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segunda-feira, outubro 09, 2023

CONFINADA - Por trás das máscaras



A Pandemia de Covid-19 foi um divisor de águas em nossas vidas. Um período em que o mundo parou e muitas pessoas se sentiram forçadas a fazer o isolamento. Porém, aquelas que eram pobres continuaram se expondo e morrendo, fazendo os serviços que os ricos se recusavam a fazer. 

CONFINADA é um romance gráfico de Triscila Oliveira e Leandro Assis e conta sobre Fran, uma rica influenciadora digital que convive em isolamento com sua empregada doméstica Ju. Fran é a típica branca alienada e a pandemia irá escancarar ainda mais seus preconceitos.

A HQ de Triscila e Leandro mostra uma parcela significativa da população que explora a maioria preta deste país e não se envergonha disso. Pessoas que sustentam um discurso hipócrita, de meritocracia e moralização, mas vive na esbórnia, no desperdício e na libertinagem. Apesar de publicamente ser uma pessoa de discurso positivo e consciente, e apesar de não compactuar com algumas das atitudes de sua classe social, Fran logo mostra que não quer abrir mão de seus privilégios.

O roteiro é ágil e as imagens são marcantes. Trata-se de uma obra rica como registro crítico dessa época de pandemia. Um olhar aguçado para o interior dessas vidas de ricos decadentes (alguns, nem tanto) que pousam de boas pessoas mas não passam de bandidos exploradores, racistas e misóginos. 

Ju aparece então como a figura da razão, como aquela que irá, por uma ética pessoal, apoiar as amigas e companheiras de trabalho. Aquela que irá abalar as estruturas. Infelizmente, esse abalo não é suficiente para destruí-las, mas não deixa de fazer usas rachaduras.

Com um texto inteligente e imagens de impacto CONFINADA nos entrega uma obra mordaz sobre a Pandemia e todos os podres que esta escancarou.


Ficha Técnica

Confinada

Triscila Oliveira e Leandro 

ISBN-13: 9786556922133

ISBN-10: 6556922137

Ano: 2021 / Páginas: 128

Idioma: português

Editora: Todavia

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/confinada-12029125ed12017223.html

sexta-feira, janeiro 06, 2023

Sobre amantes de livros e presentes do universo

As pessoas não entendem os amantes de livros. É que elas nunca tiveram a experiência de encontrar um livro que salvasse o dia. Eu posso dizer com toda a sinceridade que isso me aconteceu, e várias vezes.

Fazia tempo, contudo, que eu me deparava com uma sequência de boas histórias. Na semana anterior ao natal tive a felicidade de conhecer "O livro da 1a vez" de Otávio Frias Filho, "A árvore que pensava", de Oswaldo França Júnior, e a "Árvore de tudo", de Mirna Pinsky. Mas as duas maiores dádivas foram: "Flora e Ulisses", de Kate DiCamilo, e o conto "O espelho e a máscara", presente na coletânea "O livro de areia", de Jorge Luis Borges. 

Por essas maravilhas, digo ao Universo: Obrigado!

30 de dezembro de 2017

sexta-feira, setembro 16, 2022

Rede Literária

Nos dias 3 e 4 de setembro, sábado e domingo, eu estive na Rede Literária, no MM Gerdau. A convite do Régis, da Casa dos Quadrinhos, participei no domingo de uma mesa sobre livro ilustrado. Nela, pude falar um pouco da trajetória que fiz para publicar Uma visita inesperada. Dividi a mesa com o Edu Sá. A conversa foi ótima, produtiva e esclarecedora.

A Rede Literária também providenciou um espaço para que os convidados pudessem expor suas obras. Muitos de nós, como eu, tínhamos material para vender. Dividi o estande com a amiga Val Armanelli. Pude vender um número razoável de livros. 

Foi sensacional conhecer outras pessoas que se dedicam à arte literária, bem como aos quadrinhos. Em especial, destaco o Emanoel Ferreira e o Jim Anotsu. O primeiro por prestigiar integralmente o evento e apoiar os colegas, comprando suas obras. O segundo por ser extremamente receptivo e simpático, sempre esbanjando simpatia. 

Queria mencionar as demais pessoas que conheci, mas tenho receio de deixar alguém passar sem ser nomeado. 

