sexta-feira, junho 28, 2019

Heranças e memórias - O melhor que podíamos fazer

O que é herança, para além de seu sentido literal e óbvio? O que herdamos de nossos antepassados em termos de memória e identidade? É possível - ou mesmo necessário - traçar nossa personalidade a partir das vivências daqueles que vieram antes de nós e são diretamente responsáveis por nossa existência no mundo?

Essas foram algumas das questões que me fiz ao final da leitura de O Melhor Que Podíamos Fazer: memórias gráficas, de Thi Bui. Esta é uma aclamada Graphic Novell que alia o apuro artístico, o rigor quase acadêmico e a sinceridade testemunhal.

Thi Bui traça uma jornada de três vias. Uma é pelo espaço, saindo do Vietnam recém-unificado, passando por um campo de refugiados e seguindo para um país completamente estranho que no fim tornou-se o seu lar: EUA. Construído de forma não-linear, como o pensamento e a memória funciona, o livro conta a história da família Bui desde suas origens, com as infâncias e juventudes dos pais de Thi. Ambos são muito inteligentes e esse talento os aproxima. Porém, as origens são totalmente diferentes. 

A narrativa visual é leve e dinâmica. O texto procura acompanhar essa leveza, escrito em tom de confidência. Contudo, os fatos vividos pela autora e sua família são dramáticos e muitas vezes violentos. Há muito ressentimento, medo e angústia perpassando as memórias da família Bui.

Assim, Thi produz um relato poderoso e ao mesmo tempo acolhedor. Foi impossível para mim não me comover com as dores de cada familiar. Ao ver as fotos das crianças e seus pais em 3x4 para emissão dos passaportes, foi possível perceber a dor, a incerteza, a resignação de quem é obrigado a largar tudo pela simples sobrevivência.

É importante destacar que Thi não procura demonizar o regime que se instalou no Vietnã ao fim da guerra. Porém, os horrores e injustiças estão lá e deixaram suas marcas. A voz de Thi é sóbria e equilibrada, de alguém que sabe que o Vietnã não é seu lar, mas os EUA, mesmo sendo agora o seu país, jamais foi uma terra de sonhos. E que palavras como lar, família e herança são construídas com sensibilidade e afeto, representando algo que levamos conosco, não importa aonde formos.


Ficha Técnica
O Melhor Que Podíamos Fazer
Thi Bui
Ano: 2017
Páginas: 336
Idioma: português
Editora: Nemo
Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/694846ED698058

quarta-feira, junho 26, 2019

Poesia em Turbilhão: Segundo ConVerso de LiteraRua


A Poesia é algo livre. Por vezes, tentamos encerrá-la em formas, mas ela acaba escapando. E o maravilhoso disso é que ela nos puxa para fora de nossa própria gaiola. Nos desconstrói e transforma, fazendo de nós parte dela, num turbilhão de sentidos.

Podemos ver esse fenômeno acontecer quando a Poesia deixa o papel e a tela para habitar as vozes e espaços. Eventos como o Segundo ConVerso de LiteraRua, que procurou celebrar a Poesia, especialmente Marginal.

O ConVerso de LiteraRua foi organizado e produzido pelo Circuito Metropolitano de Saraus.

Compareci ao Usina da Cultura no sábado, dia 15 de junho, às 9h. No centro do salão, cadeiras em roda em frente ao palco, onde algumas pessoas terminavam de fazer os últimos ajustes de som. Cumprimentei o bibliotecário, Diego Dávila, além de outras pessoas da equipe. Andei um pouco pelo espaço, timidamente observando o movimento que crescia.

A primeira roda de conversa, com o tema "Experiência do fazer em espaço público, direito à cidade e ocupação política" contou com a presença de Renato Negrão e Thais Kas. O mediador foi Rogério Coelho, que deu início com uma reflexão ao falar de LiteraTerra.

Negrão e Kas apresentaram suas vivências no fazer cultural e na difusão da poesia marginal. Foi muito interessante ver duas pessoas de perfis tão diferentes, uma da velha guarda e outra da geração mais recente de agitadores poéticos. Em dado momento, Renato passou um livro objeto de sua autoria e assinalou a importância de termos memória, de buscarmos os arquivos ainda vivos da poesia marginal da década de 1990.

