quarta-feira, abril 29, 2015

Superfície

Sob os nossos pés
impávidos, incansáveis
correm rios de fezes
urina e dejetos
a cultura do inútil
a desgraça em
produto
Acima, luzes,
o fulgor de uma nova era
a imagem multiplicada
à enésima potência
enquanto lama pútrida
escorre
longe de olhares mais
sensíveis
não nos bastou
a podridão de nossas entranhas
passamos então a despejar
nas entranhas da terra
nossa miséria.

quarta-feira, abril 15, 2015

Metafísica

Sonhar é também perder-se
e o amor é mais um
tipo de sonho.
Sonhar é também olhar-se
através do espelho de Alice
é também amar-se
mas sobretudo
deixar se perder.
Perder-se é também 
achar-se
na falta,
em outro lugar.

quarta-feira, abril 08, 2015

Tá com pena? Leva pra casa!

O primeiro que encontrei foi o Adriano, mais conhecido como Manchinha. Esse menino era um terror. A primeira vítima foi meu irmão. Assaltado e agredido.
Tomando as dores dele, fiz questão de um dia, passando de bicicleta, ameaçar que pegaria o menino. Não sabia que ele tinha vários colegas por perto. Bastou um assobio para que eu fosse cercado. Tive que suplicar para ser solto, sem contudo deixar de levar uma pedrada nas costas.
Morávamos no pé da favela do Boiadeiro, em Teófilo Otoni. Como o Manchinha e sua turma também era dessa favela, passamos pro maus bocados para não nos encontrarmos com ele.
Depois de altos e baixos, passamos a morar em um bairro distante chamado São Jacinto. Minha mãe, que já havia ensaiado a política de "levar para casa", começou a atuar efetivamente acolhendo as crianças "infratoras" da cidade.
Aquele mesmo menino, o Adriano, o Manchinha, dividiu conosco o pão e o café com leite. Não apenas ele, mas alguns dos seus irmãos, como o Adão, o Tobinha e o Marco Antônio. Este chegou a morar conosco por um tempo.
Sei que o Adriano está morto. Não chegou aos dezoito anos. Dos demais não tenho notícias. Por conta da saúde de minha mãe, deixamos Teófilo Otoni e os programas sociais. E até hoje, quando alguém na televisão faz esse comentário babaca sobre levar um criminoso para casa, não respondo. Essas pessoas não fazem ideia do que estão falando.

terça-feira, abril 07, 2015

Vídeo de terça: finalmente de volta!



Estrela Bela

Ouvir sua voz é como ter o sol pra mim
A luz que vem do teu olhar me faz tão bem!
Sentindo o teu doce toque eu posso reparar
que o calor que de ti vem bem ao meu lado está...

Olhar ao teu lado e ver como o nascer do sol
Radiante e linda, brilha igual farol
Pedaço do sonho no meu caminhar
Ao teu lado estrela bela eu quero andar.


Esta melodia foi composta há anos, mas finalmente pude contar com a parceria do meu irmão João Emílio Medina para instrumentalizá-la.

domingo, abril 05, 2015

Vestindo memórias


Gastamos parte da nossa manhã contemplando os telhados do bairro pela varanda. Ela parecia curiosa com os próprios pés, ou com as reentrâncias de sua alma, eu não saberia dizer. Minha curiosidade não conseguiu vencer as barreiras de rugas e tempo. Ao menos a princípio.
Fiz-me à sua disposição. Larguei livro, celular, qualquer coisa que me distraísse dela, que disputasse com ela a atenção. Ela então começou a comentar sobre sapatos perdidos. E eu me perguntando se não seriam metáforas para os filhos, pelo menos para os irremediavelmente perdidos.
De repente, ela ergueu a cabeça. Seus olhos pareciam perfurar os meus. Contou-me sobre o fogo que devorou parte de sua história. E contou-me mais. Falou de sua luta para trabalhar. Das dificuldades da distância. Das cartas que meu avô lhe escrevia, uma por dia. 
E senti um desejo enorme de mergulhar nessas memórias deles, em fazer parte deles, além do simples DNA. Queria banhar-me em suas almas. Eu queria me vestir de suas vidas. Queria pra mim aquelas cartas.

quarta-feira, abril 01, 2015

Reconhecimento

Não é mera frieza,
Nem desdém.
Sou um daqueles abortados
para fortes sentimentos.
Os sonhos que alimento
há muito perderam a validade.
Nada que eu faça
trará qualquer calor.
No frio da decomposição
alimento meus dramas.
Minha paixão é fogo-fátuo.