Enfim, foi um final de semana produtivo e muito rico. Uma experiência que desejo repetir sempre que puder.




domingo, novembro 07, 2021

Uma leitura entre lágrimas

Plena manhã na Biblioteca, duas oficinas realizadas e de repente eu decido me debruçar sobre este livro. Eu estava no balcão de atendimento, mas o trânsito de leitores nesse sábado ameno havia diminuído, depois de um fluxo intenso mais cedo.  Tanto que deu pra ler tudo sem interrupções. Ao final da leitura, pensei em tantas crianças deslocadas, refugiadas, traficadas, despejadas, escravizadas, afogadas... E o Mediterrâneo escapou de meus olhos em plena manhã. Foi um choro desamparado, órfão, assim como muitas dessas crianças. Tive que abaixar a cabeça e me esconder atrás do balcão para que ninguém testemunhasse meu pranto. Para que ninguém me pegasse de peito aberto.

Livro: Um outro país para Azzi

Autora: Sarah Garland

Tradução: Érico Assis

Editora: Pulo do Gato

Descrição: Desenho de uma menina com vestido azul e casaco vermelho. Ela olha para trás enquanto corre e segura um urso de pelúcia. Ao fundo, ruínas de prédios.

14 de abril de 2018



sexta-feira, março 12, 2021

Comida de fada: A infância roubada a pequenas mordidas


Uma menina esperta e imaginativa recebe o convite para se divertir entre as fadas. Parece o início de uma aventura mágica e maravilhosa. Ninguém desconfiaria que, na verdade, essa é a abertura de um conto macabro. 

Comida de fada, obra de Val Armanelli, faz justamente esse movimento. Apresentando uma protagonista que tem tudo da criança precoce na imaginação, mas ainda cheia da fantasia da infância, trata-se de uma história em quadrinhos que vai mostrar como o mundo das fadas pode ser frio e assustador.

A leitura de Comida de fada foi extremamente perturbadora. Talvez fossem as cores alegres e fortes, ou a profusão de guloseimas, ou a insidiosa referência ao filme O labirinto do fauno. Talvez o conjunto de todas essas coisas e outras mais fossem sussurrando para mim que algo extremamente distorcido e errado acontecia, enquanto a heroína era constantemente aliciada pelas pequeninas fadas a comer os doces de uma mesa farta, ainda que a menina estivesse sem fome.

Outro ponto que achei marcante na obra de Val Armanelli é o silêncio ensurdecedor. Ainda que as fadas falem o tempo todo, ainda que a menina responda, há uma total impossibilidade de comunicação. Talvez uma referência à terrível solidão infantil. Afinal, uma criança vive em um mundo de gigantes, sempre mais fortes, sempre impondo suas vontades. Torna-se então uma fina ironia que sejam as fadas, quase invisíveis de tão pequenas, a constantemente impor suas vontades durante a narrativa.

Com cores de contrastes marcantes e um ar enganosamente encantado, Comida de fada é uma viagem estética que mostra como sonhar pode ser perigoso e assustador.



Para quem deseja conferir o trabalho de Val Armanelli, Comida de fada está na reta final de sua campanha de financiamento. Para conhecer um pouco mais - e contribuir - basta acessar a página da HQ no Catarse.


Ficha Técnica:

Comida de fada

Val Armanelli

Edição Independente

sexta-feira, fevereiro 21, 2020

Harvey, como me tornei invisível - Sozinho na noite, diante das estrelas

Uma criança diante da morte. A primavera, símbolo de renovação, torna-se ícone de um momento marcante e doloroso, que marcará para sempre a história dessa criança. 

Se fosse necessário reunir em uma única palavra a narrativa Harvey, como me tornei invisível, de Hervé Bouchard e Janice Nadeau, eu diria solidão. Uma enorme e massiva solidão.

Logo de início, temos o potente silêncio por páginas e páginas, desenhando cenários tristonhos. Em seguida, a voz de Harvey. Ele não começa com "Eu me chamo Harvey", mas com "Todo mundo me chama de Harvey". Não temos certeza de que esse é de fato seu nome, ou se ele o sente como sendo seu. A partir dessa perspectiva, Harvey vai contando sua história. Ele narra com calma, dando espaço para pausas e digressões, observações e comentários. Assim, a narrativa assume um tom intimista, de confidência. 

