas nunca é o bastante.

Um dia, o pintor ordena ao aprendiz que se ausente por um  certo tempo. Quando retorna, o garoto vê que o mestre terminou a obra da sua vida, uma tela perfeita, que atrai muitos admiradores. Mas a perfeição é insuportável para o velho mestre. Nem vendê-la ele consegue. Como seguir com sua vida, agora?

O livro Aprendiz da imperfeição, de Pieter van Oudheusden e Stefanie De Graef, carrega uma narrativa profunda que se constitui numa fábula sobre a enganosa busca pela perfeição, que é intangível. Não que essa busca não seja importante, mas o fundamental é o processo e não o resultado; o caminho e não o fim. 

É curioso que quando vai executar a obra-prima, o ancião manda o aprendiz se ausentar, como se fosse necessário que cada um buscasse seu próprio caminho de perfeição. Esse caminho não pode ser copiado, é íntimo e secreto. Sem questionar, o menino obedece. Outra questão interessante é o aprendizado pela observação. As lições tomadas pelo aprendiz foram longas e silenciosas caminhadas. Nelas, o mestre parava para contemplar e era também contemplado pelo aprendiz, que buscava capturar o olhar do velho pintor.

Por fim, ressalto que produzir a obra prima poderia ter causado um efeito no mestre de forma a concluyir que não haveria mais nada a ser feito. Po´rem, não é isso que o velho pintor quer. Ele não quer se aposentar, não quer descansar, não quer viver no luxo e na riqueza. Ele quer continuar procurando. E creio que sua conclusão foi que a busca pela imperfeição calculada, deliberada, é tão desafiadora quanto a busca pela tão alardeada perfeição.

Observei que foi escolhida a ilustração digital como técnica para os desenhos. Essa escolha a princípio me incomodou, mas então percebi que os desenhos dialogam como essa idiea de perfeição, com um elemento figurativo quase perfeito, mas cores brutas, marcantes. Não são desenhos com texturas suaves, mas cores chapadas, o que a proxima a ilustração da ideia de imperfeição. Há um certo diálogo estético com as ilustrações orientais antigas, mas como uma sutil referência.

Quanto à linguagem, o texto é leve, poético e repleto de pausas. É um texto maduro, difícil mas igualmente compensador. Senti-me comovido por vários momentos enquanto eu lia.

Talvez, entender a imperfeição como seu novo e verdadeiro ideal, o velho pintor tenha alcançado uma certa paz; uma paz que o fez ver para além da aparência. Ou não. Talvez o tenha percebido que a perfeição é mesmo insuportável e que escapar dela também pode ser uma dádiva.


Ficha Técnica

Aprendiz da imperfeição

Pieter van Oudheusden, Stefanie De Graef

Tradução de Cristiano Swiesele do Amaral

ISBN-13: 9788564974630

ISBN-10: 8564974630

Ano:2015 

Páginas:32 

Idioma: português

Editora: Pulo do Gato


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/aprendiz-da-imperfeicao-575210ed576125.html

segunda-feira, janeiro 15, 2024

Balada de amor ao vento - Uma vida inteira de amor



A linda Sarnau está apaixonada. Seu coração foi capturado pelo belo Mwando. Há, porém, muitas dificuldades esperando esse possível romance. Mwando está estudando para ser padre. O amor dos dois será mais forte que a suposta vocação do rapaz? Este é um dos muitos percalços que Sarnau irá enfrentar para viver este amor.

Balada de amor ao vento, romance de estreia de Paulina Chiziane, é uma narrativa poética e melancólica, repleta de saudade e tristeza. No primeiro capítulo, Sarnau já se aproxima do fim de sua vida e começa a se lembrar dos encontros e desencontros que teve com Mwando. Como narradora, ela vai desfiando essas memórias. O amor se realiza, com Mwando correspondendo aos sentimentos de Sarnau e sendo por isso expulso da escola de padres. Os dois se entregam a esse amor, mas logo Mwando é prometido a outra mulher.