Enquanto isso, Thais Kas falou sobre suas referências e os desafios atuais de sua poesia. Além disso, falou de seu amor pela produção, em especial nas ações da Coletiva Manas, da qual faz parte.

Ao final da mesa, o Coletivo Terra Firme se apresentou. Em seguida, fiz um passeio pela feira e já adquiri alguns materiais independentes, zines e marcadores de escritoras que estavam expondo.

Houve então a pausa para o almoço. Aproveitei para escapulir e almoçar em casa. Não participei das atividades da tarde, embora desejasse muito, mas precisava de um descanso. Enquanto eu estava fora, ocorreram as oficinas "Criação de performance poética" pelo Nosso Sarau, de Sarzedo, e "Escrita Criativa-poética" do Sarau Biqueira Cultural, de Ribeirão das Neves.

Cheguei a tempo de pegar o início da segunda roda: "Formação de leitores e público por meio da LiteraRua marginal de Saraus & Slams em diálogo em escolas & Bibliotecas públicas", com Oliver Lucas, Norma De Souza Lopes, Rodrigo Teixeira e Marta Passos. Mediando essa galera estavam Joi Gonçalves e Bim Oyoko.

A fala foi rica e profunda, a partir de diversas visões. A abordagem acadêmica e conceitual de Marta Passos dialogou com a vivência de Norma de Souza Lopes, Oliver Lucas e Rodrigo Teixeira. Este último apresentou uma fala descontraída e repleta de humor, quase como um comediante de stand up. Norma enriqueceu a conversa ao apresentar seu extenso e exaustivo trabalho de mediação de leitura, assim como Oliver também o fez.

Ficou presente com força em minha mente a fala de Marta Passos sobre a política como a contestação da ordem estabelecida. Segundo ela, é o que a poesia marginal faz, sendo ela um dinâmico e transformador fazer político.

Infelizmente, perdi o show da banda Mascucetas, pois precisava ir ao evento "Caldos, Causos e Violas", no Espaço Suricato. Uma festa com sua própria história e que também fala de Arte e Resistência.

No domingo, cheguei cedo para a oficina "Confecção de Zines & Livros" pelo Coletivo Lanternas, de Venda Nova. O mediador, Digô, foi extremamente atencioso e paciente. Fiquei encantado ao ter em mãos dois novos cadernos para serem transformados em histórias e relatos.

No andar de cima da Usina, acontecia a oficina "Edição de vídeo-foto-poesia", pelo Coletivo Avoante, daqui mesmo de BH.

Saímos para o almoço e retornamos para a terceira roda: "Mercado Literário das editoras & feiras independentes, políticas de incentivo à cultura e a profissionalização da literarua marginal". Para discutir a questão, ouvimos Nívea Sabino, Flávia Denise, Jomaka e Walisson Gontijo. Foi uma conversa de desafios e identidades. 

Nívea contestou muito a lógica de uma profissionalização do artista marginal. Inclusive ela defendeu seu profissionalismo, e com muita propriedade. Flávia falou de sua pesquisa e do conceito incerto de "escritor independente". Sua fala me fez refletir, principalmente depois de ter escrito um texto abordando esse assunto. 

Jomaka então fez um poderoso relato de experiência como escritor trans e ativista na luta antimanicomial. Sua experiência é sofrida e angustiante, mas também encorajadora e potente.

A experiência de Walisson Gontijo, na criação da editora Impressões de Minas junto com Elza, foi muito rica e ajudou a vislumbrar um pouco esse cenário de feiras de editoras independentes a partir do olhar de um editor.

Ao final do dia, pudemos assistir a intervenção da Coletiva Manas, com performances de Lelê Cirino, Jéssica Rodrigues, Débora Rosa e Bruxa. Outras poetas se apresentaram quando o microfone foi aberto.

Aconteceram então plenárias para discutir as ações do Circuito. Não fiquei, pois estava exausto. Porém, deixei claro meu interesse em acompanhar os desdobramentos, como amante da poesia falada e dos saraus da Grande BH.

O evento foi potente, para mim. Reencontrei pessoas, conheci novas faces e fiquei encantado com os trabalhos e livros de muita gente que lá estava. Se pudesse, compraria tudo. E também fui impactado com as falas profundas e responsáveis de todas as pessoas envolvidas. Gostaria de saudar o envolvimento de toda a galera do Circuito Metropolitano de Saraus, em espacial de Camila Félix, DuduLuiz Souza e Vito Julião. E para todas as pessoas envolvidas. Foi maravilhoso estar nesse turbilhão poético!








segunda-feira, junho 24, 2019

Escarnecedores em roda



Um homem fazendo o sinal de armas com a mão usa uma camisa escrito "marcha para jesus". Enquanto isso, outros ao redor sorriem e aplaudem. 