Situado em uma primavera diferente de todas as outras, o acontecimento que Harvey narra é entrecortado de outros acontecimentos, sendo alguns fantásticos, como a turbulenta participação de Scott Carré em uma corrida de palitos pela sarjeta. 

Como o mais baixo do grupo de crianças, ele também parece ser o mais incompreendido. Essa incompreensão parece se estender pelo mundo a sua volta. Contudo, ele é dotado de uma enorme lucidez, permite que ele seja um observador privilegiado, guiando nossa leitura por um momento de penumbras e incerteza.

A narrativa de Hervé Bouchard e Janice Nadau é tanto verbal quanto visual. O tom é carregado e os traços sujos transmitem uma constante melancolia, mas sem cair no dramalhão. A tristeza que perpassa as páginas desta obra é comedida, conformada. Não significa, porém, que não seja intensa. 

Com uma visualidade marcante e um texto poderoso, Harvey, como me tornei invisível é um emocionante relato de transformação, de perda e amadurecimento.

Ficha Técnica:
Capa comum: 168 páginas
Editora: Pulo do Gato; Edição: 1ª (10 de junho de 2013)
Idioma: Português
ISBN-10: 8564974118
ISBN-13: 978-8564974111

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/harvey-347357ed389831.html




sexta-feira, setembro 13, 2019

Pinóquio e a mecânica do vazio

Jimmy Barata é um cara incompreendido. Ele não consegue se adequar ao modelo de trabalhador convencional, com uma rotina de trabalho repetitiva, embrutecedora. É um inseto com aspirações e muitas ideias. Seu sonho é ser escritor. Porém, a vida não correspondeu aos seus ideais. Alcóolatra e com problemas para se ajustar ao ambiente corporativo, de repente ele se vê desempregado e no fim de um relacionamento fracassado. Sua esposa o expulsa de casa justamente depois que ele é demitido.

Tudo parecia perdido quando, porém, Jimmy descobre um espaçoso apartamento todo em aço inox. Ao constatar que o imóvel está vazio e tem uma privilegiada vista para a pia, Jimmy resolve se estabelecer nesse novo imóvel e decide dar início à escrita do seu tão almejado romance.

Assim tem início a magnífica paródia de Pinóquio. Escrito e desenhado por Winshluss, esta graphic novel tem o enredo situado em um universo de conto de fadas decadente. Pinóquio narra o périplo de um menino de metal - não de madeira - indestrutível, movido por uma mente habitada por uma barata. Jiminy Cricket (Grilo Falante) soa como Jimmy Cockroach (Jimmy Barata), numa genial corruptela da famosa consciência do menino de madeira.

A narrativa é construída em um paralelo entre as andanças de Pinóquio, um robô criado pelo inventor Gepeto, e os dramas existenciais de Jimmy, seus problemas com a bebida e sua incapacidade criativa. A linha narrativa de Pinóquio, feita em cores e simulando a estética dos desenhos animados infantis, mostra um mundo perverso, de ladrões, estupradores, traficantes de órgãos, ditadores e fábricas de brinquedos movidas por crianças escravizadas. Já o universo de Jimmy é traçado em preto e branco, sendo mais "civilizado" e monótono, numa sátira clara à sociedade de consumo e ao homem comum pseudointelectual.

Outro ponto a ser destacado é que a narrativa protagonizada pelo robô Pinóquio, livremente inspirada no romance de Carlo Collodi, raramente conta com textos, sendo principalmente visual. Mesmo os diálogos são narrados com gestos e outros símbolos não verbais. Assim, é importante destacar a extrema plasticidade da obra de Winshluss.

Numa genial metáfora do homem-máquina contemporâneo, sem moral ou culpa, o livro nunca realizado de Jimmy Barata leva o título de Mecânica do Vazio, numa clara alusão à falta de sentido e à decadência dos ideais. Em uma iconoclastia icônica, o mundo de Pinóquio é como uma enorme máquina que move suas engrenagens em um perpétuo esgar de tédio e desespero. 

Ficha Técnica:
Pinóquio
Winshluss
Globo Livros

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/261936ED293518

sexta-feira, julho 19, 2019

Deslocamento - Memória, afeto e descoberta

O tempo e a memória muitas vezes aparecem em nossa cultura como antagônicos. Afinal, podem ser considerados inversamente proporcionais, em seu aspecto subjetivo.

