quarta-feira, maio 15, 2013

Alma Quebrada - Parte Final

Com seu único olho são, ele fitava o teto do quarto de hóspedes. Procurava organizar seus pensamentos, mas sua mente era preenchida apenas por sons e imagens. Recortes esparsos da experiência de uma noite passada em claro, vomitando sangue, sendo costurado, examinado, reparado. Como se fosse de fato possível reparar aquilo que estava quebrado para sempre.

Um médico constantemente havia parado diante de sua maca, para perguntá-lo quem era, quantos anos tinha, onde morava, dentre outras perguntas. Nelas, buscando responder corretamente ao médico, ele tentava redescobrir-se, como se fosse possível recuperar a peça para sempre perdida dentro de sua alma.

Agora, passado o pior daquele pesadelo, o rapaz olhava para o teto e revia infinitamente a mesma cena do acidente, procurando descobrir onde ele errara, onde tomara uma decisão equivocada, desviando para sempre o curso de sua vida. Agora era um brinquedo quebrado, um inválido na tarefa de ser alguém de fato. Retornava à casa dos pais, amparado como criança, sua maioridade revogada.

Tentou deixar o leito, firmar pé, até descobrir que sua visão não era mais a mesma. Jamais seria. Seu passo agora seria eternamente trôpego, vacilante. O que era circunstancial tornara-se um fato. Antes titubeava por indecisão, agora era por condição.

Talvez tudo isso fosse mentira. Ou ao menos um equívoco passageiro. Talvez sua alma estivesse apenas trincada. Ou talvez, mesmo em estilhaços, fosse possível restituir à sua alma uma integridade anterior. Quem sabe essa infância forçada fosse a condição necessária para um outro eu, para o surgimento da potência oculta, antes aprisionada nas formas da alma.

Uma coisa era certa: essa alma, já tão comprometida, tão desarranjada, agora jazia irreparável, transformada em estilhaços invisíveis, encerrados em seu peito.