Sarnau pouco tempo tem para sofrer essa desilusão amorosa, pois ela é logo escolhida para ser a primeira esposa do príncipe herdeiro de Mambone. O casamento, porém, não será dos mais perfeitos. Nguila, o herdeiro do trono, além de mulherengo é violento e isso tornará a vida de Sarnau terrível.

A narrativa então se desdobra em duas, contando para nós, leitoras e leitores, a vida tanto de Sarnau quanto de Mwando, de forma intercalada.

A narrativa de Paulina Chiziane é maravilhosamente profunda e repleta de reflexões. As descrições resultam em imagens poéticas lindas, com elementos pitorescos e naturais. Nas digressões que Sarnau faz como narradora, ela denuncia todo o machismo da sociedade em que está incluída, em especial os efeitos funestos da poligamia. O sofrimento da mulher é evidenciado nesse processo.

Mwando também tem sua cota de tristezas. Em seus encontros e desencontros com o amor, ele também sofrerá e não será pouco. Porém, diferentemente de Sarnau, Mwando será o maior responsável por seus próprios sofrimentos. Ele não deixa, porém, de ser também uma vítima do sistema em que vive, sendo assim um homem de contradições.

Com uma prosa poética e de certa forma idílica, além das denúncias que carrega e o enredo repleto de percalços, Balada de amor ao vento é um livro belo e triste. Mas daquelas tristezas que não podemos deixar de evitar. Um livro que, como a vida, é feita de encontros e despedidas.


Ficha Técnica

Balada de amor ao vento

Paulina Chiziane

ISBN-13: 9789722115575

ISBN-10: 972211557X

Ano: 2003 

Páginas: 149

Idioma: português de Portugal 

Editora: Editorial Caminho


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/balada-de-amor-ao-vento-67544ed74571.html

quarta-feira, dezembro 27, 2023

Oficina estimula as crianças a encararem seus medos e refletirem sobre empatia



No dia 11 de novembro compareci à Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH para oferecer a oficina "O medo que a gente tem". Na atividade, eu li o livro Lolô, de Gregoire Solotareff. A partir da leitura, eu discorria com as crianças sobre as palavras "medo" e "empatia". Os sentidos dessas palavras eram explorados. Perguntei para as crianças de que elas tinham medo. Algumas disseram ter medo de aranhas. Outras, de baratas. Em seguida, falei sobre se colocar no lugar do outro, sentir o que o outro sente. Convidei as crianças então a desenhar suas imagens de medo, como forma a enfrentá-lo. Um aspecto dessa oficina em especial foi que as crianças foram chegando e eu voltava a ler com elas o livro e as convidava para produzir desenhos.

 











No dia 23 de novembro, foi a vez de ir à Biblioteca do Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado. Atendi a cerca de 75 crianças. Resolvi mexer um pouco na metodologia. Perguntei primeiramente sobre o que os lobos gostam de fazer. A resposta foi "caçar". Dei início então a uma leitura reflexiva e dialógica, apresentando os personagens Tom e Lolô, contando a história desses dois.

Após a leitura, comecei a explorar alguns aspectos do livro, falando sobre a diferença entre MEDO-DE-LOBO e MEDO-DE-COELHO. Falei do trauma que Tom sentiu ao ser profundamente assustado por Lolô. Além disso, discorri sobre as questões como o significado da palavra "empatia" como contraponto à "antipatia", que todos conhecem e cujo conceito compreendem intuitivamente.

Sendo assim, explorei um pouco a questão da desigualdade desencadear processos nem um pouco empáticos, gerando profundos traumas nas pessoas. Contei do meu medo de aranhas e a brincadeira durante a infância em que meu irmão, Arthur, junto com os amigos Áquila e Samuel, procuraram me assustar com uma enorme aranha fosforescente. E como o resultado foi desastroso, pois estávamos todos de hóspedes na casa desses amigos e os vizinhos comunicaram aos pais deles essa confusão gerada com meus gritos de susto. 

As crianças disseram ter se divertido muito. Aproveitei para contar a história "O caso do bolinho", seguida da Que bicho será que fez a coisa?

Também discorremos um pouco mais sobre medos e a importância de a gente se colocar no lugar do outro. Estava com meus cartões. Aproveitei para separar um cartão e deixei com uma das professoras. 

