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quarta-feira, agosto 20, 2025

É tudo sobre encontros


Eu tenho uma relação antiga com a poesia. Porém, há pouco tempo tenho assumido o lugar de poeta, com a publicação do meu livro Cicatriz, ocorrida no final de 2024, pela editora Litteralux. Sim, eu sei, posto poemas há anos nas redes e no blog, mas não é a mesma coisa. Ter meus versos transformados em um objeto como o livro tem me levado a outros lugares, para falar de meu fazer poético.

Foi o que aconteceu no dia 12 de agosto, terça, quando compareci como convidado, junto com Isabella Bettoni e Renato Negrão, para o Sarau Poético Vozes da Cidade, na Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas. O convite partiu do bibliotecário Rafael Mussolini, que realiza há anos um trabalho consistente de promoção literária e formação de leitores. Conheci o Rafael quando ele ainda atuava como coordenador do Projeto Polo de Leitura Sou de Minas, Uai! e já mantinha uma presença forte nos debates para a construção de uma política pública para o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas em Belo Horizonte.

Portanto, ao receber esse convite, eu me senti genuinamente honrado. Afinal, trata-se de uma pessoa que muito admiro, tanto pela atuação como bibliotecário e mediador de leitura, quanto como leitor e crítico, com seu blog pessoal, passando também por sua relação afetiva com a escritora Marina Colasanti, a quem admiro desde criança. Rafael criou o site Marina Manda Lembranças, que logo se tornou o site oficial da escritora ainda quando estava viva.

Ao saber que compartilharia a fala com a Isabella Bettoni e o Renato Negrão, minha sensação de privilégio e responsabilidade cresceu ainda mais. Havia conhecido a Isabella pouco tempo antes e tinha seu livro, emprestado do acervo da BPIJ-BH, comigo. Já Renato eu conheço desde 2019, quando assisti sua fala no Segundo ConVerso de LiteraRua, no Centro Cultural Usina de Cultura. Portanto, minha admiração por essas duas pessoas da poesia já era patente. 

O sarau teve início com o Rafael mencionando a iniciativa da 2ª Noite de Museus e Bibliotecas, que busca promover a ocupação desses espaços, a partir de atividades fora de seus horários de funcionamento. Fez uma leitura sensível de um poema da grande Wisława Szymborska, sobre pessoas que gostam de poesia. Em seguida, acrescentou que a escolha da poeta e dos poetas da noite se pautou pelo perfil de pessoas que transitam e vivem na cidade de Belo Horizonte. Ele muito cuidadosamente leu as bios de cada convidada e convidado. 

A palavra então foi passada para Isabella, que traçou um histórico desde sua infância, revelando seu sonho de ser escritora e que a poesia nasceu nela desde que começou a traçar as primeiras letras. Foi de fato uma criança escritora, pois publicou seu primeiro livro aos 12 anos e essa experiência impactou sua vida profundamente, por ter sido uma criança escrevendo para crianças. Formou-se em Direito e atua como advogada feminista, na área do Direito à Cultura. Em 2020, durante a pandemia, participou de diversas oficinas de escrita ministradas por mulheres. Dos versos criados nasceu seu livro Não tentar domar bicho selvagem.

Renato Negrão assumiu o microfone e contou que passou uma infância cercada pela arte e pela cultura. O pai colocava para tocar discos de muita música boa, de Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Rita Lee. Renato achava que artista era uma espécie de entidade, tipo um extraterrestre, como eles mesmos pareciam admitir. Essa coisa de ver o artista na caixa da televisão, ou a voz saindo do vinil. Fato é que sempre quis ser artista. A mãe o colocou no curso profissionalizante, onde aprendeu a trabalhar com tipografia, e produção de revistas. 