Esse fato fica ainda mais evidente quando envelhecemos. Assim, como garantir que seja recuperado algo que o tempo degrada tão vorazmente?

Deslocamento, de Lucy Knisley, é uma graphic novel autobiográfica que levanta essa questão. Como o próprio subtítulo anuncia, é um diário de viagem. Contudo, nesse diário a autora costura com sua subjetividade duas narrativas distintas. 

Uma jovem em um momento de solidão faz duas jornadas simultâneas, sendo uma por um cruzeiro marítimo em companhia dos avós e a outra um mergulho nas memórias do avô durante a segunda guerra mundial. 

É interessante o grau de intimidade a que Knisley se expõe para quem lê sua obra. Seus medos, inseguranças e lamentos são apresentados de forma muito honesta e singela. O tom de confidência dá ao seu trabalho um ar de tocante sinceridade.

A autora relata o assombro e o medo diante da velhice e sua busca sensata por paciência e empatia. Lucy não é apenas neta. Ela se descobre cuidadora de um casal que para ela já foi exemplo de autonomia. 

Momentos que seriam constrangedores vão se tornando naturais, como devem ser. Como a vida é. Assim, Knisley amadurece como protagonista. Para auxiliá-la nesse processo, ela conta com as memórias de guerra de seu avô. E a alegoria funciona muito bem. 

Assim como ele fez uma jornada transformadora e cheia de perigos, ela também se lança em sua própria travessia. E alcança o outro lado mais forte.

Com sua narrativa intimista e um tanto inocetente, Lucy Knisley faz de Deslocamento uma experiência afetiva, um exercício de empatia e um relato de amor.

Ficha Técnica
Deslocamento: um diário de viagem
Lucy Knisley
Ano: 2017
Páginas: 144
Editora: Nemo
Página do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/641460ED643224

sexta-feira, junho 28, 2019

Heranças e memórias - O melhor que podíamos fazer

O que é herança, para além de seu sentido literal e óbvio? O que herdamos de nossos antepassados em termos de memória e identidade? É possível - ou mesmo necessário - traçar nossa personalidade a partir das vivências daqueles que vieram antes de nós e são diretamente responsáveis por nossa existência no mundo?

Essas foram algumas das questões que me fiz ao final da leitura de O Melhor Que Podíamos Fazer: memórias gráficas, de Thi Bui. Esta é uma aclamada Graphic Novell que alia o apuro artístico, o rigor quase acadêmico e a sinceridade testemunhal.

Thi Bui traça uma jornada de três vias. Uma é pelo espaço, saindo do Vietnam recém-unificado, passando por um campo de refugiados e seguindo para um país completamente estranho que no fim tornou-se o seu lar: EUA. Construído de forma não-linear, como o pensamento e a memória funciona, o livro conta a história da família Bui desde suas origens, com as infâncias e juventudes dos pais de Thi. Ambos são muito inteligentes e esse talento os aproxima. Porém, as origens são totalmente diferentes. 

A narrativa visual é leve e dinâmica. O texto procura acompanhar essa leveza, escrito em tom de confidência. Contudo, os fatos vividos pela autora e sua família são dramáticos e muitas vezes violentos. Há muito ressentimento, medo e angústia perpassando as memórias da família Bui.

Assim, Thi produz um relato poderoso e ao mesmo tempo acolhedor. Foi impossível para mim não me comover com as dores de cada familiar. Ao ver as fotos das crianças e seus pais em 3x4 para emissão dos passaportes, foi possível perceber a dor, a incerteza, a resignação de quem é obrigado a largar tudo pela simples sobrevivência.

É importante destacar que Thi não procura demonizar o regime que se instalou no Vietnã ao fim da guerra. Porém, os horrores e injustiças estão lá e deixaram suas marcas. A voz de Thi é sóbria e equilibrada, de alguém que sabe que o Vietnã não é seu lar, mas os EUA, mesmo sendo agora o seu país, jamais foi uma terra de sonhos. E que palavras como lar, família e herança são construídas com sensibilidade e afeto, representando algo que levamos conosco, não importa aonde formos.


Ficha Técnica
O Melhor Que Podíamos Fazer
Thi Bui
Ano: 2017
Páginas: 336
Idioma: português
Editora: Nemo
Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/694846ED698058

sexta-feira, maio 10, 2019

Pílulas azuis - quando o real não é deserto

Por vezes, nos percebemos por acaso buscando um sentido maior em nossas vidas. Consideramos que a rotina diária, muitas vezes alienante, é insatisfatória. Assim, acabamos reféns de um ideal de transcendência por vezes enganoso, como se o real não nos bastasse.

