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quarta-feira, agosto 20, 2025

É tudo sobre encontros


Eu tenho uma relação antiga com a poesia. Porém, há pouco tempo tenho assumido o lugar de poeta, com a publicação do meu livro Cicatriz, ocorrida no final de 2024, pela editora Litteralux. Sim, eu sei, posto poemas há anos nas redes e no blog, mas não é a mesma coisa. Ter meus versos transformados em um objeto como o livro tem me levado a outros lugares, para falar de meu fazer poético.

Foi o que aconteceu no dia 12 de agosto, terça, quando compareci como convidado, junto com Isabella Bettoni e Renato Negrão, para o Sarau Poético Vozes da Cidade, na Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas. O convite partiu do bibliotecário Rafael Mussolini, que realiza há anos um trabalho consistente de promoção literária e formação de leitores. Conheci o Rafael quando ele ainda atuava como coordenador do Projeto Polo de Leitura Sou de Minas, Uai! e já mantinha uma presença forte nos debates para a construção de uma política pública para o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas em Belo Horizonte.

Portanto, ao receber esse convite, eu me senti genuinamente honrado. Afinal, trata-se de uma pessoa que muito admiro, tanto pela atuação como bibliotecário e mediador de leitura, quanto como leitor e crítico, com seu blog pessoal, passando também por sua relação afetiva com a escritora Marina Colasanti, a quem admiro desde criança. Rafael criou o site Marina Manda Lembranças, que logo se tornou o site oficial da escritora ainda quando estava viva.

Ao saber que compartilharia a fala com a Isabella Bettoni e o Renato Negrão, minha sensação de privilégio e responsabilidade cresceu ainda mais. Havia conhecido a Isabella pouco tempo antes e tinha seu livro, emprestado do acervo da BPIJ-BH, comigo. Já Renato eu conheço desde 2019, quando assisti sua fala no Segundo ConVerso de LiteraRua, no Centro Cultural Usina de Cultura. Portanto, minha admiração por essas duas pessoas da poesia já era patente. 

O sarau teve início com o Rafael mencionando a iniciativa da 2ª Noite de Museus e Bibliotecas, que busca promover a ocupação desses espaços, a partir de atividades fora de seus horários de funcionamento. Fez uma leitura sensível de um poema da grande Wisława Szymborska, sobre pessoas que gostam de poesia. Em seguida, acrescentou que a escolha da poeta e dos poetas da noite se pautou pelo perfil de pessoas que transitam e vivem na cidade de Belo Horizonte. Ele muito cuidadosamente leu as bios de cada convidada e convidado. 

A palavra então foi passada para Isabella, que traçou um histórico desde sua infância, revelando seu sonho de ser escritora e que a poesia nasceu nela desde que começou a traçar as primeiras letras. Foi de fato uma criança escritora, pois publicou seu primeiro livro aos 12 anos e essa experiência impactou sua vida profundamente, por ter sido uma criança escrevendo para crianças. Formou-se em Direito e atua como advogada feminista, na área do Direito à Cultura. Em 2020, durante a pandemia, participou de diversas oficinas de escrita ministradas por mulheres. Dos versos criados nasceu seu livro Não tentar domar bicho selvagem.

Renato Negrão assumiu o microfone e contou que passou uma infância cercada pela arte e pela cultura. O pai colocava para tocar discos de muita música boa, de Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Rita Lee. Renato achava que artista era uma espécie de entidade, tipo um extraterrestre, como eles mesmos pareciam admitir. Essa coisa de ver o artista na caixa da televisão, ou a voz saindo do vinil. Fato é que sempre quis ser artista. A mãe o colocou no curso profissionalizante, onde aprendeu a trabalhar com tipografia, e produção de revistas. 

Um dia, foi barrado na entrada do prédio de seus amigos que moravam perto de sua casa. Com isso, escreveu um manifesto poético e pregou na parede do elevador. Essa experiência causou grande efeito nele. Percebeu que poderia se destacar pela intelectualidade. Logo identificou que sua pegada era o trânsito entre palavra e imagem. Busca assim sempre seguir pela via da experimentação. Sua obra poética é numerosa e consistente, indo desde a participação na coleção Poesia Orbital, bem como os livros solo No Calo (1996), Vicente Viciado (2012) e Odisseia Vácuo (2023).

