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segunda-feira, setembro 18, 2023

Capitão Fall celebra a discórdia, a maldade e a estupidez



A sexy e letal Liza Barrel tem um problema. Coordenando uma operação criminosa à bordo de um cruzeiro, ela precisa encontrar um bode expiatório perfeito para ser responsabilizado por todas as atividades ilegais sob sua autoridade. Já tentou vários excelentes capitães de cruzeiro, mulheres e homens talentosos que foram por fim presos e misteriosamente se mataram na prisão. Agora, ela procura alguém com o mínimo de qualidades. Uma espécie de anti-capitão, o pior aluno da história de todas as escolas de comando de cruzeiros.

Capitão Fall, animação da Netflix tem uma premissa simples: Jonathan Fall serve de testa-de-ferro para as operações criminosas comandadas pelo sombrio Sr. Tyrant e sua equipe. Fall é um fracassado capitão de cruzeiro e aproveita ingenuamente a oportunidade de comandar um cruzeiro.

Fall é estúpido, mas não apenas isso. É claramente uma pessoa com deficiência cognitiva. Espertos, apenas os vilões. Até mesmo a polícia da unidade especial que investiga os atos criminosos que ocorrem no cruzeiro Rainha do Caribe é estúpida e obtusa. 

A narrativa não faz muito sentido em certos pontos se levarmos em consideração que todas as personagens são odiosas e estúpidas. A própria Liza Barrel, interesse romântico de Jonathan Fall, por vezes parece querer matar envenenado o protagonista, por vezes parece comovida com o tratamento que a família do capitão dava a ele. Porém, ela não parece, em momento algum, comovida ou arrependida pelos atos monstruosos que encabeça junto com Pedro, Nico e os demais capangas do Rainha do Caribe.

A animação é extremamente violenta. Talvez seu trunfo seja a ironia. Porém, eu sinceramente não quero viver em um mundo em que sejam possíveis as atrocidades operadas em Capitão Fall.

sexta-feira, maio 04, 2018

Te vendo um cachorro - Ingenuidade, malícia e o fazer artístico

Teo tem um grave problema. Ele foi praticamente acusado de estar escrevendo um romance. Sua vizinha de andar, maliciosamente batizada de Francesca, é a autora e disseminadora de tal delírio. Por conta disso, Teo é continuamente incomodado pelos demais moradores do prédio: um conjunto de fanáticos literatos, membros de um clube de leitura hardcore liderado pela própria Francesca.
O pior de tudo é que Teo nunca teve qualquer pretensão de escrever um romance. Ele é apenas um vendedor aposentado de tacos e agora deseja passar o fim de seus dias em suave embriaguez, lançando cantadas às senhoras solteironas que o cercam.
Assim, a partir desse enredo tragicômico, o leitor é convidado a se aventurar pelas páginas do romance Te vendo um cachorro, último volume da trilogia de Juan Pablo Villa-Lobos sobre o México.
Ambientado na Cidade do México, a narrativa assume um foco bem diferente dos seus antecessores. Se no primeiro o narrador é uma criança que habita uma isolada fortaleza do narcotráfico, e no segundo é um jovem morador de uma pequena cidade do interior mexicano, agora temos um narrador vivido e experiente, com toda a manha e canastrice de um cachorro velho que viveu em um ambiente mais complexo, tanto pelo lugar populoso, quanto pelo ofício cheio de artimanhas. Em dado momento, Teo começa um diálogo insólito com a frase que dá nome ao romance, criando uma situação absurdamente cômica.
É interessante observar que, embora não tenha interesse algum em escrever o tal romance, Teo tem um passado ligado ao fazer artístico. Seus devaneios, apontamentos e memórias perpassam angústias e ciladas que surgem na travessia de qualquer artista. E nosso anti-herói ainda declara com muito orgulho que seu ofício como taqueiro não deixa de ser um fazer artístico.
Assim, temos durante a leitura cenas que apresentam o impulso do artista como algo ingênuo e ao mesmo tempo malicioso. A ingenuidade estaria nas memórias de Teo, em sua juventude, quando ele desejava ser artista plástico e esboçava em seu caderno sua visão inexperiente de mundo através de desenhos. Já a malícia cerca o velho taqueiro alcoólatra, devasso, sempre pronto para comprar uma pílula azul e por isso passa a maior parte do tempo sendo enxotado pelas mulheres que ele canta. 
É assim que jovem e velho se aproximam, através da alegoria da mulher como musa inalcançável, embora sempre próxima. E a única forma de tocar a musa é através da arte. Seja por desenhos, palavras, ou por um delicioso taco, feito da carne do melhor vira-lata que foi possível encontrar.

