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segunda-feira, fevereiro 06, 2023

A Última Batalha - O crepúsculo final de Nárnia



Tirian é o último rei de Nárnia, mas ainda não sabe. Seus pensamentos estão ocupados pelo rumor do aparecimento de Aslam. Tomado de êxtase por causa dessa boato, o rei suspira em uma de suas casas de caça, onde descansa. Em sua companhia está o unicórnio Precioso, fiel amigo e companheiro de incontáveis batalhas.

O que Tirian desconhece - além de ser o último rei de Nárnia, é claro - que os boatos da aparição de Aslam nasceram das maquinações de um macaco e de um burro coberto pela pele do leão. E por muito pouco, esse macaco - o Manhoso - vendeu Nárnia para os calormanos, os quais estão assassinando as árvores falantes do Ermo do Lampião. E que uma insidiosa invasão a Nárnia acontece naquele momento.

Assim tem início A Última Batalha, que é também a última das Crônicas de Nárnia. Um final que se mostra pateticamente maligno uma vez que a última batalha acontece em uma Nárnia que não mais existe.

Sem adiantar os acontecimentos mais marcantes e buscando não entregar o enredo, afirmo apenas que A última batalha está dividido em duas partes. Uma pateticamente triste e outra pateticamente alegre. Não acredito que a última compensa a outra. Afinal, Lewis abandona Nárnia em prol de uma aproximação ainda maior com a simbologia cristã do que os livros anteriores. Ainda mais próximo - se é que isso é possível - de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa.

Portanto, creio que esta seja a resenha mais difícil e incompleta que já fiz na vida. Incompleta porque, para evitar revelações do enredo, vou falar mais da primeira parte do livro. E Lewis acaba me forçando a isso, uma vez que, para mim, o escritor trai sua própria literatura em prol da mensagem cristã.

Em primeiro, Lewis dá o protagonismo da cena a dois animais falantes, algo nunca antes feito nos livros de Nárnia. Em seguida, em comparação com O cavalo e seu menino, o livro tem como protagonista alguém do mundo mágico, e não crianças vindas de nosso mundo. As crianças estão no livro, já adianto, mas o foco narrativo e o protagonismo estão inicialmente em Tirian por quase toda a primeira parte. Altivo, forte e honrado, Tirian é um rapaz de 25 anos. Um soldado irrepreensível. Seu companheiro, Precioso, apenas vem endossar essa imagem do rei, sempre aprovando seus atos, devotando ao humano total adoração e sendo correspondido.

Outra personagem de destaque é Jill. Enviada a Nárnia em companhia de Eustáquio, a menina é mais madura e preparada que o amigo. Ele, por sua vez, surge indeciso e temeroso. Não que o menino não pudesse ter medo, mas ela age como alguém como alguém que sabe lidar melhor com as próprias emoções. A menina se mostra uma excelente rastreadora, tendo frieza o suficiente para tomar decisões importantes antes e também durante a batalha.

Por falar em batalha, esse é o ponto forte da narrativa. Lewis faz o contrário que fez em Príncipe Caspian e narra uma refrega próxima e real, com mortes perto demais, deixando claro que a guerra não é coisa para crianças.

Sobre a segunda parte do livro, depois da fatídica batalha, pouco tenho a dizer. Lewis continua como exímio contador de histórias. Há certo tom melancólico e anticlimático nessa segunda parte, mas talvez isso advenha de uma leitura mais pessoal.

Como todos os demais livros, A Última Batalha vale a pena ser lido. Um livro gostoso de se ler e cheio de reviravoltas. Bem, pelo menos na primeira parte. Quanto ao fim de Nárnia, bem, por mim ela teria vivido - e ainda vive dentro de mim - para sempre!  


Ficha Técnica

A Última Batalha

As Crônicas de Nárnia # 7

C. S. Lewis

ISBN-13: 9788533616202

ISBN-10: 8533616201

Ano: 1997 

Páginas: 213

Idioma: português

Editora: Martins Fontes


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/a-ultima-batalha-1106ed1479.html

segunda-feira, janeiro 09, 2023

A Cadeira de Prata - A jornada e os sinais



Jill está desolada. Ela frequenta uma escola experimental onde as coisas não são fáceis. Seus colegas de escola, muitos deles, são terríveis e a perseguem. Foi por isso que Eustáquio a encontrou chorando em um canto do colégio.

