Ele acordou com um sobressalto. Havia cochilado sobre a mesa de trabalho novamente. Estava cansado, extenuado. Olhou as horas. Vinte minutos para o final do expediente. Pensou em passar o resto do tempo conferindo as atualizações das redes sociais que participava e visitando os blogs armazenados nos favoritos. Afinal, vinte minutos não são nada e ele adorava passar esse tempinho conferindo o que seus amigos estavam fazendo ou pensando.
Conectou-se à segunda maior rede social. Achou estranho quando descobriu que a última atualização era uma piada postada no dia anterior. Antes da piada, o link para um clip de vídeo, precedido de algumas citações filosóficas. Resolveu acessar sua outra rede favorita e descobriu que da mesma forma ninguém havia postado atualização nenhuma. Apenas a famosa rede de microblogs tinha atualizações, com as mesmas frivolidades de sempre: uma celebridade falando sobre o novo penteado de seu cachorrinho, links para propagandas de produtos diversos, um comentário sobre um show imperdível. A postagem mais recente tinha uma curiosa frase:
“A vida nos atravessa qual adagas imortais.”
O mais curioso era que a mensagem não parecia ter sido postada por autor nenhum. Estava lá, sem um responsável assinando seu cabeçalho. Meneando a cabeça, ele resolveu acessar um portal de conteúdo que costumava sempre promover os blogs mais quentes do momento. A lista não havia sido atualizada, ainda era a da semana passada. Intrigado, ele começou freneticamente a procurar um blog com uma atualização sequer. Não teve sucesso.
Chegou em casa e deitou-se imediatamente; sentia-se muito cansado. Teve um sono agitado, com prenúncios de sonhos que o sobressaltavam e o faziam acordar algumas vezes à noite. Seu despertar foi dessa forma penoso e resignado. No dia seguinte, os blogs continuavam desatualizados. No horário de almoço ele comentou com um colega sobre o fato, mas o outro não se mostrou nem um pouco admirado, como se tal acontecimento fosse normal. Outros também concordaram. Um dos colegas por fim declarou que finalmente as pessoas começavam a parar de achar que sempre tinham algo a dizer. Assim, a conversa morreu.
Mais uma noite conturbada. Dia seguinte, ele observou que a rede de microblogs tinha mais uma postagem anônima:
“O movimento é um indicador da vida.”
Para tentar satisfazer sua compulsão por atualizações da rede, resolveu acessar um site de notícias para verificar se havia algum fato no mundo que pudesse explicar o que estava acontecendo. Para sua surpresa, o site também estava desatualizado. Nenhuma notícia com menos de três dias de antecedência. Começou a sentir medo.
Outra noite maldormida arrastou seu despertar até a manhã seguinte. A caminho do trabalho, ao entrar no ônibus, ele reconheceu alguns passageiros, que estavam vestidos com as roupas do dia anterior. Pareciam não se mexer. Uma moça de rosa estava bem ereta, com os olhos esbugalhados, sem piscar. Um rapaz mantinha a cabeça levemente inclinada e os olhos voltados para um livro cuja página nunca era virada. Um senhor que furtivamente enfiava o dedo no nariz permaneceu nessa posição durante a viagem toda.
Assustado e confuso, ele desceu como se alguém o perseguisse. Pessoas se mantinham imóveis, qual estátuas no meio da rua. Olhou para cima e quase teve um ataque quando viu um pássaro parado em pleno ar. No trabalho, ligou o computador e constatou que não havia nada de diferente, inclusive nas atualizações da rede de microblogs, a não ser uma nova mensagem anônima, de apenas uma frase:
“Só não vemos o que não queremos ver.”
Começava a desconfiar que essas mensagens poderiam ser para ele. Mas o que tudo aquilo queria dizer? Além dele, ninguém parecia surpreso com o que ocorria. Nenhum dos colegas de trabalho dava atenção ao assunto.
No fim do expediente, ao sair do edifício, assustou-se mais ainda com a quantidade de pessoas estagnadas na rua. Tudo estava acontecendo tão rápido! Ele apressou o passo para o ponto. O ônibus estava lá, parado, o motorista continuava com a mão direita no volante e a outra estendida para fora do ônibus, sorrindo e saudando um jornaleiro que também retribuía com seu interminável aceno. Acabou decidindo tomar um táxi que ainda se movia.
Chegou em casa muito assustado. Ligou a televisão, mas a imagem estava congelada no cenário do telejornal da manhã. Ele dirigiu-se então direto para cama, suplicando para que tudo aquilo fosse um pesadelo. No dia seguinte, ao abrir a porta, avistou muitos de seus vizinhos paralisados ao longo da calçada. Pegou um outro táxi para o trabalho. O veículo mal podia avançar por ter que desviar dos outros veículos parados no meio da rua. Chegando ao serviço, notou que todos já estavam lá, mas parados e silenciosos como bonecos de cera. Ligou, trêmulo, o computador. Acessou freneticamente a rede de microblogs e deparou-se com uma derradeira mensagem:
“O colapso não é um fato em si, e sim o clímax de um processo.”
Olhou para o relógio em seu pulso. Seus olhos se arregalaram quando ele viu a verdade e uma gota de suor ficou estática entre sua têmpora e sua bochecha. Os ponteiros do relógio pararam, tal qual as batidas do seu coração.