Um dia, foi barrado na entrada do prédio de seus amigos que moravam perto de sua casa. Com isso, escreveu um manifesto poético e pregou na parede do elevador. Essa experiência causou grande efeito nele. Percebeu que poderia se destacar pela intelectualidade. Logo identificou que sua pegada era o trânsito entre palavra e imagem. Busca assim sempre seguir pela via da experimentação. Sua obra poética é numerosa e consistente, indo desde a participação na coleção Poesia Orbital, bem como os livros solo No Calo (1996), Vicente Viciado (2012) e Odisseia Vácuo (2023).

Fui então que chegou a minha vez de falar. Aproveitei para fazer um paralelo entre as falas de Isabella e Renato, relacionando-as com a minha própria trajetória. Meu contato com a poesia foi antes mesmo de saber ler, com minha mãe recitando poemas na família, mas estes eram de versos religiosos, evangélicos. Minha família por parte de mãe é de tradição evangélica e isso me atravessa, mas minha relação com essa herança é pela via do ódio.

Enfim, um dos poemas que minha mãe recitava era de um pastor atropelado que no leito de morte dá boa noite para todos os filhos, menos aquele que não era mais crente. Para ele, o pastor diz “Adeus”. O resultado era um chororô, eu chorava, meus irmãos, minhas tias, uma coisa bem catártica. 

Mas minha mãe também fazia poesia. Lembro-me do poema sobre sua paixão por Teófilo Otoni, MG, sua cidade natal (“Vi Teófilo Otoni florir… /Quis o ipê roxo pra mim”). Ou quando recitava para mim, de repente, o poema que começava mais ou menos assim: “Ao poeta escondido /do poema esquecido /que nunca foi lido /nem nunca será…” (...) E termina: “Está tão escondido /no baú ou na alma /que nunca foi lido /nem nunca será”. Acredito que ela ainda saiba recitá-lo perfeitamente.

Eu, como Isabella, também queria ser escritor ainda quando criança. Publiquei um livro que era uma espécie de fanfic, de forma bem independente, sem editora. O enredo tinha como personagens a Atíria, o Papílio, o Príncipe Grilo (tornado Rei), entre outros presentes na obra de Lúcia Machado de Almeida. Minha mãe enviou um exemplar para a Lúcia, que me ligou lá em casa. Na época, eu morava em Teófilo Otoni. 

Aquilo foi como se “a Divindade” estivesse falando comigo pelo telefone, algo meio como o Renato disse sobre os artistas serem entidades. Tive uma espécie de quebra de relação com a divindade naquele momento. A voz que falava no livro, sagrada, agora estava falando comigo ao telefone. Essa experiência deixou um profundo impacto em mim.

Contei de minha trajetória pela tecnologia, como programador, e também a tentativa em fazer Direito, por conta de uma visão ingênua sobre escritores como José de Alencar, Clarice Lispector, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles,  que tiveram essa formação

Minha mãe, mais uma vez, me influenciou nesse processo, ao dizer que Letras tinha tudo a ver comigo. 

Relatei sobre a primeira aula na UFMG, com o professor ouvindo sobre meu sonho de ser escritor e me chamando de ingênuo. Afirmei que leio poesia por obrigação, uma espécie de senso de dever, para expandir meus horizontes sensíveis. Que escrevo para dar vazão ao meu desarranjo interno, sendo também minha forma de fazer política. Para mim, política é se posicionar contra o que você acha que está errado no mundo. Isso independe de partido ou orientação ideológica. Dizer que não gosta de política é um contrassenso gigantesco, em minha opinião. Um verdadeiro absurdo.

Enfim, Rafa perguntou sobre espaços de poesia em Belo Horizonte. Renato apontou o Ateliê de Estratégias Narrativas, da Laura Cohen Rabelo. Nós três falamos dos saraus que ocorrem pela cidade. Destaquei o ColetiVoz e também falei de outros coletivos poéticos. Aproveitei para divulgar a Prosa Poética  Oficina de Escrita Criativa, que acontece todas as terças, às 10h, na BPIJ-BH. E, como não podia faltar, também fiz uma fala sobre o Clube de Escritores de BH, destacando o desafio de escrita. Por fim, apontei a importância da apropriação por parte da sociedade das 22 bibliotecas públicas municipais

Como não podia faltar, fizemos leituras de nossos poemas. De minha parte, li “Édipo ao avesso” e “Preciso trocar os meus óculos”.