Por fim, fizemos algumas fotos para marcar a iniciativa.  





O último encontro da oficina "O medo que a gente tem" aconteceu no Centro Cultural Usina de Cultura. As crianças eram bem pequenas e estavam bastante inquietas. Elas faziam parte de uma creche parceira da PBH. Apesar da inquietação, pude observar que prestaram bastante atenção durante a leitura. Quando fui conversar sobre os aspectos "medo" e "empatia", elas começaram a ficar agitadas. 

Por conta do tempo curto e da agitação das crianças, considerei melhor encerrar a atividade. Também deixei meu cartão com uma das professoras, ficando assim a possibilidade de visitar a instituição parceira.


Por fim, considerei essa oficina muito interessante e com um potencial enorme. Uma atividade que apresenta uma obra diversa e de grande sensibilidade. 

Espero poder oferecer essa oficina nos centros culturais novamente. Ou realizá-la em outros espaços, como bibliotecas comunitárias, creches e escolas.

E você, o que achou? Já leu o livro indicado? Realizou alguma oficina de leitura literária? Deixe abaixo seu comentário, compartilhando sua experiência ou reflexão. 


quarta-feira, dezembro 06, 2023

Visita à Escola Estadual Carlos Campos no dia 10/11/2023



No dia 10 de novembro de 2023, pela manhã, compareci à Escola Estadual Carlos Campos para falar de meus livros. Fui recebido pela Cássia com uma mesa posta e comida gostosa: pão de queijo e biscoito com manteiga, para então ser apresentado à diretora Beatriz e a outras pessoas, como a Kátia.

Contei minha história de vida. Em seguida, contei Uma visita inesperada, "O caso do bolinho", "Que bicho será que fez a coisa", "Chapeuzinho Amarelo". Respondi a perguntas das crianças. Por fim, contei "As penas do dragão". Faltavam sete minutos e aproveitei esse tempo para contar "Os cisnes selvagens", do Andersen.

Na parte da tarde, voltei à escola. Fiz uma segunda apresentação. As histórias foram diferentes. Contei minha trajetória, "O caso do bolinho", "Que bicho será que fez a coisa" e "A procissão das almas". Fui tirar foto com a turma da Cássia. Autografei meu cartão de visita. Uma criança pediu para autografar seu braço. A moda pegou e logo outras crianças pediram o mesmo. Foi uma algazarra. 

Deixei como doação um exemplar do livro Uma visita inesperada.






segunda-feira, novembro 20, 2023

103 Contos de fadas de Angela Carter - Viajando pelo mundo através das histórias


O termo "Contos de fadas" é curioso, pois engloba diversas narrativas que não contam com fada nenhuma. Angela Carter faz um comentário assim no seu livro 103 contos de fadas, publicado pela Companhia das Letras e traduzido por Luciano Vieira Machado. O livro é uma viagem pelas mentes fantasiosas de vários povos, da Rússia ao Sudão. Somos apresentados a narrativas ora absurdas, ora exemplares. Contos morais e anedotas também aparecem no livro.

Fato é que Angela Carter faz um intenso e exaustivo trabalho de pesquisa, cuidando de ler, recolher, organizar e comentar os contos. Por falar nisso, recomendo muito a parte em que estão reunidos os comentários sobre as narrativas, suas fontes, seus aspectos sociais e psicológicos, entre outros elementos que os cercam e compõem.

São narrativas fascinantes. Temos, por exemplo, contos inuítes, em que as questões de gênero são problematizadas. Contos russos, com toda a sua magia. Há também piadas que vieram das regiões montanhosas e agrestes dos Estados Unidos.

Outro ponto que me chamou a atenção é que em muitos contos se mantiveram elementos coloquiais, interjeições presentes na fala, além de frases que entrecortavam a narrativa, como "foi assim" ou "muito bem". Com isso, muitos dos contos não tiveram um certo tratamento textual de cunho literário e se apresentaram o mais próximos o possível de como eram narrados oralmente.

103 contos de fadas me propiciou uma jornada gratificante por várias culturas diferentes. Pude experimentar outras versões de contos mais conhecidos, observar como sociedades muito distantes entre si podem ter narrativas semelhantes.