Fui então que chegou a minha vez de falar. Aproveitei para fazer um paralelo entre as falas de Isabella e Renato, relacionando-as com a minha própria trajetória. Meu contato com a poesia foi antes mesmo de saber ler, com minha mãe recitando poemas na família, mas estes eram de versos religiosos, evangélicos. Minha família por parte de mãe é de tradição evangélica e isso me atravessa, mas minha relação com essa herança é pela via do ódio.

Enfim, um dos poemas que minha mãe recitava era de um pastor atropelado que no leito de morte dá boa noite para todos os filhos, menos aquele que não era mais crente. Para ele, o pastor diz “Adeus”. O resultado era um chororô, eu chorava, meus irmãos, minhas tias, uma coisa bem catártica. 

Mas minha mãe também fazia poesia. Lembro-me do poema sobre sua paixão por Teófilo Otoni, MG, sua cidade natal (“Vi Teófilo Otoni florir… /Quis o ipê roxo pra mim”). Ou quando recitava para mim, de repente, o poema que começava mais ou menos assim: “Ao poeta escondido /do poema esquecido /que nunca foi lido /nem nunca será…” (...) E termina: “Está tão escondido /no baú ou na alma /que nunca foi lido /nem nunca será”. Acredito que ela ainda saiba recitá-lo perfeitamente.

Eu, como Isabella, também queria ser escritor ainda quando criança. Publiquei um livro que era uma espécie de fanfic, de forma bem independente, sem editora. O enredo tinha como personagens a Atíria, o Papílio, o Príncipe Grilo (tornado Rei), entre outros presentes na obra de Lúcia Machado de Almeida. Minha mãe enviou um exemplar para a Lúcia, que me ligou lá em casa. Na época, eu morava em Teófilo Otoni. 

Aquilo foi como se “a Divindade” estivesse falando comigo pelo telefone, algo meio como o Renato disse sobre os artistas serem entidades. Tive uma espécie de quebra de relação com a divindade naquele momento. A voz que falava no livro, sagrada, agora estava falando comigo ao telefone. Essa experiência deixou um profundo impacto em mim.

Contei de minha trajetória pela tecnologia, como programador, e também a tentativa em fazer Direito, por conta de uma visão ingênua sobre escritores como José de Alencar, Clarice Lispector, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles,  que tiveram essa formação

Minha mãe, mais uma vez, me influenciou nesse processo, ao dizer que Letras tinha tudo a ver comigo. 

Relatei sobre a primeira aula na UFMG, com o professor ouvindo sobre meu sonho de ser escritor e me chamando de ingênuo. Afirmei que leio poesia por obrigação, uma espécie de senso de dever, para expandir meus horizontes sensíveis. Que escrevo para dar vazão ao meu desarranjo interno, sendo também minha forma de fazer política. Para mim, política é se posicionar contra o que você acha que está errado no mundo. Isso independe de partido ou orientação ideológica. Dizer que não gosta de política é um contrassenso gigantesco, em minha opinião. Um verdadeiro absurdo.

Enfim, Rafa perguntou sobre espaços de poesia em Belo Horizonte. Renato apontou o Ateliê de Estratégias Narrativas, da Laura Cohen Rabelo. Nós três falamos dos saraus que ocorrem pela cidade. Destaquei o ColetiVoz e também falei de outros coletivos poéticos. Aproveitei para divulgar a Prosa Poética  Oficina de Escrita Criativa, que acontece todas as terças, às 10h, na BPIJ-BH. E, como não podia faltar, também fiz uma fala sobre o Clube de Escritores de BH, destacando o desafio de escrita. Por fim, apontei a importância da apropriação por parte da sociedade das 22 bibliotecas públicas municipais

Como não podia faltar, fizemos leituras de nossos poemas. De minha parte, li “Édipo ao avesso” e “Preciso trocar os meus óculos”.