segunda-feira, maio 13, 2013

A retirada - Parte I de V

Ir para Lorguth - Parte IV de IV


A manhã chegou em Keraz sem a presença do sol. Balgata deixara a cargo de Riderth organizar a fuga dos dois grupos pela passagem da adega. O terceiro grupo estaria a cargo do último capitão e sairia a campo aberto. Mesmo após a divisão, algumas crianças e idosos ainda ficaram para trás, fazendo parte do grupo que cumpriria o papel de isca. Seridath, Balgata e os demais estavam parados no centro da aldeia, diante uma pilha de madeira onde os corpos das vítimas estavam dispostos. Urso Pardo, coberto por um manto de peles, havia sido colocado ao lado de Murrough, cujo corpo já estava parcialmente queimado e fora identificado por Balgata pela espada que segurava. Lá também estava Aleigh, que morrera poucos minutos antes. Seridath, Lucan e o anão Uri foram os únicos a verem o corpo dilacerado do velho andarilho. O cavaleiro havia providenciado para que ninguém mais visse o estado deplorável que estava o corpo de Urso Pardo.
Ao redor dos três líderes, os cadáveres dos demais guerreiros e camponeses estavam dispostos de forma assimétrica. Foi tudo feito às pressas, pois todos temiam que os mortos entre seus próprios companheiros pudessem despertar. Seridath sentia esse medo permeando o fôlego de todos os vivos ali presentes. Os arqueiros prepararam as flechas incendiárias. Balgata daria a ordem de disparo que poria em chamas aquela gigantesca pira fúnebre. O capitão ainda hesitou. Nesse instante, um gemido forte e sofrido surgiu dentre os corpos. Aleigh gemia e ao seu gemido foram acrescidos outros. O capitão recém-falecido levantou-se de chofre, com o rosto desfigurado. Olhou ao redor e deu um berro irracional.
Disparar! – gritou Balgata, com a voz engasgada.
As flechas incendiárias atingiram os corpos, que estavam encharcados de uma substância especial, fabricada pelos anões. Instantaneamente, a pira incendiou-se, cessando os gemidos daqueles que deveriam estar em paz. Os vivos permaneceram em silêncio, observando fixamente os corpos a arderem. Pareciam fascinados pelo fogo. Balgata quebrou o silêncio.
Andem, seus cães de Nibala! – bradou o último capitão. – Querem ficar nesta fossa podre pra sempre!? Vamos dar início à retirada!
Até mesmo ele estava surpreso com seu linguajar. Parecia que o sangue de seus antepassados começava a despertar nele um outro homem. "Que seja!" pensou ele, cuspindo no chão, como se expulsasse de si mesmo o último resquício de nojo.
Logo o grupo de sobreviventes pôs-se em marcha. Os comboios eram guiados por três auxiliares, remanescentes da comitiva de guiadores e cozinheiros que saiu de Sathal, quase um mês atrás. Duas carroças levavam os mais debilitados. Alguns, feridos pela maligna maldição, já mostravam sinais de fraqueza e da doença que lhes tiraria a vida, transformando-os em mortos-vivos. Bem à frente do comboio ia o grupo de defensores, escalados para o primeiro embate caso o inimigo surgisse em alguma emboscada. Balgata guiava o grupo, formado por 6 anões, 9 arqueiros, 18 guerreiros e 20 aldeões assustados. Na retaguarda havia um grupo menor, composto somente por 5 arqueiros e 7 camponeses. Exceto crianças e velhos, os outros foram obrigados pelo capitão a carregar algum tipo de arma. Todos que pudessem deveriam lutar pela sobrevivência do grupo. O resto dos homens da Companhia estavam entre os outros dois grupos, que escaparam pela passagem particular do prefeito Denor.
Aldreth era um dos arqueiros destacados para ficar na retaguarda. Tentava distanciar-se de Seridath, mas não se considerava digno de escapar com os outros, pela passagem. Merecia arriscar a vida, fazendo parte do grupo de isca. O jovem ainda não conseguia entender como ele e os outros arqueiros de vigia não conseguiram ver os cuspidores de dardos antes do início do ataque. Fora surreal demais assistir a campina de repente encher-se de criaturas hostis, enquanto eles escondiam-se atrás da paliçada e as pessoas da aldeia morriam. Por tudo isso, Aldreth temia ainda mais Seridath e procurava evitá-lo a todo custo. Ele era o único que sabia a verdade. O único que vira homens que ele mesmo havia enterrado levantarem-se como criaturas malditas. E não bastasse isso, aquele homem maligno o havia condenado a conviver com as imagens que o atormentavam.
Balgata também não alimentava os melhores sentimentos por Seridath. O capitão desprezava o insolente rapaz que portava aquela estranha espada e agia como se o mundo todo girasse ao seu redor. Algo dizia a Balgata que havia uma sinistra ligação entre as ações de Seridath e a misteriosa salvação em Keraz. Não havia provas disso, mas o capitão considerava que essa idéia vinha de sua "intuição de soldado", que raramente falhava. Mas o que deixava aquele grande homem fulo da vida era ver o rapaz agir como se fosse um herói, tomando a frente do grupo, sedento por mais lutas e sangue. Enquanto eles andavam cautelosos e estudando o terreno, Seridath adiantava-se, como se não houvesse problema em enfrentar todo um pelotão de zumbis.
Seguiram por uma trilha pouco usada, conhecida por um velho caçador que orientava o capitão. Lucan, o arauto, oferecera-se para atuar como batedor, alegando ser ágil e rápido. Balgata não ofereceu resistência. Pensara que esse papel seria disputado por Seridath, mas o cavaleiro manteve silêncio, postado ao lado do capitão. Lucan desapareceu durante toda a tarde. A marcha era lenta, penosa e ninguém ousava dizer uma palavra. Ainda estavam na zona de morte. A velha trilha abandonava a campina e cortava uma extensa floresta repleta de enormes pinheiros de troncos frondosos. As árvores estavam secas, por causa do início do inverno, mas sua cor era mais escura que o normal, como se houvesse uma camada de fuligem a cobri-las. O chão emanava um cheiro podre e úmido. Aquela terra já parecia morrer com a maldição que se espalhava. 


Continua...

sexta-feira, maio 10, 2013

História da água - o sinuoso percurso da memória

Fonte: divulgação

A vida é algo muito difícil de ser definido. Ainda assim, a humanidade busca, ao longo da História, transformar em palavras algo tão abstrato quanto vasto. Contudo, há certos fatos intrínsecos à palavra vida. Por exemplo, a vida na Terra só foi possível por uma série de fatores, entre eles a água. Ou seja, não podemos negar que a água é o elemento essencial à vida.

Algumas religiões utilizam-se das propriedades da água como alegoria da existência espiritual. Nada mais lógico. Afinal, a água pode assumir várias formas e estados, embora tenha uma mesma essência. Em muitas crenças o mundo teria começado com um grande mar e mesmo em algumas narrativas a água é usada pelas divindades para dar fim a toda a existência, seja humana ou não.