Aquele é o mesmo Eustáquio Mísero, primo de Lúcia e Edmundo, Susana e Pedro. A jornada a Nárnia o transformou e agora ele é um bom sujeito. Ao encontrar a colega chorando, ele propõe que ambos peçam a Aslam que os levem a Nárnia.

O pedido funciona até bem demais e as crianças vão parar em Nárnia, mas em uma época atribulada. O Rei Cáspian X já está muito velho e seu único herdeiro desapareceu há anos. Caberá às duas crianças, com a ajuda do paulama Brejeiro, buscar os sinais de Aslam e encontrar o príncipe desaparecido.

A Cadeira de Prata talvez seja o livro mais maduro e envolvente da saga As Crônicas de Nárnia. Bem, talvez esta seja minha opinião pelo fato de ter sido o primeiro livro de Nárnia que li. O enredo é enxuto e traz uma dinâmica envolvente. O foco na narrativa está em Jill. Diferente dos quatro irmãos Pevensie, a menina é mais como Eustáquio antes de seu primeiro contato com Nárnia. Bem, não quero dizer que ela tenha as características detestáveis do menino. Porém, Jill é mais humana, falha, real. Essa característica nos aproxima da personagem. Nos identificamos com ela. Seu primeiro contato com Aslam é especialmente tocante.

Outra personagem interessante é Brejeiro, o paulama. Com um pessimismo que se mistura a um terrível senso prático, ele nos encanta por sua curiosa personalidade. 

Mais uma vez o elemento alegórico cristão aparece. A imagem da fonte de água em que Jill mata sua sede representa a conversão seguida de um comissionamento, a ordem para uma missão. Apesar disso, o livro não perde seu sabor. Lewis é um exímio contador de histórias e a tradução de Paulo Mendes Campos torna o texto ainda mais saboroso.

Há muitos outros detalhes e mistérios, como os nomes de Aslam citados pelos centauros. Ou o próprio País de Aslam, a terra acima de todas as terras, um lugar situado a uma altitude inconcebível. Ainda assim, não se trata de uma região coberta de neve ou com o ar rarefeito, como seria o caso.

Nárnia continua um local envolvente e cheio de um charme selvagem, agreste. Seus habitantes, a maioria inumanos, nos conquistam com sua simplicidade e comicidade.

A Cadeira de Prata é  um livro que nos envolve do início ao fim. O elemento do perigo real reaparece nesse livro, diferente do que percebi em Príncipe Caspian. Não são crianças brincando de guerra. São pessoas enviadas a uma região inóspita, hostil, com o perigo de gigantes ferozes e o inverno inclemente. Neste livro, os elementos atuam como cruéis inimigos. E nesse ponto, a despeito de seu pessimismo, Brejeiro surge como um aliado inestimável. E não é apenas nessa vez que ele salva o dia. A abnegação do paulama, as decisões que ele toma pelo grupo fazem com que a gente aprecie ainda mais sua presença.

Com elementos romanescos de uma jornada de resgate repleta de perigos, a envolvente narrativa de A Cadeira de Prata nos seduz completamente. Uma aventura empolgante para qualquer idade. Um livro inesquecível, uma jornada a ser lembrada, como os próprios Sinais de Aslam. 


Ficha Técnica

A Cadeira de Prata

As Crônicas de Nárnia # 6

C. S. Lewis

ISBN: 8522616198

Ano: 1997 

Páginas: 208

Idioma: português

Tradução: Paulo Mendes Campos

Editora: Martins Fontes


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/a-cadeira-de-prata-1104ed1474.html

segunda-feira, janeiro 02, 2023

A Viagem do Peregrino da Alvorada - Sobre jornadas sem retorno



O menino se chama Eustáquio Mísero. E faz por merecer esse nome. Tem comportamentos extremamente práticos e adora debochar de seus dois primos, os irmãos Lúcia e Edmundo Pevensie. E o deboche piorou quando descobriu que os dois compartilham um segredo: as viagens ao país mágico de Nárnia.