Ficha Técnica 
Te vendo um cachorro
Juan Pablo Villa-Lobos 
Companhia das Letras 

sexta-feira, fevereiro 16, 2018

Altered Carbon: o ser para além do humano

Quais são os limites para o que se pode considerar humano? Quando uma consciência tem a capacidade de mudar de corpos, ultrapassando limites de idade, gênero, etnia, a partir de quais critérios tal consciência poderá construir sua identidade e se considerar humana? 
Essas e outras questões são lançadas ao aturdido espectador enquanto este assiste a mais recente série da Netflix, Altered Carbon.
Baseada no livro homônimo de Richard Morgan, a série já de início apresenta o conceito de "capa": a partir de um chip  ou cartucho implantado na base da nuca, a consciência pode ser capturada e transferida para outro corpo. Dessa maneira, o corpo passa a ser nada mais que uma capa, ou roupagem, da qual a consciência pode se servir da maneira que quiser, desde que tenha dinheiro para tanto. Além disso, a morte foi superada. Afinal, se o chip ou cartucho não for destruído, a consciência pode ser implantada em outro corpo e seguir sua vida normalmente.
Porém, como assinalado acima, apenas aqueles que dispõem de dinheiro podem fazer uso de corpos conforme seus gostos e caprichos. Apenas aqueles com grande riqueza podem usufruir da imortalidade.
Em um mundo assim o espectador conhece Takeshi Kovacs. Ele é o último emissário, um antigo rebelde com treinamento de combate altamente qualificado. Acordado de uma prisão criogênica de 250 anos, ele é contratado por um magnata para resolver um assassinato. E a vítima é o próprio magnata. Todas as pistas indicam o suicídio, mas ele é um matusa, um dos mais antigos, e sua honra não admite algo como o suicídio.
Kovacs recebe a oferta de uma fortuna, além do perdão de seus crimes, para aceitar o caso. Assim, tem início uma intrincada trama envolvendo sexo, intrigas, política e uma boa dose de ação.
Minha impressão da série como um todo foi muito boa. Senti que mergulhava em um rico universo em que o espírito se torna a matéria. Afinal, a consciência, nessa ficção, consiste em um cartucho eletrônico. Assim, é interessante observar como valores morais e questões filosóficas vão se desenvolvendo em torno do enredo, enquanto Takeshi Kovacs, assombrado por seu passado, faz o melhor estilo anti-herói, e mergulha em um ambiente noir, com direito a referências diretas ao pai do romance policial, o próprio Edgar Allan Poe.
As personagens são interessantes e carismáticas. Elas vão ganhando profundidade ao longo dos episódios. Com exceção de Kovacs, que faz um percurso moral de redenção, alcançando o patamar de herói e encontrando o seu nêmesis. Esse percurso empalidece a carga dramática em redor do protagonista.
Das personagens que crescem ao longo da série, merece destaque a policial Kristen Ortega. Incorruptível e durona, Ortega segue os passos de Kovacs por seus próprios interesses e não tem medo de enfrentar quem quer que seja. Seus rompantes de fúria se fazem no melhor espanhol chulo.
Existem outros pontos interessantes a se observar. Por exemplo, a sociedade que se descortina na série. Ainda que séculos tenham se passado desde a "descoberta" da imortalidade, com a raça humana tendo colonizado inúmeros planetas e se expandido para muito além dos seus limites, pareceu-me que eu estava diante da mesma sociedade do século XXI. Outras distopias, como Admirável mundo novo e 1984, apresentam uma "evolução" na sociedade de forma mais marcante que Altered Carbon.
Com isso, arrisco dizer que esta série não deixa de ser uma aguda crítica de nosso tempo, onde imagens superficiais e repletas de artificialidade, como perfis de mídias sociais, constroem relações muitas vezes perversas e predatórias, aumentando ainda mais as desigualdades em nossa sociedade, cada vez mais desigual.

Ficha técnica
Altered Carbon
Criação de Laeta Kalogridi
Produção: Netflix
Baseado no romance de Richard K. Morgan.
Site oficial.