Penso se não deveriam ter expressões de descontentamento ou vergonha. Jesus não era o tal príncipe da paz? 

Bolsonaro é um turbilhão de ódio e preconceito. Fico imaginando os fariseus e sacerdotes da época de Jesus com a mesma cara do Bolsonaro, as mesmas posturas e palavras. E o mesmo ódio.

Certa vez, assisti um vídeo em que Bolsonaro afirmava que seria voluntário em execuções de condenados, caso o Brasil tivesse pena de morte. Bolsonaro, se vivesse no tempo de Jesus, seria voluntário para bater os cravos. 

Que defesa os cristãos têm? Quem quiser procurar a foto verá os "servos de deus" rindo e aplaudindo, como se o presidente fosse um performer, um artista, um bobo da corte. É assustador.  Marcha para Jesus é marcha pelo direito de estar armado? E ainda assim, arma não é motivo para piada e festa. Arma serve apenas para ser usada para ferir.

Mesmo que uma pessoa seja a favor do porte de arma, acho que ela deveria pensar nisso como um mal necessário, e não como um item para ostentação. E para deixar claro: Eu sou contra!

sexta-feira, junho 21, 2019

Borda - sobre uma melancolia de luz

Por vezes, a Poesia nos pega pela mão e nos leva até a beira do precipício. Ela então nos convida a debruçar e olhar o vazio que existe lá embaixo. E se nos negamos a isso, ela nos pega pelas bochechas e nos faz olhar em seus olhos - onde veremos o mesmo vazio. Podemos até fechar os olhos, mas nós já entramos em sua dança, e ela nos conhece muito bem. É impossível sairmos imunes.

Foi assim que me senti ao terminar Borda, de Norma de Souza Lopes. A voz da poeta belo-horizontina me levou ao silêncio e ao vazio. Mas esse mesmo vazio escondia uma semente de múltiplas possibilidades.

Não há como ler a poesia de Norma e não se sentir um pouco ela. Afinal, ela vai deixando marcas de sua alma nos versos, como "metassinaturas". Sua história marca a palavra de seus Poemas como as cavernas com pinturas rupestres.

Há uma tristeza resignada em seus poemas. Não devemos confundir, porém, com conformismo. Sua resignação está mais para uma voz que admite seus silêncios, seus tropeços, sua condição. Mas nessa mesma resignação é firmada a trincheira da resistência e da luta.

Ainda que haja essa tristeza na maior parte dos poemas, algo como a certeza de que o Amor é miragem, há como que traços de luminosidade, apontando para uma esperança despretensiosa. A voz poética não quer ter razão. Apenas se permite sonhar, a despeito da dor, da angústia, do sofrimento e da rejeição.

Uma tristeza luminosa que nos aponta para o vazio e o escuro que em nós existe, enquanto nos convida a abraçar esse breu, fazer dele um ponto de calor e aconchego, onde possamos fazer brilhar nossa própria luz.

Ficha Técnica 
Borda
Norma de Souza Lopes 
Número de Páginas: 100
Formato: 14x21 
Editora Patuá

Aproveito para compartilhar aqui o vídeo em que eu declamo o poema "Tombo", que faz parte do livro:


quarta-feira, junho 19, 2019

Bolsoriques

Vive dizendo "tá okey!"
Ele não me engana, eu sei
Não tem argumento
É só um jumento
Capacho "made USA"!

Bolsonaro é muito lambão
É um político porcalhão
Acha que é polícia
É ligado à milícia
O pior para esta nação!

Tá chamando a gente de imbecil
Não tá se lixando pro Brasil
Bolsonaro é indecente
É um mal presidente
Que ele vá pra ponte que partiu!