Uma das pessoas presentes, um leitor chamado Marcos, perguntou sobre o incentivo para a escrita e publicação de poesia. Quis saber sobre o retorno financeiro. Isabella apontou que o principal motivo são os encontros. As pessoas que conhecemos pelo caminho. Concordamos com ela. Aproveitei para destacar que me considero um ilustre desconhecido. Que formar nossas famílias literárias é fundamental. Nossa matilha. Como que para provar o que eu afirmava, estavam presentes a Pâmela Bastos Machado e a Norma de Souza Lopes, duas pessoas que eu amo demais.

Só posso declarar que foi uma noite ímpar. Mais uma vez destaco que me senti profundamente honrado por estar naquele espaço cultural, cercado por pessoas tão incríveis. E poder falar do que me toca profundamente – a poesia. Estar em espaços como esse é um grande privilégio, pela escuta e, principalmente pelos encontros.

Para finalizar, expresso minha profunda gratidão ao Rafael Mussolini e a toda a equipe do Centro Cultural Unimed-BH Minas. E que outros momentos tão especiais como esse possam sempre acontecer.


Momento de fala.


Um público bem bacana!


Rafael Mussolini, Isabella Bettoni, eu, Norma de Souza Lopes e Renato Negrão na Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas



Com o Rafa, deixando um exemplar do Cicatriz no acervo da Biblioteca!


Eu e Isabella trocamos nossos livros!


Esse é o Marcos, que adquiriu um exemplar do Cicatriz!


* Registros fotográficos feitos por Pâmela Bastos Machado, Norma de Souza Lopes e equipe do Centro Cultural Unimed-BH Minas.

quinta-feira, agosto 26, 2021

Coluna Literária apresenta as Edições Chão da Feira

Fonte: Arte/FMC.


Em sua quinta edição, a Coluna Literária apresenta um enfoque um pouco diferente, apresentando um gênero pouco comum entre o público em geral: o ensaio. Com o objetivo de democratizar a leitura, a equipe da Coluna Literária buscou uma fonte confiável e livremente aberta. Assim, chegou-se às Edições Chão da Feira, que publica os Cadernos de Leitura.

Os Cadernos de Leitura são ensaios traduzidos pelas Edições Chão da Feira e gratuitamente disponibilizados na Internet. Assim, após ler a apresentação e as resenhas presentes na Coluna Literária, a pessoa leitora, poderá buscar nos links o acesso ao texto resenhado.

A apresentação desta edição contou com a assinatura da Daniela Figueiredo. As resenhas contemplam os ensaios "O jogo do dicionário", de Maria Carolina Fenati, resenhado por Ericka Martin, “Tornarse Existencia Exuberante", de Brigitte Vasallo, com resenha de Érica Lima, e "Minha mãe vive aqui”, da escritora mexicana Isabel Zapata, resenhado por Caroline Craveiro.

É muito importante destacar o papel da Coluna Literária na divulgação de obras que, em muitos casos, não recebem o apelo midiático. Além disso, existe o elemento reflexivo e também literário, uma vez que as resenhas não deixam de ter a marca do estilo das autoras.

Para conferir a quinta edição da Coluna Literária, assim como as anteriores, basta acessar o blog do Portal Belo Horizonte.

Enfim, espero que todas as pessoas possam aproveitar essa quinta edição. E que venham as próximas!