domingo, março 26, 2017

Trilogia da Fundação - Um surpreendente mergulho em nosso possível futuro

Não costumo fazer resenhas de trilogias ou séries literárias, mas de obras individuais, principalmente por não ter a intenção de ser um blog analítico, nem de crítica acadêmica. Além disso, uma resenha conjunta, a meu ver, não é tão legal. Acho que cada obra tem sua especificidade, como se fosse um indivíduo único.
Assim, foi com certa relutância que decidi escrever esta resenha. Porém, como faz um tempo que não publico alguma, e como só publiquei uma este ano, resolvi juntar esses motivos para fazer um três em um.
Tudo bem que talvez seja muita pretensão de minha parte fazer comentários sobre um dos trabalhos mais impressionantes do Guru da ficção científica, Isaac Asimov. Mas é assim mesmo que a gente aprende.
A trilogia começa com o livro Fundação mostrando - com o perdão do trocadilho - os fundamentos dessa saga cósmica. Um jovem matemático é convidado a trabalhar na Universidade de Trantor, capital do Império Galáctico, a milhares de anos em nosso futuro. Lá ele conhece Hari Seldon, o fundador de uma estranha ciência chamada Psico-História. Segundo esta, seria possível prever o futuro de uma civilização através de fórmulas matemáticas. Sendo assim, foi previsto o declínio do Império e sua inevitável queda, seguida de trinta mil anos de barbárie.
Para atenuar os efeitos dessa crise e encurtar esses trinta mil anos em apenas mil, Seldon cria uma fundação de cientistas que deveriam tratar de todo o conhecimento do Império e guardá-lo em uma inédita enciclopédia, para quando um novo império surgisse.
A princípio, este é o objetivo da Fundação, estabelecida no planeta Terminus, na periferia mais obscura e distante da galáxia. Há, porém, um objetivo oculto e impressionante, que será revelado gradativamente, à medida que o Império se degenera e a periferia se torna cada vez mais instável e perigosa, com o surgimento de governos planetários belicistas.
Sei que a importância de uma obra pode interferir em sua leitura, de forma a causar uma expectativa que pode ser frustrante. Não foi esse o caso. O texto de Asimov é equilibrado e fluido, muito agradável. Além disso, seus personagens são cativantes, embora o tempo que o leitor passe com eles seja relativamente curto. Afinal, a trilogia cobre um período de mais de trezentos anos em que crises e reviravoltas acontecem.
É importante destacar, também, como Asimov tem uma incrível visão estratégica, dando ao leitor a impressão de que ele está fazendo um zoom sobre um indivíduo específico, depois de um espetacular panorama.
É interessante observar certos anacronismos. Afinal, Asimov não é um profeta, a ponto de prever as mudanças sociais que ocorreriam nas três últimas décadas. É possível notar também certo sexismo no desenrolar da trama, tendo as mulheres pouca participação no enredo. Além disso, talvez ele não imaginasse que a tecnologia nuclear seria descontinuada. Mas como eu disse, Asimov não é mágico, mas um ficcionista, e ele fez algo impressionante em sua "ópera espacial", com direito a devaneios sobre possíveis habilidades futuras em uma sociedade humana que buscasse evoluir em consciência e linguagem, nas ciências humanas, ao invés das exatas.
Com um enredo fascinante, um universo rico e complexo e o talento de um exímio prosador, Asimov faz da sua trilogia Fundação, Fundação e Império, Segunda Fundação uma jornada inesquecível para o leitor.


Ficha Técnica
1. Fundação
Páginas: 239
2. Fundação e Império
Páginas: 248
3. Segunda Fundação
Páginas: 235
Autor: Isaac Asimov
Editora: Aleph

Perfis dos livros no Skoob:
1. https://www.skoob.com.br/livro/2668ED3474
2. https://www.skoob.com.br/fundacao-e-imperio-27768ed30170.html
3. https://www.skoob.com.br/segunda-fundacao-27769ed30172.html

sexta-feira, dezembro 30, 2016

Como me despedi de Ted Mosby

Por muito tempo eu me privei do encerramento de How I met your mother. Levei a coisa mais para o lado pessoal do que o necessário. Havia assistido até a penúltima temporada com uma ex-namorada e de repente estava eu mais sozinho que o próprio Ted. Uma série que tem "encontro" em seu título e mais fala de desencontros do que qualquer outra coisa não seria a melhor opção para se assistir, a meu ver naquela época, durante um período de fossa.
E segui o caminho até o amor me mostrar que vida e televisão não são a mesma coisa, que essa "caixa de areia" tecnológica não precisa ser vista como o galho mais alto da árvore do quintal. Estava lá eu com a última temporada diante de mim, naquele que parecia ser o fim de semana legendário de um casamento igualmente legendário.
E percebi então que legendários somos nós, que fazemos a memória e a palavra persistirem no tempo. Nós somos o Ted, narradores e expectadores de nossas vidas. E foi impressionante perceber isso, como essa voz encorpada e esse rosto com um ar de sinceridade e leve melancolia me fizeram crer que era eu mesmo que vivia os dissabores de nosso querido Mosby.
E ao final, novamente fui pego de surpresa. Sim, foi com uma grande sensação de "desencontro" que a série terminou para mim. Mas o engraçado é que mesmo depois de sair do Netflix e ficar sozinho no escuro quente da madrugada de natal, constatei que a busca de Ted não havia se encerrado e que a série continuaria rodando em minha mente, com uma promessa de reencontro.
Depois de muito matutar, ponderei que talvez essa "mãe" tão perfeita e ideal, tão em sintonia com nosso amado arquiteto seja tal qual o edifício por ele construído: uma elaboração. Afinal, a memória pode ser benigna com aqueles que amamos, estejam eles ainda conosco ou não. E ao perceber que toda a narração não passava de um relato, senti a série tomar proporções lendárias, fabulosas, quase épicas. 
Então nos últimos momentos do derradeiro episódio,  quando não estava mais preso ao relato de Ted, um cálido toque de realidade. Afinal, por mais incrível que seja a memória, sabemos também que o instante importa. E muito.