Outra bela alegoria é do rio, que representa a inexorável passagem do tempo, o correr das águas como as experiências que vivenciamos e nunca mais poderemos reviver, ainda que as busquemos pela memória. Além deste fato, as águas, sejam em rios ou mares, também demarcam fronteiras, territórios, constituindo-se num "espaço sem espaço", num entre-lugar.

Não tenho certeza se por acaso a Laura Cohen Rabelo pensou em tudo isso quando começou a escrever o magnífico História da água e na verdade não me importa saber. O fato é que a água está lá, com toda a sua potência, com a sua sugestão de vida e morte. 

A linguagem é cadenciada, musical. É um livro delicioso de se ler. Nele conhecemos a jovem Eira, acadêmica de literatura, cercada por grandes desastres que definiram sua alma, marcaram sua história. Filha de um grande escritor e pesquisador, Eira sente viver à sombra do pai. Seus dois irmãos, Lucian, o mais velho, e Anya, a caçula, são formados em música e alcançaram a idade adulta longe de Eira. Ambos falam alemão e possuem promissoras carreiras na área musical. Assim, Eira sente-se como que estrangeira de seus próprios irmãos, embora possua com cada um deles laços de amor bem fortes e peculiares.

Composto por uma narrativa não-linear, o romance usa da linguagem para delimitar territórios ou espaços narrativos, sejam eles simbólicos ou  físicos. "Demônios Acadêmicos", por exemplo, é narrado por Lucian e relata muito cuidadosamente os percalços intelectuais e amorosos de Eira. É interessante como o narrador por vezes assume o papel de irmão mais velho, por vezes o papel de amigo confidente. Já "A Casa de Odisseu" é narrado por Anya e relata com muita delicadeza a busca de Eira por reconfigurar sua vida, desvinculando-se do passado, ou melhor, dos passados que a assombram.


Todavia, nenhum personagem é tão fascinante quanto Eira. Seu nome, se buscado no dicionário, significa um lugar que tem profunda relação com a água, embora um dos significados seja justamente "Terreiro em que se junta o sal ao lado das marinhas", ou seja, um lugar drenado. E podemos ver uma certa secura na protagonista, justamente por ser uma ex-nadadora, obrigada a abandonar o esporte por conta de um acidente. Esta secura, inclusive, evidenciaria a sombra de uma outra vida, abortada. Como se por seu nome, Eira, a personagem principal sofresse a água que perdeu, a vida que se esvaiu, mesmo sendo tão jovem. Sua tristeza é bela, não apenas pela estética no uso da linguagem, mas pelo elemento fáustico que evoca. Eira sabe que não pode escapar de seu destino, mas luta contra ele, embora a cada embate ela inexoravelmente reforce esse mesmo destino, pois suas limitações também são parte de si.

Finalmente, declaro que História da água foi uma deliciosa viagem, um percurso sinuoso por uma história singela, profunda e forte. Sendo o romance de estreia de Laura Cohen Rabelo, esta obra assinala com veemência a sobriedade, a competência e sobretudo o talento desta jovem escritora.

Ficha Técnica

Edição: 1
Editora: Impressões de Minas
ISBN: 9788563612076
Ano: 2012
Páginas: 183


Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/287055-historia-da-agua

PS: Eu desejava escrever muito mais sobre o livro. Foi a leitura mais prazerosa de 2013 e uma das melhores que já tive. Há diversos aspectos presentes na narrativa que me fazem passar horas e horas pensando. E continuo vivendo com Anya, Eira e Lucian. Suas palavras continuam ecoando em mim. E creio que ecoarão perpetuamente, como o perpétuo ciclo da água.