Por fim, me cativou a profusão de protagonistas mulheres. Poucas foram as vezes que os homens se destacaram. Toda a esperteza, inteligência e graça das mulheres foi demonstrada nesses contos.

Com elementos mágicos e maravilhosos, ora humorísticos e galhofeiros, numa verdadeira jornada pelos 4 cantos do mundo, 103 contos de fadas é um conjunto de narrativas imperdíveis para quem quer se aprofundar nos estudos dos contos tradicionais.


Ficha Técnica

103 contos de fadas

Coleção Listrada

Angela Carter

Tradução de Luciano Vieira Machado

ISBN-13: 9788535910896

ISBN-10: 8535910891

Ano: 2007 

Páginas: 499

Idioma: português

Editora: Companhia das Letras


segunda-feira, novembro 06, 2023

A pelada peluda no largo da bola - Abordando o racismo com coragem


Dia desses li um ótimo livro do Cuti. A Pelada Peluda no Largo da Bola. Um livro incômodo mas divertido sobre questão social e a miscigenação de parte da classe média baixa no Brasil. As questões raciais, socieis e de gênero abordadas no livro são complexas, mas Cuti as aborda com coragem e inteligência.

O livro conta de um grupo de crianças que organiza uma pelada polêmica que chega a ser peluda: pretos contra brancos. E logo de cara já surge uma fala racista de uma personagem e a outra reage, dando-lhe um soco na cara. Uma reação à altura da violência sofrida.

Cada capítulo apresenta um novo personagem, com seus dilemas, sua individualidade e questionamentos. Seja João Pena, filho de uma viúva, seja Henrique, criado pela vó e já trabalhando tão cedo, ou até mesmo Baiano, o de cor mais escura e vítima da estigmatização.

A escrita de Cuti é sublime e não há um só protagonista. A vivência da questão racial é complexa para se representar num só herói. Os lugares e não-lugares são muitos e incomodam; são espinhosos e doloridos.

Os desenhos já datados de Edu Andrade mostram uma estética que ficou no tempo, numa época em que a ilustração não era vista com a riqueza e complexidade que se vê hoje. Isso acaba interferindo de forma negativa a leitura do livro.

Confesso que é difícil falar desse livro, apesar do diálogo apaziguador que vem através da sabedoria africana. Cuti não poupa ninguém, embora honre as representantes dos orixás. Até mesmo o preconceito cristão evangélico é denunciado através da hipocrisia de um certo finado.

Apesar dos desenhos não tão primorosos, o texto de Cuti nos embala e mostra que o racismo na literatura, por mais espinhoso que seja, é um tema que precisa ser abordado com coragem e responsabilidade.


Ficha Técnica

A pelada peluda no largo da bola

Cuti

Ano: 1988 

Páginas: 40

Idioma: português

Editora: Editora do Brasil S/A

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/a-pelada-peluda-no-largo-da-bola-75096ed82787.html

quarta-feira, outubro 25, 2023

Uma biblioteca para todas as crianças



Falar sobre uma biblioteca que acolha a infância é um grande desafio. E esse desafio foi aceito por Fabíola Farias e Cleide Fernandes na oficina "Uma biblioteca para todas as crianças", acontecida na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH no dia 06 de outubro de 2023, sexta-feira, pela manhã. Fabíola deu início à sua fala nos convidando a pensar na infância e sua relação com a biblioteca. Disse que aborda a infância a partir da perspectiva do recorte etário. Sendo assim, ela fala de experiência de infância, ou seja, os muitos jeitos de ser criança.

Em seguida, ela nos convidou a pensar a biblioteca e lançou a pergunta: Qual o sentido de uma biblioteca hoje, quando tudo está às mãos no toque de um celular? Para que uma biblioteca hoje? Para pessoas com poder de compra? Ela perguntou se com o recurso gasto na biblioteca (água, luz, telefone, funcionários, acervo etc.), seria mais barato dar um tablet para cada leitor. O que ganhamos com a biblioteca? 