Uma das pessoas presentes, um leitor chamado Marcos, perguntou sobre o incentivo para a escrita e publicação de poesia. Quis saber sobre o retorno financeiro. Isabella apontou que o principal motivo são os encontros. As pessoas que conhecemos pelo caminho. Concordamos com ela. Aproveitei para destacar que me considero um ilustre desconhecido. Que formar nossas famílias literárias é fundamental. Nossa matilha. Como que para provar o que eu afirmava, estavam presentes a Pâmela Bastos Machado e a Norma de Souza Lopes, duas pessoas que eu amo demais.

Só posso declarar que foi uma noite ímpar. Mais uma vez destaco que me senti profundamente honrado por estar naquele espaço cultural, cercado por pessoas tão incríveis. E poder falar do que me toca profundamente – a poesia. Estar em espaços como esse é um grande privilégio, pela escuta e, principalmente pelos encontros.

Para finalizar, expresso minha profunda gratidão ao Rafael Mussolini e a toda a equipe do Centro Cultural Unimed-BH Minas. E que outros momentos tão especiais como esse possam sempre acontecer.


Momento de fala.


Um público bem bacana!


Rafael Mussolini, Isabella Bettoni, eu, Norma de Souza Lopes e Renato Negrão na Biblioteca do Centro Cultural Unimed-BH Minas



Com o Rafa, deixando um exemplar do Cicatriz no acervo da Biblioteca!


Eu e Isabella trocamos nossos livros!


Esse é o Marcos, que adquiriu um exemplar do Cicatriz!


* Registros fotográficos feitos por Pâmela Bastos Machado, Norma de Souza Lopes e equipe do Centro Cultural Unimed-BH Minas.

segunda-feira, maio 05, 2025

Entre livros e amizades em Poços de Caldas

Um relato sobre minha viagem para curtir o Festival Literário Internacional de Poços de Caldas


Um registro da minha câmera maravilhosa. 


Enquanto escrevo, o ônibus balança um pouco, fazendo trepidar a tela do aparelho celular em minhas mãos. Estou retornando para Belo Horizonte. Saí de Poços de Caldas no início da tarde. Estive na cidade para curtir mais uma edição do Festival Literário Internacional Poços de Caldas - Flipoços. Estive nos dias 1 a 3 de maio assistindo a debates, passeando entre livros e revendo amizades. Além de ter feito novos contatos. 

Quando cheguei já era noite do dia primeiro. Com isso, visitei a feira sem participar da programação. Saí do Lux Hotel, onde estava hospedado, e fui caminhando até o Parque José Affonso Junqueira, onde o evento estava montado.

Já de início fiz contato com a escritora Bianca Pontes, colega no Clube de Escritores BH. Combinamos de nos encontrar já na feira. Também contatei a Mírian Freitas, que estava em companhia do Pedro Gontijo e da Gilberta Kis.

Era uma profusão de acontecimentos. A programação ainda acontecia. Um fluxo intenso de pessoas transitava pelas barracas e também pela chocolateria Lascaux, famosa por seus chocolates artesanais, inspirados em minerais da região. Encontrei a Gil e a Mírian no corredor de acesso do Lascaux Fomos até a entrada da feira e eu avisei que tinha uma outra amiga no evento. Fui em sua busca.

Ao encontrar a Bianca, ela me apresentou a escritora Cibele Laurentino. Tratei de apresentá-las às outras duas amigas. Logo chegou o Pedro Gontijo e nos juntamos como um grupo. Saímos juntos, trocamos ideias, reflexões e opiniões literárias e sobre a vida também. Nessa primeira noite em Poços de Caldas, atravessamos o centro da cidade, saindo do local da vila literária e indo até uma pizzaria chamada Caos, pertinho do meu hotel. 

No segundo dia, vasculhei um pouco a feira. Procurei a tenda do movimento Neomarginal, em especial a pessoa do Wesley Barbosa. Conversei um pouco com ele, explicando que trabalho em biblioteca pública e estou em contato com coletivos literários da periferia da Grande BH. Comprei dois livros dele e o cumprimentei pelo trabalho. Eu havia ficado sabendo do trabalho literário do Wesley a partir de um episódio lamentável ocorrido no evento, sobre o qual prefiro não entrar em detalhes. A mídia nacional cobriu amplamente o acontecido. Por isso, estaria só repetindo o que todo mundo já sabe. Apesar desse episódio execrável, pude por meio dele conhecer o trabalho do Wesley, que tem uma editora chamada Barraco Editorial. Os livros do Wesley que adquiri foram “Viela ensanguentada” e “O diabo na mesa dos fundos”.