(Em fundo verde em dois tons, com letras esmaecidas espalhadas, consta em preto o texto "EDIÇÕES CHÃO DA FEIRA". Em branco, o texto "CONFIRA EM: PORTALBELOHORIZONTE.COM.BR/BLOG 25 DE AGOSTO DE 2020". À direita, inclinado, está o termo "5ª EDIÇÃO". Abaixo, na extremidade direita, a palavra "COLUNA". Na faixa verde mais clara, em tamanho maior, cobrindo toda a parte debaixo, a palavra "literária" em itálico. Em letras pequenas, abaixo, o texto "APROXIMANDO PESSOAS, LIVROS E BIBLIOTECAS". No canto inferior direito, as marcas da Fundação Municipal de Cultura, da Secretaria Municipal de Cultura e da Prefeitura de Belo Horizonte )

sexta-feira, maio 14, 2021

Os 30 anos da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil

Foto: Ricardo Laf/PBH


A Biblioteca Pública Infantil e Juvenil fez uma marca indelével em minha vida. Quando lá em 1994 eu tive em mãos um exemplar da revista Ler-O-Lero, nunca imaginei que um dia faria parte do lugar onde a revista nasceu. Lembro que eu ficava horas e mais horas lendo e relendo a revista. Eu ficava me deleitando com as imagens e também as brincadeiras com as palavras e com as histórias. Narrativas sobre três lobinhos que eram perseguidos por um grande porco, ou de um menino chamado João que, de tanto comer feijão, cresceu e ficou gigante feito um pé de fruta-pão.

Anos depois eu fui visitar a Biblioteca para uma apresentação do Era uma vez... E conheci a Sandra Bittendourt e o Babu Xavier. Já era adulto e já sonhava trabalhar como servidor da Fundação Municipal de Cultura. O sonho estava quase se concretizando.

E um dia eu finalmente pude dizer que fazia parte da equipe da BPIJ. Foram anos de muita alegria e muito trabalho, realizando oficinas, coordenando lançamentos de livros, preparando programações mensais. E agora, quando vejo que fiz parte de uma história de 30 anos, sinto muito orgulho e amor.

Sim, a Biblioteca Pública Infantil e Juvenil está completando 30 anos em 2021. E preparou uma programação com carinho e muita sensibilidade. Essa programação eu compartilho com vocês logo abaixo.


Atividades permanentes 

PROSA POÉTICA - OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA

Espaço para o escritor aprendiz exercitar a criatividade, trocar ideias e experiências.

Mediação: Kátia Mourão 

Terças-feiras, sempre às 10h

Encontro virtual na plataforma Google Meet

Como participar: envie uma solicitação para o e-mail bibliotecainfantilejuvenil@pbh.gov.br com o assunto “Prosa poética - escrita criativa”


RODA DE LEITURA

Encontro para a prática da leitura em voz alta e reflexão sobre a literatura em suas diversas formas de expressão.

Mediação: Wander Ferreira

Quartas-feiras, às 14h

Encontro virtual na plataforma Google Meet

Como participar: envie uma solicitação para o e-mail bibliotecainfantilejuvenil@pbh.gov.br com o assunto “Roda de Leitura”


HISTÓRIAS E CRIANÇAS

Encontros virtuais para narração e leitura de histórias para crianças e suas famílias, com a participação da equipe da BPIJ-BH e voluntárias

Quinzenalmente, nas quintas-feiras, às 17h30

No canal da Fundação Municipal de Cultura no youtube 

Público: Crianças e suas famílias


ENCONTRO DE CONTADORAS DE HISTÓRIAS

Reunião para seleção e pesquisa de textos literários, exercícios de narração de histórias e trocas de vivências. 

Sextas-feiras, às 10h

Encontro virtual na plataforma Google Meet

Como participar: envie uma solicitação para o e-mail bibliotecainfantilejuvenil@pbh.gov.br com o assunto “Encontro de contadoras” 


LEMBRANÇAS DA BIBLIOTECA

Um vídeo por dia com depoimentos de leitores, funcionários e amigos da BPIJ-BH.