segunda-feira, maio 06, 2013

Lorguth - Parte IV de IV

Ir para Lorguth - Parte III de IV


A vertigem tomou conta do último capitão, enquanto ele buscava apoio na parede ao lado. Seridath não moveu um dedo para amparar o guerreiro. Apenas observava, respeitoso. Murrough era um homem honrado e um bom capitão. Era uma fatalidade a sua morte, assim como a de Urso Pardo. Balgata permaneceu parado por alguns instantes, tentando fazer seu mundo voltar a girar. Da porta da mansão surgiu um homem baixo e robusto, de cabelos e barbas escuros e crespos. Sua cota de malha estava rasgada na altura do ombro direito, deixando à mostra o braço repleto de cicatrizes.
Riderth – reconheceu Balgata. – Então é verdade...
Sim, meu capitão.
A aquela resposta selou o fato no peito do último capitão. Balgata voltou-se para Seridath.
Não podemos deixar que os mortos manchem os corpos de nossos líderes. Riderth e eu vamos cuidar de Murrough e dos outros companheiros. Eu... por favor, encontre o corpo do Andarilho.
Pode deixar, capitão – respondeu Seridath, resoluto.
Era quase manhã. Uma boa parte de Keraz ainda ardia. Balgata e seus homens espalharam-se pelas ruínas da aldeia, à procura dos corpos de seus companheiros. Alguns camponeses uniram-se silenciosamente ao grupo, em busca de seus próprios mortos. Todos ostentavam uma tristeza resignada.
Seridath foi encontrar o corpo de Urso Pardo no mesmo lugar em que fora deixado, embora estivesse coberto pelos pedaços da paliçada e pisoteado. Apenas a mão e o pé esquerdos do velho estavam visíveis. Ao longe as colinas se desdobravam, desoladas. Não havia sinais dos invasores, apenas os corpos abatidos e as setas negras cobriam a campina enegrecida e semi-oculta pela neblina da madrugada, adensada pela fumaça do incêndio que agonizava.
Quer ajuda aí, parceiro? – soou uma voz áspera às costas do rapaz.
Seridath virou-se e viu um anão desconhecido. O arauto estava ao seu lado. Ostentava aquele mesmo sorriso jovial. Era quase irritante.
Mestre Uri era da divisão de Aleigh, senhor – disse o garoto. – Ele se apresentou para ajudar no preparo da pira funerária do Senhor Andarilho.
Seridath assentiu e em seguida perguntou:
Qual o seu nome, garoto?
Lucan, senhor. A seu dispor.
O garoto não escondia seu contentamento pelo interesse de Seridath. Pôs o punho em frente à boca e pigarreou.
Senhor – disse Lucan –, tenho mais outra questão para tratar.
Qual questão? – inquiriu Seridath, desconfiado.
No início do ataque, logo ao ver o Mestre Andarilho morto, acreditei que estaríamos perdidos, mas então ponderei que pelo menos um jeito de fugir deveria existir. Foi aí que pensei em preservar os comboios de mantimentos da Companhia...
Garoto... – murmurou o cavaleiro – quer dizer que você...
Isso mesmo, senhor. Os dez carros de boi estão intactos, escondidos no armazém anexo à casa do prefeito. Consegui com os camponeses mais umas três carroças. O armazém do prefeito estava quase vazio, mas vai dar pra levar alguma coisa nas carroças adicionais, sem falar que podem carregar os velhos e crianças que ficaram. Tomei a liberdade de deixar vinte homens guardando a carga.
Seridath estava admirado com a competência daquele arauto. Aquela cabeça trabalhava com rapidez, mantendo a calma enquanto os outros se desesperavam. O guerreiro bateu no ombro do garoto, em sinal de aprovação. Virou-se em seguida para terminar o resgate ao corpo de Urso Pardo.
Após toda a equação que fora a batalha pela defesa de Keraz, Seridath descobriu-se com um saldo considerável. O destacamento perdera mais da metade dos seus homens, mas as pesadas baixas não importavam para o cavaleiro negro. Em toda aquela luta desastrosa, ele saíra vitorioso.


Continua...

sexta-feira, maio 03, 2013

A Cadeira de Prata - Quando as palavras são mais do que aparentam

Fonte: divulgação.
Este foi o primeiro livro de C.S. Lewis com que tive contato. Lembro-me muito bem quando, aos onze anos, vaguei pelas prateleiras de uma livraria evangélica, deparando-me com um livro que de forma alguma parecia evangélico. Um casal de crianças, o menino empunhava uma espada, enquanto a menina mantinha seu olhar ao longe, como se vislumbrasse um importante destino. Atrás do casal, dominando a paisagem ao fundo, está um imponente cavaleiro negro, de armadura completa.

Já era apaixonado por literatura. E por histórias de fantasia medieval. Não preciso dizer mais nada para ficar claro que meu deslumbramento foi total. Queria aquele livro pra mim. Queria olhar através dos olhos daquelas crianças, ter minha mente invadida por seus pensamentos, perfazer os seus caminhos.

