Lucan
retornou no fim da tarde. O arauto ofegava, por ter corrido durante
um trecho considerável.
– Eles
estão vindo, senhor – reportou ele a Balgata. – Um bando
daqueles bichos peludos. Parecem que estão patrulhando a
região.
– Sei...
– respondeu o capitão. – Estão realmente recebendo
ordens. Não duvidava disso, mas até agora não
sabemos ao certo com o que estamos lidando. Eles estão
seguindo em nossa direção?
– Creio
que sim.
– Então
temos que interceptá-los – intrometeu-se Seridath.
– Não
creio que isto aqui seja um conselho de guerra – respondeu Balgata,
com rispidez.
– Eu
sei, capitão, mas é melhor usar o elemento surpresa.
– Agora
era o que me faltava! – rugiu o capitão. – O garoto
querendo dar aulas a um oficial!
Seridath
calou-se. Aquele brutamontes já estava começando a
irritá-lo. Mas Balgata não demorou a concordar.
Contrariado, admitiu:
– Tudo
bem. Faremos um assalto. Deve ser rápido e sem baixas de nosso
lado. Nenhum deles pode fugir, mas eu quero um prisioneiro a quem
possa fazer perguntas. Fui claro?
– Sim,
senhor – respondeu Seridath, com um sorriso divertido.
Segundo
Lucan, eram vinte homens-macaco, todos portando clavas ou lanças
rústicas. Balgata levou metade do grupo de vanguarda.
Avistaram a patrulha após meia hora de marcha. Esconderam-se
atrás dos troncos secos, enquanto observavam as criaturas
aproximando-se. Era a primeira vez que olhavam os inimigos tão
de perto e à luz do dia. O capitão já havia
acertado os gestos de ordem. Seridath e Lucan estavam próximos
a ele, bem como o anão Uri, portando um machado repleto de
runas. Os argros, como Urso Pardo os havia definido, eram mesmo
humanóides, embora andassem curvados e não usassem
roupas, exceto uma tanga que lhes cobria a cintura. Eram criaturas
feias, embora inspirassem mais pena que medo. Sua feiúra
denotava decadência e abandono. Pareciam quase desprotegidos.
Apenas Uri trilhava os dentes diante da visão dos inimigos,
murmurando impropérios na língua do seu povo.
Balgata
acenou para os guerreiros. Era a hora. Lançaram-se sobre os
inimigos como uma torrente silenciosa e mortal. Nenhum deles
sentiu-se animado a dar berros de guerra. Os argros caíram na
emboscada, soltando uivos de dor e desespero, enquanto eram golpeados
pelas armas da Companhia. Somente Seridath, com sua rapidez e
habilidade, degolou três deles, que sequer esboçaram
reação. Mais uma vez, o cavaleiro recebeu as sensações
dos inimigos mortos, sentiu o calor de suas mortes. O bando de argros
foi espremido entre os atacantes, mas um deles, mais magro e baixo,
conseguiu escapar do cerco, largando sua clava. Seridath foi em seu
encalço, derrubando-o com um chute nas costas. A criatura
tropeçou e rolou pelo chão pedregoso, soltando ginchos
de dor.
– Garzinb
nïgh atmarihr! – gemeu o argro. – Não mata! Garzinb
nïgh! Pedir perdão!
Agora
ele estava cercado pelos homens da Companhia e olhava, aterrorizado,
para todos os lados, tentando proteger a cabeça com os braços
curtos.
– Vamos
logo matar esse verme desgraçado! – rugiu Uri.
– Espera!
– interviu Balgata. – Ele deve responder umas perguntas primeiro.
Se ele souber nossa língua, é claro.
Uri
baixou o machado, antes pronto para esmagar a cabeça do
homem-macaco. Mas, numa segunda olhada, era possível concluir
que se tratava de um menino argro, quase um filhote. Era um milagre
que ele soubesse falar mais de duas palavras na língua dos
homens.
– Anão,
você fala a língua desta criatura? – perguntou o
capitão.
– Garznirni
não têm língua própria, senhor –
respondeu Uri, entredentes. – Essa escória usa nossa língua.
Nossa língua!
– Pois
converse com ele na sua língua, anão. Arranque da
criatura qualquer informação útil.