E então, narrativas como a graphic novel Pílulas azuis nos mostram como a simplicidade da vida, com seus dilemas e desafios, pode em si representar essa transcendência. Não precisamos de uma pílula vermelha, de um choque para além da realidade. Não são necessárias conspirações governamentais, tramas internacionais ou invasões extraterrestres. A realidade, mesmo simples e ao rés-do-chão, pode nos transformar em seres maiores que nós mesmos.

Desenhado e roteirizado por Frederik Peeters, quadrinista suíço, Pílulas azuis é um relato autobiográfico sobre a jornada que o autor atravessou ao se relacionar com Cati, uma colega que por um fortuito acaso se torna amiga e depois amante. Já de início, Frederik deixa claro que havia, por parte dele, uma atração profunda, além de uma admiração, pela moça jovial e aventureira que Cati parecia ser. Tinham amigos em comum e essa proximidade permitia a Frederik a condição de silencioso observador. 

E de repente, ele descobre que a admiração é recíproca. Cati também observa - e acompanha - Frederik de uma distância segura. Ambos haviam se afastado, seguido com suas vidas, sem porém perderem de vista a trajetória um do outro. Numa festa, por fim, eles acabam se aproximando e dando início a um cauteloso romance.

É nesse momento que Cati, entre a honestidade e o receio, conta a Frederik que é soropositiva. E além disso, ela tem um filho, fruto de um casamento já encerrado. O menino, ainda bem novo, também tem o HIV. Cabe agora a Frederik a decisão: continua com Cati e aceita todos os riscos dessa relação, ou encerra esse namoro ainda incipiente?

De forma franca e simples, Frederik vai contando ao leitor suas dúvidas e medos. Aos poucos, ele vai conhecendo um pouco mais do universo em que Cati e seu filho estão inseridos. Com coragem e respeito, ele vai também aprendendo e reagindo, à medida que cresce o seu conhecimento.

A narrativa de Frederik é sincera e intimista. Suas dúvidas e questionamentos vão se colocando. Ao mesmo tempo, ele procura despojar sua narrativa de qualquer exagero dramático. Assim, ele demonstra sua intenção - muito acertada - de mostrar aos leitores que o que eles têm em mãos é a história de pessoas reais, nada mais que isso.

Há uma clara referência a Matrix. No longa-metragem, ao protagonista é apresentada uma escolha: tomar uma pílula azul, o que significaria esquecer seu desconforto e retornar à rotina; ou aceitar a pílula vermelha, lançando-se assim em uma jornada rumo a um épico desconhecido. No trabalho de Frederik, porém, não há essa necessidade. Não há um dilema que obrigue o protagonista a uma ruptura com a rotina e com a normalidade. O real, com seus dilemas, basta. E pode ser mágico.

Com um traço por vezes carregado mas geralmente leve, Pílulas azuis é um belíssimo relato de uma história de amor, com todos os seus percalços e pequenas vitórias. Uma obra singular, que em sua simplicidade atesta, com maestria, a grandiosidade da vida.

Ficha Técnica
Editora Nemo
Ano: 2015
Páginas: 208
Página do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/512405ED518848

quarta-feira, abril 12, 2017

Leitura #16


Piteco de um jeito bem diferente. Desta vez, ele quem vai atrás da Thuga. E com um caminho cheio de perigos à frente!

Piteco - Ingá
Shiko
Graphic MSP / Panini Comics

Descrição: Piteco está de perfil direito ergue uma clava na mão direita. Ele veste sua túnica vermelha. Thuga está à esquerda dele, de frente, vestida de laranja, amarrada a uma pedra. Junto dela, um homem com peles de tigre. À do Piteco, dois homens também com peles de tigre. Um deles está de costas e o outro segura uma clava com os braços erguidos e flexionados atrás da cabeça.

domingo, abril 09, 2017

Leitura #15

Composto por um humor nonsense, este livro apresenta um inusitado pescador.