Bolsonaro é bem persistente
Até mesmo pra um presidente
Tanto que viajou
Doze milhões gastou
É um turista muito exigente!

segunda-feira, junho 17, 2019

Outra poética

Na falta de palavras novas,
reinvento as antigas.
Nada mudou, sequer uma vírgula.
Apenas meu olhar quer ser outro.
O tempo é minha única moeda
e nem assim posso usá-lo.
Cunhado estou por ele
como um ser de barro,
caviloso
imperfeito.
E ainda assim
tento completar os sentidos
que sequer compreendo muito bem.
Quem sabe, um dia,
alguém descubra algo que eu disse
e não sabia.

sexta-feira, junho 14, 2019

Heróis - Sobre as grandes batalhas da vida

Mia, Felix e Corinna são especiais. Não é pelo fato de terem saído no jornal como heróis locais, nem por terem fundado o Clube dos Detetives Mestres para combaterem o Bizarro. Ainda assim, esses dois motivos já seriam suficientes. Para entender o porquê dessas três crianças de 10 e 11 anos serem de fato especiais, é necessário ler Heróis, de Jutta Richter. 

Narrado na pessoa de Mia Besler, o livro se passa em um longo e quase interminável verão. Seu início ocorre durante um incidente perigoso: um incêndio. A partir desse acontecimento, o leitor acompanhá as aventuras e desventuras de três crianças, em especial a narradora.

Mia é uma menina que tem em si a esperteza precoce, embora preserve ainda a inocência infantil. Sua inteligência é afiada, de forma que seus questionamentos são compartilhados com o leitor a cada momento. A inocência da menina garante um tom de sinceridade comovente, principalmente por conta da ausência de malícia.

Não significa que Mia não se envolva em encrencas. Na verdade, o livro tem início com uma enorme enrascada  a qual a menina e seus dois amigos se metem. Porém, à medida que a narrativa é desenvolvida, vamos percebendo que os problemas que Mia observa são bem maiores que as possíveis consequências de uma travessura.

Escrito com um tom comovente e leve, repleto da pureza infantil, Heróis é um mergulho no universo infantil, com toda sua ingenuidade, companheirismo e solidão.

* Dica de leitura da Bibliotecária da minha vida, Pâmela Bastos Machado. 

Ficha Técnica 
Heróis
Jutta Richter 
Tradução de José Feres Sabino
Editora Iluminuras

quinta-feira, junho 13, 2019

quarta-feira, junho 12, 2019

BPIJ - Não um adeus, mas um até logo

Quem acompanha meu trabalho sabe que sempre fiz questão de mencionar que fazia parte da equipe da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil. Neste espaço, inclusive, falo da BPIJ como minha segunda casa. Enfim, infelizmente, tive que me mudar.

Desde maio deste ano, passei a atuar na sede da Fundação Municipal de Cultura, deixando assim de fazer parte da equipe fixa da Biblioteca. Não significa, porém, que deixarei de atuar na mediação de leitura. 

Os motivos que me levaram a me retirar da BPIJ são vários, sendo eles a maioria de natureza pessoal. Contudo, meu carinho e admiração tanto pela equipe quanto pelo espaço que a Biblioteca representa.

Atualmente, estou na Gerência de Bibliotecas e Promoção da Leitura. Assim, penso que minha atuação como mediador será potencializada. Afinal, estarei em contato com a rede de bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura de BH. Inclusive, com propostas de oficinas de mediação.

Por exemplo, há duas semanas ocorreu a Semana Literária do Centro Cultural Venda Nova. Estive lá com a oficina Livro-minuto e com a apresentação "Comadre Morte, Compadre Capeta", em parceria com o amigo Rodrigo Teixeira. Em julho, estaremos no Centro Cultural Salgado Filho com a mesma apresentação artística.

O que posso dizer? Foram anos de trabalho árduo e gratificante. Anos de dedicação e idealismo, mas também de decepções e dificuldades. Sinto-me eternamente ligado à Biblioteca e a todas as pessoas que nela trabalham e trabalharam, assim como aquelas que a frequentam e usam de seu acervo, pois fazem todas parte da minha história e a tornaram mais saborosa e profunda.

Fica aqui minha minha saudação e meu muito obrigado. Sabendo que esta despedida não é um adeus, mas um caloroso "até logo."




terça-feira, junho 11, 2019

segunda-feira, junho 10, 2019

Sonhando sob o céu

Sonhando sob o céu
avisto um horizonte
que vai além do meu
desejo ou da minha
ambição.
Além da cortina das pálpebras
deixo o vento me segredar
sentidos e descobertas
e mais uma história
nasce cresce e se transforma
e me transforma
em algo mais.

Praça da Estação, 23 de março de 2017