Dentre as participantes, algumas pessoas falaram da experiência de usar uma biblioteca. Outras disseram da importância do apoio de um bibliotecário. Uma outra pessoa disse que o livro físico é insubstituível. Fabíola contrapôs que sua filha de 17 anos discorda. Outra pessoa colocou que s questão seria a ação cultural e também da experiência num sentido mais amplo.

Eu aproveitei e coloquei minha opinião. Disse que o tecnológico se perde com muita facilidade. Um livro digital pode desaparecer no volume de informações. O advento de esbarrar com um livro que você nem sabia que queria é algo fabuloso. A IA não sabe o que eu preciso e não sei que preciso. Ela não favorece a descoberta. A preparação para as mediações que não são imediatas. O encontro. 

Voltando à questão da experiência num sentido mais amplo, Fabíola falou sobre as ações de ver, indagar, transformar o mundo e assim ter um contato menos ingênuo e menos imediato com o mundo. Uma possibilidade de formação e acesso ao conhecimento.

Dando continuidade, Fabíola pediu para pensarmos na representação das crianças na literatura. Quem são as crianças que imagino quando abro as portas da biblioteca? A criança "danoninho", idealizada? A criança que reflete os nossos desejos. Isso fala de uma romantização da infância. Estudos "identitários" mostram que a experiência da infância é muito mais ampla do que imaginávamos. Por fim, Fabíola nos convidou a pensar nos livros e como eles retratam as crianças.

Ela lançou então a seguinte pergunta: O que é uma criança? Podemos responder pelo viés da Sociologia, da Pedagogia, da Biologia, da Lei, da Psicologia. A lei é mais universal. Porém, existem características que singularizam a experiência.

Voltando à questão dos livros, de 20 anos para cá, a representação e a representatividade das crianças mudaram nos livros. Não havia antes livros com crianças negras e, quando havia, esta era estereotipada. Com a Lei Federal 10639 de 2003, o cenário começa a mudar. Foram surgindo livros que tratavam do tema ancestralidade, relação com o fogo, uso de tranças no cabelo. Havia uma romantização de pertencimento ao continente africano. A autoria nem sempre era de pessoas negras. O mercado teve que se adequar. Afinal, o dinheiro fala mais alto. Não podemos negar, porém, que essa fase foi importante. Contudo, outras representações foram surgindo, o que mostra um amadurecimento na produção editorial.

Existe o benefício da identificação. Com exemplo, há o livro À sombra da Mangueira. Está disponível sua versão digital para leitura. Ele mostra outro lugar para essa representação. Fabíola então contou a história do livro. Ângelo Abu foi para Moçambique pesquisar para fazer as capas dos livros do Mia Couto. Entrou em contato com uma ONG e ofereceu oficinas de arte em troca de casa e comida. No final, as crianças deram uma oficina para ele. Foi uma viagem transformadora.

Outro exemplo é o livro Brincar de livro que, dentre outras coisas, fala do direito ao tempo da leitura. Esse livro faz um deslocamento muito grande. Ele aborda personagens negras com tempo para brincar e ler. É uma história linda  com uma representação deslocada dos estereótipos. Outros livros foram apresentados com representações diversas. É importante pensar nas crianças com mãe ou pai privados de liberdade, adotadas, com pais gays, indígenas, com deficiência. 

E por falar em pessoas com deficiência, Cleide entrou abordando a questão das exigências que os editais atualmente estão fazendo. Trata-se de um avanço. Na perspectiva das pessoas com deficiência, nós temos que escutá-las. São vários os recursos atuais. Com o aumento de recursos utilizados, mais pessoas serão incluídas.

Um dos recursos mais comuns é o Braille. Mas nem todo cego vai ler em Braille. Se for cegueira de diabetes, não haverá sensibilidade nos dedos. Sendo assim, é importante ter sensibilidade, disposição para aprender e, principalmente, mediar. 

Ao final da oficina, saímos repletos de conhecimentos, com muita coisa para pensar. E principalmente, ficamos muito gratos pela Cleide Fernandes e pela Fabíola Farias pela oficina que nos foi ministrada. Que possamos nos sensibilizar para as diversas experiências de infância e que busquemos uma biblioteca mais plural e acolhedora.






















Registros feitos pela Marly Rezende.