Baleia #1
Rebeca Prado

Descrição: Dentro de um círculo, céu azul-esverdeado com duas nuvens. Abaixo, duas ondas suaves. Abaixo do círculo, uma âncora.

sexta-feira, janeiro 25, 2013

Habibi - O Traço do Amor

Fonte: divulgação da editora

Há tempos tenho pensado em resenhar mais um livro de quadrinhos. Não sou um leitor fiel de quadrinhos, sou um humilde amante da letra. Mergulho nesse caldo de traços e riscos e deles crio imagens diversas, algumas tão vívidas que parecem de fato invadir a realidade. No caso dos quadrinhos, a relação acaba sendo ainda mais controversa. Costumo ler de tudo, apesar de ser um convicto e declarado amante dos mangás. Mesmo assim, continuo me aventurando na senda das resenhas sobre quadrinhos autorais, mais conhecidos com as Graphic Novels

E falando nas mesmas, tive agradáveis surpresas nos últimos dias. A Biblioteca onde trabalho conta também com uma enorme Gibiteca, que abriga em seu acervo por volta de 25 mil gibis. É muita coisa, eu sei, mas tem muita coisa boa saindo e por isso houve uma atualização no acervo, com obras que muito me impressionaram. Eu queria falar de todas aqui, mas não falarei delas. Não agora.

Quero na verdade falar de uma outra surpresa e esta bastante especial, que foi o presente de aniversário que recebi do meu amigo Rodrigo Teixeira. Certo dia, cheguei à Biblioteca e havia em minha mesa um grosso volume chamado Habibi, com nada menos que autoria do ilustre Craig Thompson.

A narrativa se passa em um futuro distópico, numa região dominada culturalmente pelo Islã. Certas práticas como o escravagismo retornaram e os recursos naturais estão escassos. Nesse cenário, uma menina de doze anos chamada Dodola, recém-escravizada, adota um garotinho negro de três anos. Com perseverança e uma certa dose de sorte, ambos conseguem escapar da feira de escravos. Refugiam-se então em um barco abandonado no meio do deserto, onde passam a viver. O garotinho, cujo nome antes era Cam, recebe por parte de Dodola o nome de Ram, pois ela acreditava que o nome Cam, proveniente de um dos filhos de Noé, carregava um estigma muito pesado.

Assim, a história se desenvolve no dia-a-dia desse inusitado casal, abordando seu crescimento, suas dúvidas e sentimentos. Thompson usa de maestria ao adotar uma narrativa não-linear, recheada de referências ao Corão, à Bíblia e com certo tom de Mil e Uma Noites. No caráter distópico desse magnífico trabalho, Craig Thompson dá vida a um mundo que mescla elementos cyberpunk com uma cultura oriental árabe, o que torna a leitura de Habibi uma grande e prazerosa aventura.

Além da força narrativa que esta obra contém, vale ressaltar o lirismo que Craig Thompson concede ao seu trabalho, numa minúcia estética que vai desde a forma com que cada cena é construída até a forma com que o autor homenageia a caligrafia árabe, com arroubos magníficos que vão da metalinguagem à exploração estética.

O sentido da palavra Habibi é "meu amado", usada para se referir a alguém do sexo masculino, segundo a Wikipédia (http://en.wikipedia.org/wiki/Habibi). Assim, com esse belíssimo título, Craig Thompson coroa sua obra, tornando-a não somente uma homenagem à belíssima cultura árabe, mas principalmente ao Amor.


Ficha Técnica

Autor: Craig Thompson
Edição: 1
Editora: Quadrinhos na Cia
ISBN: 9788535921311
Ano: 2012
Páginas: 672
Tradutor: Érico Assis

sexta-feira, setembro 28, 2012

Retalhos - Sensibilidade e memória

Um mergulho em pedaços de memórias alheias, com suas cargas de beleza e feiura, faz a leitura de Retalhos, de Craig Thompson, uma experiência realmente compensadora. Mais que uma graphic novel, esta se constitui um relato vívido e belo sobre família, religião e, sobretudo, escolhas.

Narrado de forma fragmentada e irregular, como uma colcha de retalhos deve ser, o trabalho de Craig Thompson denota principalmente uma sinceridade quase desconcertante. Seus personagens são francos, diretos, sem meias-palavras. Tanto a crueza quanto os momentos da mais sutil beleza são mostrados de forma explícita, mas nunca banal. O narrador, inserido de tempos em tempos, além de reforçar o caráter intimista da história, também funciona como fio condutor, que vai manter unidos os quadros que formam essa grande narrativa.