De 03/05 a 31/5, às 8h

Publicações no Facebook


MANHÃ ENCANTADA

Um encontro marcado com a fantasia através da narração de histórias

Sábados, dias 8, 15, 22 e 29/05, às 10h

No canal da Fundação Municipal de Cultura no youtube 

Público: crianças e suas famílias 


BIBLIOTECA CONVIDA

Encontro com Antonieta Cunha, Maria do Carmo Maggi e Reni Thiago, com

mediação de Ana Paula Cantagalli

Quinta-feira, 03/06, às 15h

No canal da Fundação Municipal de Cultura no youtube 

Público: jovem/adulto


CORRE DE FADA

Conversa com Val Armanelli sobre o quadrinho “Comida de Fada” 

Terça-feira, dia 08/06, às 19h

No canal da Fundação Municipal de Cultura no youtube 

Público: jovem/adulto


DESENHANDO O QUADRINISTA

Bate-papo com quadrinistas de BH sobre seus percursos de leitura, memórias afetivas e ídolos no mundo dos quadrinhos

Quinta-feira, 17/06, às 19h

No canal da Fundação Municipal de Cultura no youtube 

Público: jovem e adulto 


SARARAU PALAVRA PRETA

Reunião de poetas e convidados do Sararau ocorrido na BPIJ-BH para performances envolvendo a produção de poetas negros brasileiros. 

Quarta-feira, 23/06, às 19h

Evento virtual na plataforma Google Meet

Público: jovem/adulto

Como participar: envie uma solicitação para o e-mail bibliotecainfantilejuvenil@pbh.gov.br com o assunto “Sararau”


RODA DE LEITURA COM AS CRIANÇAS

Quarta-feira, dia 30/06, às 10h

No canal da Fundação Municipal de Cultura no youtube 


Espero que vocês, assim como eu, possam se inspirar com essa programação tão especial. E que nos vejamos lá!

quarta-feira, março 17, 2021

Um encontro com o Capeta do Vilarinho


Era um rapaz muito bonito. Seu cabelo crespo era bem curtinho, cortado à máquina. Sua pele negra tinha uma textura fascinante. Ele tinha uma voz ainda em transição, que variava do barítono ao tenor. Tinha um porte físico já proeminente. Um pouco baixo para a idade, reconheço. Mesmo com 15 anos, tinha a minha altura, embora eu fosse 3 anos mais novo.

Naquela noite, ele tinha uma confissão a fazer. Estava no baile em que o Capeta do Vilarinho apareceu. 

Contou que todo mundo parou de dançar quando ele chegou. Ninguém desconfiava que era um ser sobrenatural, é claro, mas atraiu os olhares com sua presença marcante. Até a música parecia ter parado. Ele foi para o centro da pista e começou a dançar.

Ninguém dançou o break como ele. Alguns, mais ousados, arriscaram acompanhar, mas logo desistiram, diante das manobras que ele fazia. O povo tinha voltado a dançar, tentando se distrair, mas logo tiveram que parar, fascinados com o movimento.

Em instantes, a roda estava formada. Todo mundo batia palmas. Era uma festa maior que a festa. Parecia que agora o baile tinha realmente começado. Ele dançou de tudo o que tocava. Mulheres e homens o desejavam. Queriam ser como ele, ser dele.

Nisso, a música parou por uns segundos. Era meia-noite. O dançarino sem querer deixou o boné cair. Ele se abaixou para pegá-lo. Foi quando todo mundo, até quem estava bem longe, viu o par de chifres despontando na cabeça dele. Ergueu-se com um sorriso zombeteiro, dentes pontudos e olhos vermelhos.

Um estouro de fumaça e um fedor de enxofre. Correria, gritos, gente se empurrando. Ninguém queria ficar na quadra coberta, nem mesmo o DJ.

Meu amigo encerrou o relato dizendo que, na noite em que encontrou o Capeta do Vilarinho, decidiu virar evangélico. 