Com o escritor Wesley Barbosa. 


Almocei com Bianca e Cibele. Na saída, adquiri o livro “Nobelina”, da Cibele. Depois do almoço, nos separamos para uma passada no hotel. Mais tarde, nos reunimos para assistir à mesa “Gaza: A Tragédia Silenciada – Reflexões sobre o Genocídio e suas Vozes”, que contou com a presença da Mírian Freitas, além da Soraya Misleh, Jornalista palestino-brasileira, Salem H. Nasser, professor da FGV e estudioso do Oriente Médio, do mundo Árabe e Mulçumano e a Laura Di Pietro, co-fundadora da editora Tabla. Quem mediou a mesa foi o Pedro Gontijo, que é escritor e jornalista. 

A mesa foi forte, urgente, com falas contundentes e necessárias, denunciando o genocídio em curso promovido pelo Estado de Israel contra o povo palestino. Uma atrocidade sem tamanho, em que milhares de crianças foram e continuam sendo assassinadas. A Soraya foi incisiva em sua fala, com uma revolta quase explosiva, conclamando todas as pessoas a lutarem em prol da causa palestina. Ela falou da colonização por ocupação, que visa substituir a população nativa por uma outra, de fora, e que o plano sionista não é novo, assim como os massacres de Israel contra aldeias palestinas.

O professor Nasser teve uma fala reflexiva sobre os disparates do silenciamento das narrativas palestinas e imposição de uma história única, elaborada como propaganda para colocar toda a comunidade mundial contra o povo palestino. 

A Laura abordou a riqueza da literatura produzida por palestinos. Não apenas como relato documental, algo importante para o registro histórico do que está ocorrendo, mas também como resistência e principalmente como sobrevivência da cultura palestina.

Mírian então fez sua fala a partir da experiência de escrita e publicação de seu livro “Damascos Feridos – poemas sobre Gaza”. Uma obra poética que atua como um grito de dor e protesto, nascido da empatia pelo sofrimento das mães, suas crianças e demais pessoas da Palestina.

A mediação do Pedro foi brilhante. Equilibrada, incisiva e reflexiva, procurou explorar o que havia de fundamental nas falas das convidadas e do convidado.

Dessa mesa, dois pontos eu gostaria de destacar: um é a palavra “Sumud”, que é rica em significados, uma palara-semente, que encerra em si a resistência e a esperança do povo palestino. A segunda é a frase da Soraya: “Somos todos palestinos.” Enquanto não percebermos a dimensão dessa frase, continuaremos inertes diante da escalada do terror que ocorre na Palestina.


Mesa sobre o Genocídio em Gaza.


Depois dessa mesa tão potente, precisei retornar ao hotel para descansar um pouco, pois foi uma mesa que mexeu muito com a gente. Retornei mais tarde para encontrar os amigos, que estavam em um bar na companhia da Laura e da Ana, ambas da editora Tabla. Conversamos bastante sobre literatura. 

Mais tarde, depois que Ana e Laura haviam ido embora, saímos do bar e fomos caminhando ao longo das bordas do parque, até encontrarmos um quiosque que vendia pizzas e massas, chamado Picolin. De lá, ainda passamos em uma loja de conveniência, onde compramos picolés e nos despedimos com muita alegria.


A galera reunida.


No dia seguinte, 3 de maio, cheguei a tempo de pegar a mesa “Prêmios Literários: Reconhecimento, Impacto e o Futuro da Literatura Brasileira” com a presença da autora Izabella Cristo e mediação do Henrique Rodrigues, curador do Prêmio Caminhos da Literatura. Izabella venceu o 1º. Prêmio Caminhos da Literatura e estava lançando o livro “Mãezinha”, pela Editora Dublinense. Durante a mesa, ela falou sobre a experiência da escrita do livro, que passa pela vivência da maternidade da UTI e também do exercício da profissão de médica cirurgiã.