Craig conta através de sua graphic novel os períodos mais importantes de sua juventude, considerados cruciais para a formação de sua personalidade adulta. Criado no seio de uma família cristã em uma cidade do interior do estado de Wisconsin, o jovem Craig cedo se depara com mensagens fortes sobre culpa, retidão e inferno. Impressionado e buscando uma saída contra a condenação evangélica, o garoto desenvolve uma profunda religiosidade, reforçada ainda mais por seu caráter introspectivo e sua alma sensivel de futuro artista.

Assim, gradativamente, Craig vai descobrindo a hipocrisia religiosa, tanto nas instituições quanto nas pessoas que as reforçam, na ignorância "abençoada" de muitos fieis, na infelicidade decorrente da mensagem truncada e floreada de muitos grupos religiosos. Seu trabalho, apesar do tom crítico, é desprovido de cinismo de alguém amargo com a vida, que se considera "enganado" pelo antigo fervor evangélico. Craig Thompson cultiva o tom de uma pessoa que conseguiu resolver seus dilemas internos e apaziguar a própria alma, entendendo a importância que sua religiosidade teve em sua vida e aceitando seu ceticismo com naturalidade. Como destaque nesse processo está seu relacionamento com Raina, uma jovem com quem desenvolve uma amizade que rapidamente caminha para uma paixão forte e transformadora. Através dessa paixão tão intensa e pura ele desmistifica o pecado, encontra a beleza que transcende a moralidade religiosa e alcança a maturidade.

Dessa forma, sua obra soa ainda mais bela e profunda, carregada de uma poesia simples, mas repleta de maneirismos em que os exageros surgem com tal graça que se justificam na construção de imagens líricas em sua plena medida. Uma jornada ao passado, uma forma de refletir o presente, Retalhos é certamente um dos trabalhos mais belos, uma obra de sensibilidade ímpar.


Fica Técnica
Título: Retalhos
Autor: Craig Thompson
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2009
Páginas: 592
Tradutor: Érico Assis

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/29153

sexta-feira, novembro 18, 2011

Éden - um mundo de sentidos


Ninguém imagina o que as coisas são apenas como aparentam. Certo, algumas pessoas podem defender o materialismo com unhas e dentes, mas até mesmo estes irão concordar que as coisas que existem vão além de como as vemos, ou interpretamos.

Assim é a obra do quadrinista argentino Kioskerman (http://www.kioskerman.com.ar/). Apropriando-se de elementos comuns às fábulas e aos contos de fadas, ele reconstrói o sonho do paraíso perdido, batizando-o de Éden. Contudo, sua obra ultrapassa as barreiras de conceitos religiosos ou mitológicos. Ele apenas os utiliza como referência, para então dar asas a seus devaneios, mas de forma tão genial que cada devaneio do artista toca o devaneio de seus leitores, tornando sua obra universal.

A nostalgia, o inestimável valor do momento, a família e o amor são alguns dos temas abordados com simplicidade e lirismo. 

Passear por Éden é uma oportunidade de ver-se de outra forma, como uma criatura mágica, habitante de um mundo bucólico e paradisíaco. Éden não é perfeito, mas é um paraíso por dar forma a sonhos e ideais, além de permitir que os fatos comuns do dia-a-dia sejam vistos através de uma perspectiva mágica, transformadora. 

Tive a oportunidade de conhecer Kioskerman no 7º Festival Internacional de Quadrinhos. Apesar da barreira dos idiomas, pudemos bater um papo muito legal. E ainda por cima ganhei uma tirinha feita sob medida! 

Por fim, acredito que nada melhor para falar de Éden que o booktrailer feito pelo próprio autor, abaixo:


Como afirmado no site da editora Zarabatana, que publicou Éden no Brasil, tenho certeza que cada leitor que tiver contato com este livro terá, ao fim de sua leitura, a certeza de ter sido um afortunado viajante no paraíso.

Ficha técnica:
Título: Éden
Autor: Pablo Holmberg (Kioskerman)
Edição: 1
Editora: Zarabatana
ISBN: 9788560090280
Ano: 2010
Páginas: 120
Tradutor: Claudio Roberto Martini


Link para o livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/144905


quarta-feira, agosto 31, 2011

Cachalote - Para além da superfície

Ler Cachalote, graphic novel de Daniel Galera e Rafael Coutinho, foi uma experiência de profunda imersão. Ainda que toda a forma de narrativa busque proporcionar a seu leitor essa experiência, creio existem graus de imersão. Esta será mais profunda de acordo com a empatia do leitor, mas também conforme a competência e a genialidade do artista.