É claro que Eustáquio não acredita que os primos tenham viajado para outro mundo. Essa certeza torna o deboche ainda mais saboroso para ele. Fato é que o menino não suporta aqueles dois, e o sentimento é recíproco.

As férias teriam sido uma tortura para os irmãos Pevensie, hospedados na casa de Eustáquio por motivo de força maior, não fosse o quadro pendurado no quarto em que os dois dormem. Trata-se da imagem de um belo navio a remos, com uma cabeça de dragão na proa, navegando em um mar maravilhosamente tranquilo. 

Lúcia e Edmundo acreditam que aquele é um navio de Nárnia. Por isso, investem todo o tempo possível a contemplá-lo, perdidos em nostalgia. Eustáquio, em muitos desses momentos, aparece para debochar deles. Mas então, em um desses episódios, a magia acontece, provando que os irmãos tinham razão.

Aquele é mesmo um navio de Nárnia, levando ninguém menos que o próprio Rei Caspian, o herói do livro que leva seu nome em As crônicas de Nárnia. Caspian está em uma missão de busca pelo paradeiro dos fidalgos amigos do seu pai, os quais foram banidos para o mar por Miraz, o tirânico tio do rei. Acompanhando essa jornada está Ripchip, o Rato, aquele mesmo que operou feitos heroicos no livro anterior.

Assim tem início A Viagem do Peregrino da Alvorada. É talvez um dos mais épicos livros da série, no seu sentido estrito do termo, pois trata de uma jornada grandiosa e que tem a sua cota de perigos. Dragões, monstros marinhos e criaturas invisíveis estão entre esses percalços que os viajantes terão de enfrentar. Sem falar no maior e melhor dos perigos: Aslam, o Grande Leão.

O livro é uma delícia de se ler e acrescenta mais alguns à grande galeria de mistérios do mundo de Nárnia. Estrelas descansando em ilhas, frutos do Vale do Sol, a Faca de Pedra na Mesa de Aslam são alguns desses mistérios. A jornada em si é um grande mistério, podendo ser vista em seu teor figurativo. Ninguém pode negar o tom alegórico dos livros de C.S.Lewis, conhecido pregador cristão. Com isso, podemos pensar na jornada do Peregrino da Alvorada como uma escalada espiritual.

Outra grande alegoria está na metamorfose de Eustáquio. A narrativa tem seu início com foco no menino, mas esse foco se desprende dele e muda para Lúcia. Durante a maior parte do tempo, Eustáquio é insuportáel. Ele não é apenas um péssimo sujeito para os familiares, mas uma compahia odiosa. Há um propósito para que Eustáquio embarcasse nessa jornada e esse propósito é uma das alegorias mais belas de toda a série.

A despeito dessa beleza, gostaria de problematizar a construção da personagem Eustáquio. O livro apresenta o menino de um jeito que me faz pesar que ele e sua família são progressistas "caricaturizados". São descritos como "gente moderna, de ideias abertas". Pelo contexto, dá para perceber que a descrição é negativa e nem um pouco elogiosa.

A despeito desse problema, o livro continua delicioso de ser lido. Com aventuras, mistérios e muita magia, A Viagem do Peregrino da Alvorada é diversão certa, mesmo que seja uma alegoria religiosa.

Ficha Técnica:

A Viagem do Peregrino da Alvorada

As Crônicas de Nárnia # 5

C. S. Lewis

ISBN-13: 9788533616189

ISBN-10: 853361618X

Ano: 1997 

Páginas: 235

Idioma: português

Editora: Martins Fontes

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/a-viagem-do-peregrino-da-alvorada-1103ed1471.html

segunda-feira, dezembro 26, 2022

Príncipe Caspian - Guerra Civil no País da Fantasia


Nárnia está em guerra. De um lado, estão os descendentes de um país chamado Telmar, os telmarinos, os quais dominaram Nárnia por séculos. Do outro, os chamados antigos narnianos: animais falantes, centauros, anões, faunos. As árvores não entraram na guerra: estão adormecidas.