Aproveitei para perguntar sobre a importância da cadeia de mediação para o fortalecimento da literatura. Henrique respondeu que é fundamental profissionalizar a mediação, inclusive criando leis que estruturem a mediação como política pública, atrelada à compra de livros, para que não aconteça de o livro acabar parado na estante ou dentro de um armário de uma biblioteca escolar ou pública. 


Com Izabella Cristo. 


Logo em seguida começou a mesa “Literatura e Família – Maternidade, Paternidade e dramas familiares na literatura contemporânea” com Karine Asth, Cibele Laurentino, Guilherme Marchi e Jaqueline Lima. Bianca Pontes foi a mediadora. Com um domínio impecável, ela conduziu tanto o tempo de fala quanto as reflexões, demonstrando um grau enorme de comprometimento com o tema da mesa e com as obras das convidadas e do convidado. Logo de início ela fez uma provocação ao dizer que estava mudando o nome da mesa, trocando “Maternidade” e “Paternidade” por “Parentalidade”, argumentando a partir da fala da Izabella Cristo na mesa anterior, que mãe nem sempre é quem gera e que o ato de criar, educar uma criança, muitas vezes foge do padrão de família convencional. Ela também convidou as pessoas integrantes da mesa a refletirem sobre como essas relações surgem não apenas em suas obras, mas em seus processos de escrita.

Mais uma vez em quis contribuir e, no momento das perguntas do público, perguntei às pessoas da mesa como elas viam a biblioteca pública e se ela ainda é relevante em nossa sociedade atual, em que a informação e a literatura migram cada vez mais para o suporte digital. Todos afirmaram que a biblioteca é fundamental na vida de quem lê e escreve. Karine foi mais longe ao ressaltar que é imprescindível que mães e pais se envolvam no incentivo à leitura, levando suas crianças à biblioteca pública. Ela fez um encantador relato pessoal sobre a visita que fez com seu filho à Biblioteca Pública de Recife. 

Ao final da mesa, aproveitando que tanto a Jaqueline quanto o Guilherme são de Belo Horizonte, falei da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH, convidando-os para conhecerem nosso espaço. Os dois pareceram interessados em visitá-la um dia. Aproveitei para comprar o livro da Cibele “Eu, inútil” e pegar um autógrafo. Em seguida, fui com Bianca, Cibele e Karine a um café que funciona dentro do parque. Porém, logo nos separamos.


Com a Cibele Laurentino. 


Já no início da noite ocorreu a mesa “Territórios da Palavra: A Literatura de Itamar Vieira Junior”. Eu cheguei quando estava começando e ouvi alguém mencionar no alto-falante “O caso da borboleta Atíria”. Meu alarme apitou. Era o Itamar, contando como esse livro foi crucial para que ele se tornasse escritor. Fui conquistado naquele momento, pois me senti conectado ao Itamar. Afinal, esse livro me encantou de tantas maneiras que ele realmente é a razão de eu ter me comprometido com a leitura e a escrita. Comentei isso com o Pedro, que estava do meu lado. Ele riu e disse que com ele foi a mesma coisa. “Foi o primeiro livro da Série Vaga-lume que eu li!” Ele falou. “Somos irmãos de livro!” Declarei, também rindo.

Um pouco mais tarde, ficamos sabendo de uma mesa nascida “de improviso” sobre o Movimento Neomarginal e fomos assistir. No palco estavam o Wesley Barbosa e o Vitor Miranda. Ambos falaram sobre suas trajetórias como escritores. Wesley revelou como encheu o Ferréz de contos e recebeu dele o retorno positivo. Sobre sua escrita refletir sua realidade e sua admiração por contistas clássicos russos.

Autor de “Os ratos vão para o céu?”, Vitor falou sobre a ironia no nome do Movimento Neomarginal, que dialoga com a literatura marginal de 1970. Falou também sobre seu gosto por brincar com leitores e personagens, visando o inusitado. Após a mesa, aconteceu o sarau do Movimento Neomarginal, com participações de autoras e autores com seus textos de prosa e poesia.

Ainda naquela noite, fomos jantar no Ibis. Lá, reencontrei o Henrique Rodrigues. Ele me reconheceu e perguntou se tinha sido eu a fazer a pergunta sobre mediação. Respondi que sim. Conversamos um bocado sobre prêmios literários e políticas públicas para livro e leitura. 