Cachalote não só permite o mergulho em vidas alheias como também, através de sua narrativa, busca proporcionar, numa profunda catarse, que o leitor esteja na pele de cada personagem. Ainda que pareça óbvio dizer que sua na narrativa é extremamente visual, a expressividade do traço de Rafael Coutinho criou um ambiente quase delirante. Fragmentado, o roteiro guia o olhar do leitor por um universo em que 5 vidas se desdobram. 

Cachalote não poupa o leitor, assim como não poupa seus personagens. Construído numa complexidade que torna difícil falar em tema (o que enriquece a obra), pode ter várias interpretações, diferentes interações, como um cubo mágico em quadrinhos. E o tom quase kafkiano que permeia cada história realça essa alegoria. Não só o tom. Há uma sexta história, que entra como prólogo e epílogo da graphic novel, e que faz jus ao título. Ao falar em interpretações, considero por bem fazer menção a duas abordagens: uma, a mais superficial, fala da relação aparência versus essência. A outra, talvez mais profunda, aborda a tensão entre maturidade e criatividade. Talvez maturidade não seja a melhor palavra, mas velhice, ou decrepitude, decadência. A resignada degeneração da beleza.

Essa degeneração deixa lacunas por todo o enredo. Cabe ao leitor completar essas lacunas, intuir dos mistérios tecidos em torno dos personagens. Como metáforas de almas velhas, artísticas, que passam por crises criativas, como se encalhadas após sequencias de pequenos fracassos que aos poucos se tornaram em uma tragédia. E uma ausência de um desfecho tradicional como maior alegoria da própria incompletude dos personagens e de nós mesmos.

Título: Cachalote
Editora: Companhia das Letras
Autores: Daniel Galera e Rafael Coutinho
ISBN: 9788535916737
Ano: 2010
Edição: 1
Número de páginas: 320
Acabamento: Brochura
Formato: 21.00 x 27.00 cm

domingo, março 13, 2011

O Chinês Americano - Uma fábula sobre quão preciosa é nossa alma

Nessa incrível fábula, o menino Jin Wang, apesar de nascido nos EUA, tem suas raízes na china. Ele quer se enturmar, quer ser aceito, ser parte do grupo. Mas enfrenta os preconceitos e a incompreensão daqueles que se consideram americanos "genuínos".

Como alegoria da busca de Jin em ser parte desse país tão diferente da China que ele nunca conheceu, somos apresentados à lenda do Rei Macaco e sua busca incansável em ser igual aos deuses.

Por fim, há a terceira história das dificuldades de Danny, um menino americano que estranhamente tem um primo chinês, chamado Chin-kee. E Danny sempre acaba metido em confusão por causa do seu estranho primo. Essa história é contada no tom satírico de um seriado de comédia americano.

O Chinês Americano é acima de tudo uma narrativa fabulosa. São três histórias bem diferentes entre si, embora tenham elementos que a vão aproximando gradativamente. A própria lenda do Rei Macaco recebe elementos ocidentais, tornando-se também uma criação híbrida, fruto de contribuições diversas, como acontece em toda narrativa de tradição. Como grande mote que amarra as três histórias está a pergunta: até onde uma pessoa iria para se tornar outra? Estaria ela disposta a abrir mão da própria alma?

Gene Luen Yang renova a mitologia chinesa ao incluir à mesma elementos judaico-cristãos. A jornada do oeste se torna símbolo do próprio périplo chinês em busca da prosperidade americana. Mas essa jornada tem como risco a perda da própria alma, da identidade.

Apesar do tom alegórico, o texto é límpido e sincero. As situações nunca parecem forçadas. Além disso, os momentos de comédia são de arrancar gargalhadas. Definitivamente este é um quadrinho que não pode faltar na estante dos amantes do gênero.

Ficha técnica:


Editora: Companhia das Letras
Autor: GENE LUEN YANG
ISBN: 9788535914498
Ano: 2009
Edição: 1
Número de páginas: 240
Acabamento: Brochura
Formato: Médio