O líder dos antigos narnianos é o telmarino Príncipe Caspian. Criado ouvindo os relatos dessa Nárnia encantada, o menino tem sobre seus ombros o peso de liderar um exército contra Miraz, seu tio, um homem cruel e perverso que usurpou o trono do pai de Caspian.

Mas este nem é o início da história. Príncipe Caspian, quarto livro de As Crônicas de Nárnia, tem seu início com os quatro irmãos, Pedro e Susana, Edmundo e Lúcia, sendo transportados para uma ilha desconhecida, nas proximidades das ruínas de um misterioso castelo. Logo descobrem que se trata de Cair Paravel, onde reinaram por uma vida inteira. Um ano se passou desde as aventuras vividas em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa.

Mas e o que os quatro irmãos têm a ver com o jovem Caspian? Isto o leitor terá que descobrir.

De longe, este é o menos charmoso dos livros da série. Caspian não é lá muito carismático, faltando-lhe uma personalidade mais forte. Ele parece um menino influenciado por sua ama e seu tutor, sem no entanto parecer realmente interessado em Aslam. O próprio leão não parece ligar muito parar ele. O criador de Nárnia demonstra interesse de brincar de esconde-esconde com os quatro irmãos, além de apavorar o anão Trumpkin.

Por falar nesse anão, trata-se de personagem digna de nota. Valente, corajoso, habilidoso e sempre fiel, Trumpkin não esconde sua decepção ao conhecer os quatro irmãos, os tão grandiosos reis e rainhas de tanto tempo atrás. Tanto que cada um tem que mostrar alguma habilidade para convencer o cético anão de que a grandeza dos quatro não se trata de mera conversa fiada ou uma antiga lenda.

Outra personagem memorável é o rato Ripchip, com sua orgulhosa valentia e prontidão para a batalha.

E por falar em batalhas, creio que este é um dos motivos do livro não ser tão interessante. A descrição das lutas é genérica e sem sabor. Não há suspense ou aparência de perigo real. Com isso, parece que todos estão brincando de guerra e não em embates reais e perigosos. A narração de um certo duelo chega a ser uma tentava de dar sabor de aventura ao livro, mas tal tentativa é muito tímida. E não estou falando da luta de espadas que Edmundo trava com Trumpkin. Essa, sim, é interessante.

Apesar desses pontos negativos, mesmo o enredo não ser dos mais emocionantes, conta coma estética apurada de C.S.Lewis. Trata-se de uma narrativa que tem seu sabor nos diálogos e na dinâmica mostrada entre o anão Trumpkin e os quatro irmãos.

Portanto, apesar de ter alguns pontos desinteressantes, o livro se salva pela maestria de Lewis em contar histórias.

É importante também destacar que há o conflito na ausência das dríades e náiades, das deusas e deuses da floresta, ou seja, os espíritos das árvores, que se encontram adormecidos. A resolução desse conflito é graciosa e emocionante.

Com um enredo que, embora careça de emoção, tem seus atrativos através do humor e da envolvente narração, Príncipe Caspian é um livro que pode até não ser apaixonante, mas temo o seu lugar.

Ficha Técnica

Príncipe Caspian

As Crônicas de Nárnia # 4

C. S. Lewis

ISBN-13: 9788533616172

ISBN-10: 8533616171

Ano: 1997 

Páginas: 216

Idioma: português

Editora: Martins Fontes

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/principe-caspian-1101ed1466.html

terça-feira, dezembro 20, 2022

O cavalo e seu menino - O fascinante oriente ao sul de Nárnia


Shasta se considera um desafortunado. Apesar de ter alguém a quem chamar de pai, o menino sofre com a exploração a que esse suposto pai o condena. Quando não é o trabalho extenuante, são as surras severas a que ele é submetido. Vivendo numa choupana ao sul do Império Calormano, o menino tem uma existência muito infeliz.