O que eu não contava, porém, era que o livro seria considerado "demoníaco". Afinal, que livro evangélico teria criaturas mitológicas como anões, faunos e centauros? Por isso, o livro me foi negado.

Alguns anos depois, visitamos uma família da mesma igreja que frequentávamos. Foi incrível descobrir que esse livro fazia parte de uma coleção e que o dono da casa tinha quase todos. Ele prontamente permitiu que eu levasse um deles emprestado e ficou surpreso que eu pedisse logo o livro seis A Cadeira de Prata. Expliquei que sabia que O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa era o primeiro, embora não o fosse para mim. A Cadeira de Prata havia sido meu primeiro livro e eu precisava o quanto antes descobrir quem eram aquelas duas crianças na capa.

Foi assim que conheci Jill e Eustáquio. Soube que ambos eram internos numa escola terrível e Jill parecia ser quem mais sofria as agruras de ter colegas maliciosos e violentos. Eustáquio havia sido um deles, mas seu comportamento no último ano tinha mudado completamente. Era intrigante mudança tão radical, de forma que a menina ficou desconfiada. Ainda assim, permitiu que Eustáquio tentasse explicar o que havia acontecido com ele.

A melhor explicação, com certeza, foi uma demonstração prática. Nárnia aconteceu na vida de Eustáquio. E ele acidentalmente fez com que o mesmo ocorresse com Jill. Tentando de alguma forma fugir de uma turma de perseguidores, os dois acabam por passar por uma porta que, ao invés de levar para a campina que havia fora do colégio, lança os dois em uma incrível aventura. Sim, em Nárnia.

A princípio, era para Eustáquio sentir-se em casa. Contudo, muita coisa mudou. Passaram-se vários anos desde a aventura narrada em A viagem do Peregrino da Alvorada, de forma que o menino está tão perdido quanto Jill. Para piorar, ele descobre que o Rei Caspian estava tão velho que poderia morrer a qualquer momento, mas seu filho, Rilian, estava desaparecido.

As duas crianças se lançam em uma jornada perigosa e angustiante em busca do paradeiro do príncipe. Um narniano viaja com os dois. Seu nome é Brejeiro, uma criatura dos pântanos, ou paulama. Os três seguem para o norte, encontram gigantes, escapam de perigos e por diversos momentos são levados a esquecer sua missão. A única forma de manter-se no caminho é não esquecer as palavras de Aslam, que Jill conheceu logo ao receber a missão. Anda assim, a cada momento, o grupo é levando de infortúnio a infortúnio para que as palavras do Leão sejam esquecidas.

Esta é uma das aventuras que mais amei durante minhas viagens pelo vasto mundo de Nárnia. Foi uma jornada de crescimento, pois este é um dos livros mais bem costurados de Lewis. Há uma trama por trás do desaparecimento do príncipe Rilian e muito do que os meninos encontram em sua jornada sugere vários desdobramentos que poderiam resultar em vários outros livros. O universo de Lewis é rico e inventivo. A magia está o tempo todo lá, em cada virada de página. E o desfecho do livro não deixa de ser comovente.

Não podemos negar que Lewis sempre buscou dar a sua literatura uma carga simbólica que expressasse sua filosofia de vida. Como um pregador cristão, este autor sempre deixou claro que sua obra tinha um compromisso também cristão. Acredito que esse compromisso tinha mais um espírito ético que moral. Seus personagens são imperfeitos, passam por crises, brigam e falham. E ainda assim o que conta não é a culpa, mas sim o poder de fazer de novo, tomar novas decisões, traçar outros caminhos. As palavras que Jill precisa lembrar podem muito bem simbolizar uma postura ética, de não se deixar levar, de ter em mente que nossa alma vale mais do que decisões impensadas visando atalhos escusos.

A Cadeira de Prata foi o livro que me despertou para o mundo mágico de C.S.Lewis. Esta afirmação parece um tanto clichê, assim como esta resenha tem mais afeto que rigor crítico. Mas não posso negar que a literatura de Lewis é uma das bases de minha formação, não apenas como leitor, mas como escritor também, assim como Monteiro Lobato, José de Alencar e Jorge Luis Borges. Estes escritores são como ancestrais destas mesmas palavras que deixei aqui registradas. Vida longa a Nárnia e vida longa a Aslam!


Ficha técnica
Edição: 1
Editora: Martins Fontes
ISBN: 8522616198
Ano: 1997
Páginas: 208

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/1104