Ainda esticamos um pouco mais a noite, indo parar em uma lanchonete especializada em batatas fritas. Lá, nós falamos sobre experiências com editoras, mercado literário e projetos afins. Dado o avançar da hora, nos despedimos por lá e eu segui a pé para o meu hotel.

Bem, esse foi o fim da aventura na 20ª edição do Festival Literário Internacional de Poços de Caldas - O Flipoços. Dias de encontros inspiradores, nascimento de novas amizades e fortalecimento de parcerias. Acredito que um evento desse porte é extremamente necessário, dada sua potência. O evento também revelou uma necessidade urgente do engajamento no combate ao racismo e a outras várias formas de violência. 

É o terceiro ano seguido que vou a Poços de Caldas em ocasião do festival. Ano passado, fui para expor um dos meus livros na tenda dos autores independentes. Desta vez, porém, estive lá como parte do público e pude curtir mais o festival. Espero que em 2026 eu compareça novamente, fazendo novas amizades e fortalecendo as atuais. Por isso, termino este texto saudando as pessoas da Bianca Pontes, da Cibele Laurentino, da Gil Kis, da Mírian Freitas e do Pedro Gontijo. Muito obrigado por tornarem esta experiência inesquecível.


Gratidão!

quarta-feira, novembro 20, 2024

Reencontros literários e novas amizades em Carmo da Mata

Autoras e autores em Carmo da Mata

Era uma quinta-feira. O dia estava nublado e a temperatura amena. Um ônibus com destino a Lavras, vindo de Divinópolis, parou diante da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, em Carmo da Mata, Minas Gerais. Dela desceu um escritor esbaforido e entusiasmado. Essa pessoa era eu.

Estávamos no início de novembro. Dia 7, para ser mais preciso. Meus olhos esbanjavam encantamento por estar mais uma vez nessa cidade onde tantas coisas boas aconteceram, um ano atrás. Estava lá para mais uma edição da Flicar - Festa Literária de Carmo da Mata. Criado e organizado por Júnia Paixão, o evento é uma celebração da Literatura, com diversas atividades propiciando a reunião de autoras e autores com o público leitor. É um momento também de renovar amizades e formar novos laços de companheirismo. 

E foi isso mesmo que aconteceu. Revi muita gente que conheci na última Flicar: Mírian Freitas, Júnia Paixão, Servos Cardoso, Luiz Eduardo de Carvalho, Pedro Gontijo, Thaís Campolina, Hércules Toledo Corrêa e seu marido, Fred. Reencontrei a Gilberta Kis, companheira do Pedro Gontijo, que ele me apresentou no Flipoços, em Poços de Caldas. Tive também o privilégio de encontrar a professora Carla Coscarelli, que me deu aula há mais de vinte anos no curso de Letras da UFMG, e a professora Ana Elisa Ribeiro, premiadíssima, que também me deu aula na UFMG e hoje é professora titular do curso de Letras no CEFET-MG. Reencontrei a escritora e poeta Ana Paula Dacota, com quem pude estreitar os laços de amizade. Esteve lá tamém a Ilma Pereira, que conheço de eventos anteriores e da Liga de Autores Mineiros. Pude rever a Marcela Fassy e a Carla Andrade, que eu já admirava e pude conhecer pessoalmente no lançamento do livro Damascos feridos, da Mírian Freitas, ocorrido em Belo Horizonte. Conheci a escritora Mara Senna e a professora pesquisadora Débora D'ávila Reis. 

Fui apresentado a outras pessoas, como a autora Amanda Ribeiro, que realiza incríveis vídeo-poemas. Além disso, havia uma galera incrível da graduação e da pós-graduação em Letras do CEFET-MG. 

A programação foi rica e diversificada. A abertura, ainda na quinta-feira, contou com um sarau e uma apresentação teatral. Em seguida, foi o lançamento conjunto de várias pessoas, eu entre elas. Lancei meu livro de poesia Cicatriz com muita alegria. Aproveitei para descobrir os livros das pessoas que estavam lançando comigo. Foi maravilhoso.