Seu destino, porém, começa a mudar justamente quando seu pai adotivo concorda em vendê-lo para um tarcaã, um senhor calormano de alta linhagem. Mas não é a transação que oferece a Shastra um novo destino, mas a montaria do senhor calormano. Sim, o cavalo do tarcaã se chama Bri e ele é um legítimo narniano, possuindo a habilidade de falar. E assim, Bri convence Shasta que a vida com o tarcaã será ainda pior que aquela que o menino tinha com o pai adotivo.

A proposta de Bri é ousada. Um cavalo sem cavaleiro seria rapidamente capturado. Com um o menino a montá-lo, a chance de passarem despercebido seria muito maior, ainda que ele chame atenção com sua pele branca.

Assim, começa a grande aventura de O cavalo e seu menino, terceiro livro de As Crônicas de Nárnia. Nele, C.S.Lewis ambienta a narrativa em um país que lembra o célebre califado de Haroun Al Rashid, de As Mil e Uma Noites. Os nomes das pessoas, do deus da Calormânia, da cidade que faz vezes de capital e até do soberano desse pais, tudo tem elementos que se inspiram no oriente fantasioso do famoso califa.

Apesar do evidente racismo no qual Lewis constrói sua narrativa, afinal a maioria dos calormanos é vil e cruel, há uma riqueza ímpar nesse país imaginário, com referências claras à literatura árabe, à cultura oral, aos montes de poetas que são citados em suas máximas de sabedoria. A Calormânia é de uma riqueza cultural que nos fascina e diverte. Lewis emula até mesmo a oratória e a habilidade de contar histórias, estética que faz referência direta a Sherazade.

A narrativa, cronologicamente, acontece durante O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, pois transcorre durante a Era de Ouro de Nárnia, no reinado de Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia.

Mais uma vez preciso ressaltar o racismo velado. A cor da pele dos calormanos é constantemente assinalada como mais escura que os humanos dos reinos do norte, Arquelândia e Nárnia. As pessoas desses dois reinos são brancas. Esse antagonismo me incomodou muito.

Lewis poderia ter criado um universo sem que fosse marcado um antagonismo assim. Não é porque a Idade Média teve as Cruzadas que o mundo de Nárnia deveria ter um inimigo árabe. A proposta de riqueza cultural da Calormânia é algo lindo e fascinante. O mundo de Nárnia poderia ter seus vilões e inimigos sem que estes representassem toda uma cultura, vilanizada justamente por ser diferente.

Acredito que infelizmente C.S.Lewis incorre no erro de muitos europeus, esse eurocentrismo branco, caucasiano e helenista. Destaco que no mundo em que existe Nárnia, há um Oriente Médio, mas não há uma África. E isso eu considero ainda mais problemático, com o apagamento de toda uma variedade de etnias que poderiam ter enriquecido o universo em que Nárnia está inserida.

Feitas essas ressalvas, o livro foi bastante divertido. Mergulhei no drama de Shasta, em uma jornada de herói torto que aprende que os acasos são todos obra de Aslam e que, ainda que aparentemente vários leões surjam, na verdade há somente um leão.

Outra coisa que me encantou foi a presença das rainhas de Nárnia crescidas e envolvidas nos perigos da diplomacia. Lúcia está especialmente encantadora em sua armadura e sua participação nas batalhas mostra que Lewis se dispôs a revisar sua posição machista de impedir mulheres de lutar nas guerras.

Apesar de seus problemas, O cavalo e seu menino tem a riqueza de detalhes e estética que colocam este livro talvez no patamar de encantador primeiro lugar entre as demais crônicas. Uma obra que nos encanta por sua riqueza de referências.

Ficha Técnica

O Cavalo e seu Menino

As Crônicas de Nárnia # 3

C. S. Lewis

ISBN-13: 9788533616165

ISBN-10: 8533616163

Ano: 1997 

Páginas: 189

Idioma: português

Editora: Martins Fontes

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/o-cavalo-e-seu-menino-1099ed1462.html

segunda-feira, dezembro 12, 2022

O leão, a feiticeira e o guarda-roupa - Um mundo mágico a conquistar



Toda criança tem seu lugar secreto. Seu cantinho particular, para onde foge quando quer se ausentar do mundo real, tão cheio de crueza e dor. E por vezes, o lugar secreto não é físico, mas um estado de sonho e divagação, um verdadeiro mundo mágico. Imagine, porém, ter um lugar físico capaz de levar uma criança a um mundo mágico, com criaturas fantásticas e aventuras sensacionais? Pois essa é a premissa de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, primeiro livro de C.S.Lewis escrito para crianças.

