Denor, prefeito de Keraz, embora
estivesse contrariado, pareceu sentir verdadeiro alívio quando
ouviu que a Companhia auxiliaria prontamente nas defesas da aldeia.
Assim, enquanto o mordomo se aproximava com taças de cobre
cheias de água, o prefeito limpou a garganta e começou
seu testemunho:
– Muito
nos satisfaz saber da disposição dos seus nobres
guerreiros para auxiliar nossas famílias. Iniciarei, então,
meu relato. Meus companheiros serão meu auxílio caso eu
omita algo fundamental.
“Há
meses ouvimos depoimentos de homens-macaco que têm vagado por
nossas terras, roubando gado e invadindo propriedades. Até
algumas crianças desapareceram. Além desses incidentes,
pescadores da região contavam que haviam visto luzes fortes ao
norte, além do mar, na direção das ruínas
de Quirite-Mon.
“Até
que então, há três semanas, recebemos pessoas que
chegavam desesperadas, trazendo parentes seus, imersos em terrível
febre, para serem tratados por Culliach, nosso sacerdote. Eram quinze
doentes. Todos os encantamentos e preces foram em vão, de modo
que os doentes pereceram. Mas logo após serem sepultados,
voltaram à vida, com uma ferocidade cega e um irracional
desejo de sangue. Perdemos bons moradores nesse surto de loucura e
violência.”
– Foram
necessários nossos melhores homens para pará-los – o
juiz Anfard, um homem ainda jovem e de sagazes olhos negros,
interrompeu o relato do prefeito. – Não sabíamos que
a doença era transmitida caso o infectado mordesse alguém
saudável. Também tivemos que descobrir, por um preço
muito alto, que o infectado reanimado só morre se for
decapitado ou tiver sua cabeça destroçada. Perdi metade
dos meus homens de confiança, guerreiros valorosos que
compunham minha guarda. O senhor Denor perdeu pouco mais que eu. Os
habitantes também ajudaram na luta, mas muitos foram feridos.
Dos sessenta homens que guardavam nosso vilarejo, vinte e cinco
estavam mortos ou infectados, além de quase o dobro de
aldeões. Os doentes foram encerrados em algumas casas,
enquanto víamos mais camponeses chegando de outros vilarejos,
alguns fugindo como loucos, tendo os mortos em seu encalço.
O jovem Anfard olhou para Denor,
como que esperando que o prefeito continuasse o relato.
– Pois bem –
o prefeito retomou a palavra –, esses últimos dias foram os
mais difíceis para nós. Tínhamos que tratar e
vigiar os doentes, cuidar daqueles que chegavam e estabelecer alguma
defesa que impedisse que mais dessas coisas invadissem Keraz.
Escolhemos nossos mais exímios carpinteiros e o mais fortes
lenhadores para ajudá-los, e o juiz Anfard liderava os demais
homens para resgatarem pessoas saudáveis e vigiarem os
arredores.
“Todos
ajudavam, inclusive mulheres e crianças. Construímos a
paliçada e cavamos o fosso em poucos dias. Enquanto isso, os
doentes entre nós pioravam, alguns já haviam perecido e
retornado à vida imersos em loucura. Por recomendação
de nosso sacerdote, encerramos todos os infectados em suas casas e,
que os deuses nos perdoem, as incendiamos. Os mortos se mostraram
sensíveis à força do fogo e, por tal fato, nós
os destruímos.”
O nobre baixou os olhos,
entristecido, enquanto seus dois companheiros imitavam seu ato. Eram
conhecidos seus que morreram de forma tão cruel. De fato, o
preço pago por Keraz fora alto demais. Cuilliach, o sacerdote,
talvez fosse do povo, mas era certo que Anfard deveria ser de origem
nobre, como Denor. Apesar do bom nascimento de ambos, eram homens
simples, que expressavam amor por aquelas terras e agora viam seu
mundo ruir sob a degradante escuridão que se abatia sobre
eles. Urso Pardo suspirou, decidindo que não era mais
necessário a eles continuar seu relato.
– Suplico a
vós que perdoai nossa frieza, caros senhores – disse o
andarilho, respeitoso –, pois sabemos que se trata de um assunto
deveras penoso para todos. Mas vossas experiências foram de
grande valia para nós. Os homens-macaco de que falais são
criaturas que há muito não andam em grandes bandos e se
exilaram justamente nas ruínas de Quiriath-Mon. Não são
homens, nem macacos, mas seres peludos de dentes fortes e sede de
sangue. São chamados argros pelos homens e gasnarzni pelos
anões. Seus líderes tribais são fracos e
facilmente manipuláveis pelas Trevas. São inimigos
naturais dos anões, por motivos que desconhecemos. Se estão
por estas bandas e agrupados, trata-se de algo que não devemos
ignorar. Não será mais apenas uma ação
sanitária, mas talvez presenciemos batalhas reais. O exército
precisa estar pronto para essa nova circunstância. Voltaremos
agora para junto de nossos homens.