Na sexta de manhã, realizei na Escola Estadual Joaquim Afonso Rodrigues uma oficina chamada "Meu Primeiro Livro". Os estudantes se envolveram e participaram ativamente, ficando encantados com a proposta. Em seguida, participei da oficina de criação de zine da Carol Vasconcellos. 

Nessa mesma sexta, às 17h, tive o privilégio de participar da mesa "O lugar da Poesia na Contemporaneidade", juntamente com Alex Zani, Mírian Freitas, Mara Senna e Thaís Campolina. A mediação coube a Alícia Teodoro, que fez uma primorosa condução. 

A Festa continuou linda com outras mesas de debate e apresentações literárias. A programação completa pode ser conferida aqui: @filcar_carmodamata. O encerramento aconteceu no sábado, à noite. Porém, eu ainda aproveitei o domingo para curtir Carmo da Mata com algumas pessoas amigas. Foram momentos descontraídos de relaxamento, após as intensas atividades da Festa. Voltei para casa na segunda-feira, com a mente cheia de boas memórias e a mala repleta de livros!

Livros de autoras e autores da Flicar.

Fica registrada aqui minha gratidão à pessoa da Júnia Paixão por mais uma vez acreditar no meu trabalho e ter me permitido participar da programação de um evento tão incrível. E também a Carmo da Mata, pela acolhida sempre tão generosa!


Domingo em Carmo da Mata


Para homenagear a Flicar, fiz um poema, que transcrevo abaixo:

Celebração 


Entre badaladas e anúncios fúnebres, 

a Palavra era celebrada.

Gotas fortes de chuva molhavam 

os caminhos dos livros abertos. 

Os corpos se encantavam 

em meio a tanta água.

Linhas cruzadas, papel e caneta, 

furiosa busca. 

Histórias se derramando, líquidas, 

sobre ouvidos e olhos atentos. 

Na melodia das gotas sobre a lona 

a valsa literária embalava os presentes. 

Não havia tempo. Nem memória. 

Tudo era força e beleza. 

Potência decantada 

e luz.

Carmo da Mata, 11 de novembro de 2024

quarta-feira, novembro 06, 2024

As dimensões da alma

Imagem por Janine Bolon de Pixabay


Certa vez, um médico resolveu pesar uma pessoa às portas da morte. Repetiu a pesagem logo que a pessoa morreu. O resultado deu uma diferença de 21 gramas. Com isso, passou-se a considerar que o peso (ou a massa) de uma alma seria justamente de 21 gramas.

A suposta experiência carecia porém de rigor científico. Essa ideia da massa da alma, da vida de uma pessoa, perdurou por décadas. Chegaram a fazer um filme disso. Hoje em dia, já foi desconstruída. Se a alma tem uma massa, ainda não foi possível mensurá-la.

O legista faz uma autópsia. Disseca o corpo de alguém. Retira os órgãos um a um e os pesa. Até mesmo o cérebro é pesado. Tudo é anotado meticulosamente. Depois, os órgãos são colocados de volta no lugar e o corpo é novamente costurado. Não foi encontrado vestígio de alma.

Nos rituais de embalsamamento do Egito Antigo, os órgãos também eram retirados, inclusive o cérebro. No lugar deles, eram colocadas flores. Ao invés de serem descartados, os órgãos ficavam guardados em ânforas. Ainda assim, nem mesmo os egípcios foram capazes de mensurar as dimensões da alma.

Talvez ela esteja só escondida no emaranhado de vísceras de nossos corpos. Talvez habite na língua, esse poderoso músculo que nos conecta a outras pessoas. E nos separa também. Ou quem sabe cada um dos nossos órgãos escondam em si um pedaço da alma.

O corpo continua um mistério no que toca à questão da transcendência. A alma permanece inalcançável para os instrumentos científicos, por mais avançados sejam. Estaríamos fadados ao completo esquecimento? Seria a alma um delírio? As religiões afirmam sua existência, apesar do ceticismo cansado de tantos cientistas.

A alma e sua massa continuam a nos despistar. Talvez seja porque não é possível pesar o que é etéreo. As leis da física não se aplicariam ao sobrenatural. Ou talvez tudo não passe de um mero delírio de quem não quer, com sua morte, desaparecer.