O livro conta de quatro irmãos: duas meninas e dois meninos. Pedro e Susana são os mais velhos. Depois deles vêm Edmundo e Lúcia. Os dois mais velhos se apresentam como responsáveis, maduros, enquanto Edmundo é mau e imaturo. Lúcia, por sua vez, carrega um encanto e uma inocência que dão a ela um ar de heroína, comovendo e encantando leitoras e leitores.

Na narrativa as quatro crianças vão se refugiar dos bombardeios a Londres em uma casa no campo. Essa casa, contudo, não é comum. Enorme e cheia de segredos, tem um guarda-roupa mágico, capaz de levar as crianças à terra de Nárnia. A primeira a viajar para lá é Lúcia, que acaba fazendo amizade com o fauno Tumnus. Por ele a menina vem a saber que Nárnia é governada por uma feiticeira cruel. Por sua magia, é sempre inverno, mas sem nunca ser Natal.

Lúcia retorna ao nosso mundo. Mais tarde, as quatro crianças vão parar em Nárnia e ficam sabendo que o inverno de 100 anos chegará ao fim e que o Grande Rei, o Leão Aslam, está a caminho para cumprir a profecia de que os quatro tronos de Cair Paravel serão ocupados.

Trata-se de um enredo repleto de ação e perigos. Edmundo acaba por provocar, por sua ganância e ambição, situações irreversíveis. Enquanto Pedro surge como líder incorruptível e destemido. Já as meninas, infelizmente, são colocadas como testemunhas da ação. Chegam a ser proibidas por Aslam a entrar na batalha.

A ditadora de Nárnia, Jadis, também conhecida como Feiticeira Branca, surge como grande destaque. De longe uma personagem mais interessante, com seus manjares enfeitiçados e conhecimentos ocultos. Ela é responsável pelo eterno inverno em Nárnia, mas um inverno sem Natal. Suas forças são compostas pelos seres abomináveis, perigosos e mortais: espíritos de cogumelos venenosos, duendes, ogros, bruxas, minotauros, morcegos gigantes, entre outras criaturas. Nesse ponto, incomoda-me muito o discurso de C.S.Lewis, que coloca os feios e diferentes no lugar de vilões que devem ser eliminados.

Porém, não devo tirar o mérito da narrativa que não subestima as crianças. Elas não são poupadas da dor e da morte, mas entram "de cabeça" em uma aventura com muitas doses de horror. Destaco a primeira batalha de Pedro, quando ele é incitado por Aslam a enfrentar, sozinho, o lobo Maugrim, comandante da Polícia Secreta da Feiticeira Branca.

Faço destaque também a personagens que surgem para dar apoio às crianças: o adorável fauno Tumnus e o gracioso casal de castores. Há um certo ar de ingenuidade em Tumnus, algo quase infantil, enquanto que o senhor castor surge como uma figura sábia e paternal, enquanto a senhora Castor, além de maternal, assume posturas de uma sabedoria prática, o que causa um efeito cômico em sua relação com o marido.

Por fim, não posso deixar de mencionar o Professor, com seu tom sábio, mas de uma sabedoria pouco convencional, sempre pronto a acolher as crianças e acreditar nelas.

Com cenas de ação e um tom mágico de mistério, a despeito de certos anacronismos, O leão, a feiticeira e o guarda-roupa é uma obra encantadora e cativante, diversão garantida para todas as idades.


Ficha Técnica

As Crônicas de Nárnia

Volume Único (Edição WMF 2020)

C. S. Lewis

ISBN-13: 9788578270698

ISBN-10: 857827069X

Ano: 2010 

Páginas: 751

Idioma: português

Editora: WMF Martins Fontes