Uri,
contrariado, voltou-se para o argro. Começou com algumas
frases isoladas, que o prisioneiro respondia timidamente. Logo, o
anão passou a fazer perguntas mais longas, que o argro
respondia com a cabeça baixa. Enquanto o interrogatório
prosseguia, Lucan aproximou-se e examinou melhor o prisioneiro.
– Mas
ele não se parece com um macaco... – comentou o arauto. –
Parece mais um râmster. O que é medonho é essa
falta de orelhas...
Ninguém
respondeu, mas, de fato, o argro tinha o rosto dócil e os
dentes avantajados de um roedor. Os olhos eram um pouco menores,
quase humanos. Poderia se passar por um esquilo gigante, mas não
possuía orelhas. Balgata comentou:
– Uma
vez alguém me disse que essas criaturas têm as orelhas
arrancadas em seu nascimento. Parece ser um ritual desse povo.
– Medonho...
– sussurrou Lucan.
Nesse
momento, começou uma confusão. Uri partiu para cima do
argro, golpeando-o com o cabo do machado. Quatro homens, além
de do capitão, foram necessários para arrancar o anão
de cima da criatura, que guinchava e choramingava.
– Pelos
abismos! – praguejou Balgata. – Segurem esse anão!
– Pedaço
de merda, eu te mato, porcaria! – gritava Uri.
Os
quatro homens seguraram o anão com força, mas o argro
aproveitou a confusão para escapar entre as pernas de seus
captores.
Todos
se alarmaram. Se o argro chegasse ao seu destino, estariam perdidos.
Mas a perseguição ao fugitivo sequer começou.
Seridath interceptou o caminho da criatura, surgindo de trás
de uma árvore. O argro brecou, ergueu os braços e
estava para abrir a boca quando o cavaleiro perfurou-o com Lorguth. A
criatura choramingou e tombou num átimo.
– O
que você fez!? – esbravejou Balgata.
– Eliminei
um inimigo, capitão – respondeu o cavaleiro. - Creio que o
anão já deve ter conseguido alguma informação...
"útil".
– Você
é um maldito covarde, isso sim! – gritou o capitão. –
Matar um inimigo desarmado, quando ele ia suplicar por sua vida!
– Deixe
os cavalheirismos de lado, capitão Balgata – aconselhou
Seridath, friamente. – Esse animal nem é humano e mantê-lo
como prisioneiro seria dar uma constante chance para sua fuga.
Eliminar um prisioneiro inútil é o mais acertado na
situação crítica em que estamos.
Balgata
murmurou uma praga, mas deixou como estava, desistindo de discutir
com Seridath. Todos voltaram-se para Uri, que ainda era mantido pelos
próprios companheiros. Os homens fizeram menção
de soltá-lo e ele mesmo se desvencilhou, girando os ombros com
violência. Nenhum deles protestou ante o gesto do anão.
Todos aguardaram o que ele tinha para dizer.
– Não
tinha nada de útil – resmungou Uri.
– Como
assim? – inquiriu Lucan.
– Nada.
Aquele pedaço de bosta ficava repetindo que não sabia
nada, que era a primeira "caça" dele e que eles
tinham migrado para morar nas terras que foram prometidas. Não
sabia quem prometeu. Também disse que não sabia pra que
lado ficava o acampamento do seu povo. Era uma porcaria inútil.
– Então
estamos na mesma – respondeu Balgata, resoluto. – Vamos apressar
os comboios. Também vamos tomar um desvio e tentar apagar
nossos rastros. Logo eles saberão da patrulha que não
retornou.
Os
homens se puseram a caminho e chegaram à caravana em poucos
minutos. Foi penoso guiar os bois para fora da estrada. Sabiam que
era um recurso quase infrutífero e que lhes renderia horas
extras de marcha, mas Balgata estava decidido a não condenar o
grupo por negligência, ainda que mínima. Seguiram por
sendas tortuosas e estreitas, entre troncos secos de árvores
que pareciam já mortas. Anoitecia
e eles continuavam em marcha. Não acamparam, pois a falta de
abrigo deixava-os vulneráveis a ataques furtivos e aos
possíveis perseguidores. Durante a noite, a caminhada foi bem
mais lenta e penosa, pois não poderiam acender fogo para
iluminar o caminho. Por sorte, o luar crescente forneceu iluminação
suficiente para que pudessem prosseguir.
Continua...