Vinte e cinco anos depois de ouvir essa história, eu me pergunto por onde andará aquele rapaz bonito e reservado que, em um culto em minha casa, revelou ter sido testemunha ocular de uma das maiores lendas urbanas de Belo Horizonte. 


sexta-feira, fevereiro 26, 2021

Os possuídos e o amuleto sagrado - A Jornada do Herói no coração de Minas Gerais


Nós que somos amantes da literatura de fantasia estamos muito acostumados a narrativas épicas ambientadas em mundos distantes ou, pelo menos, em um cenário estrangeiro. Até mesmo escritores brasileiros se aventuram a criar narrativas fantásticas em solo norteamericano ou europeu, com nomes em estrangeiros e tudo o mais. Sendo assim, sempre é uma grata surpresa quando nos deparamos com uma narrativa que acontece aqui, em nossas terras. No meu caso, morador de Belo Horizonte, Minas Gerais, fiquei ainda mais feliz ao ter em mãos uma narrativa de fantasia bem escrita com um enredo que se desenrola principalmente em BH.

Romance de estreia de Armando Alves Neto, Os possuídos e o amuleto sagrado conta do jovem Pedro, um rapaz que se considera completamente normal. Dono de uma história incomum, porém, o rapaz acha que ter sido adotado por um velho caminhoneiro não seja nada demais. O que ele ignora são as circunstâncias da adoção. Na véspera de sua ida ao exército, para cumprir o alistamento militar obrigatório, o rapaz encontra uma estranha e bela mulher. A partir desse encontro, Pedro fica conhecendo um pouco mais sobre seu passado e descobre que precisa fugir de Brasília, onde mora.

Assim dá-se início a uma jornada que leva o jovem a Belo Horizonte e, posteriormente, a Lagoa Santa e à Serra do Cipó. Outra jornada, porém, acontece no interior do rapaz, ao descobrir o segredo sobre os possuídos e sua luta contra uma organização sinistra. Seu conhecimento vai se aprofundando, enquanto a trama ao seu redor vai se tornando complexa e ameaçadora. Ele não sabe em quem confiar, pois a única pessoa que realmente conhece havia ficado para trás, em Brasília.

Um ponto a se destacar em Os possuídos e o amuleto sagrado é seu texto, maduro e muito bem escrito. A leitura flui muito bem, com um estilo agradável de se ler, o que é fundamental em uma narrativa com doses de suspense e mistério. Destaco também que as cenas de ação são muito bem escritas, com uma qualidade visual impressionante. Assim, os trechos movimentados passam de forma ligeira, sem contudo o leitor se perder ao imaginar o que acontece. 

Outro elemento interessante na obra é a concepção das personagens. São muito bem descritas e construídas. Armando Alves Neto, porém, não carrega demais nessa construção, de forma que não há descrições excessivas e cansativas. As características e personalidades de cada pessoa vão se destacando ao longo da leitura, de forma bastante natural.

O enredo é também muito bem definido e desenvolvido. É possível perceber que a narrativa se baseou na Jornada do Herói, modelo que orienta a maioria das histórias heroicas, desde a saga de Harry Potter à trilogia O Senhor dos Anéis. Portanto, as revelações e desafios que Pedro terá à sua frente são escalares em um crescendo até um desfecho, que promete a continuação de desafios maiores ainda em volumes seguintes.

Decidi falar pouco sobre os possuídos do título. Essa decisão se dá porque acredito que seja algo muito agradável para cada leitora e leitor descobrir o significado dessa palavra através da leitura. Como moramos em um país cristão (infelizmente, estado laico é só para éticos), a palavra "possessão" é vista sempre com grande carga pejorativa. Desconstruir essa ideia é um exercício muito válido, tanto como experiência estética quanto como possibilidade de expansão de nossa visão de mundo.

Com um texto envolvente, um enredo instigante e ótimas personagens, Os possuídos e  o amuleto sagrado é uma fantástica jornada. Uma história digna de ser lida, compartilhada e sonhada. E que seja a primeira de muitas sobre as descobertas e dilemas de Pedro sobre Os possuídos e o amuleto sagrado.


Ficha Técnica

Os Possuídos e o Amuleto Sagrado 

A Saga dos Possuídos - Livro 1

Armando Alves Neto

ISBN-13: 9788581084671

ISBN-10: 8581084672

Ano: 2016 

Páginas: 422

Idioma: português

Editora: Giostri Editora


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/os-possuidos-e-o-amuleto-sagrado-342272ed383971.html