 

sexta-feira, outubro 25, 2024

Cicatriz - Meus versos ganham páginas impressas

 

Quem acompanha este blog sabe dos meus experimentos poéticos. Há anos eu publico aqui um ou outro poema. Ando meio parado, é verdade, mas não deixei de correr atrás do meu fazer literário. Continuo escrevendo - inclusive poesia. Portanto, é com muita alegria que anuncio a publicação do meu livro Cicatriz. Trata-se de uma seleção de poemas, muitos deles publicados aqui no blog. 

Este é um livro em que a memória é abordada de forma dolorosa, bem como o aturdimento diante do absurdo que é viver. Sim, viver muitas vezes parece arbitrário e absurdo e o eu poético em Cicatriz questiona-se diante da vida e do mundo. Há também poemas políticos, homenagens e poemas de amor. 

O livro é publicado pela editora Litteralux (antiga Penalux) e conta com a orelha de Mírian Gomes de Freitas. Ele será lançado nas seguintes datas e locais:

Dia 31 de outubro de 2024, às 20h, no FLITABIRA.



Dia 6 de novembro de 2024, às 19h no bar O Boêmio. Av. dos Andradas, 367 - Lj 236C 1º andar - Centro, Belo Horizonte - MG


No dia 7 de novembro, às 19h30, estarei no lançamento coletivo da Flicar - Festa Literária de Carmo da Mata.



Dia 23 de novembro de 2024, às 10h30, na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH. 



sexta-feira, outubro 18, 2024

Értom - Convivendo com a morte



Ângela tem premonições de gente morrendo. E não são apenas visões, mas experiências vívidas de morte. Ela sente como se morresse junto com a pessoa. Isso causa um profundo estresse na mulher, que desenvolve uma forte fobia social e busca, de todas as formas, isolar-se. Quando ela testemunha um atropelamento, o policial Rafael entrará na sua vida e a transformará para sempre, mesmo contra a sua vontade.

Assim tem início o romance Értom, de Bianca Pontes. O enredo nos leva a testemunhar os problemas de Ângela Értom, seus desafios diários, seu refúgio em um prédio em que mais ninguém mora, a companhia da avó morta, que a assombra. E Rafael. O policial é insistente em fazer de tudo para ajudar a mulher. O que antes parece ser um forte senso de dever se transforma em paixão, que é rapidamente correspondida.

Rafael é o modelo de galã. Bonito, forte, charmoso, lutador de artes marciais e policial exemplar. Ele não consegue esconder o interesse por Ângela. A estratégia para romper as defesas da moça será o cão policial idoso Zeus, um pastor alemão carismático capaz de derreter qualquer gelo.

Ao longo da narrativa, o foco passeia entre Ângela e Rafael, de forma por vezes até abrupta. O leitor tem que se manter atento para perceber com quem está o foco narrativo. Trata-se de uma narradora onisciente neutra, que revela a nós, leitoras e leitores, o que Ângela ou Rafael pensam, suas inseguranças, seus medos e os questionamentos que pipocam em suas mentes nesse complicado jogo de conquista.

Trata-se de uma conquista, sim. É uma história de amor, afinal. Porém, é possível perceber que tanto Ângela quanto Rafael buscam se entender, antes de tudo. A química amorosa é consequência. Intrigado com a mulher que vive isolada de tudo e todos, resistente até a pedir ajuda médica com um braço quebrado, Rafael sente-se no dever de ajudá-la, de entendê-la. Ela se torna um enigma a ser decifrado. 

A avó de Ângela surge como um grilo falante incômodo. Um cacoete de consciência, misturado com pensamento intrusivo, o que torna a vida de Ângela um inferno, ao mesmo tempo que nos diverte na leitura. Os diálogos com esse fantasma são uma forma de humor sombrio, ao mesmo tempo um alívio cômico, uma vez que os comentários da idosa são espirituosos. 

As relações humanas são o grande foco de Értom. Não é o sobrenatural ou mesmo as investigações do diligente policial. Bianca Pontes reflete sobre sofrimento mental, (des)crença, empatia e paixão. Rafael e Ângela sentem um magnetismo forte entre eles. Não sem acidentes, é claro, pois todo relacionamento é feito deles. Rafael luta para entender o problema de Ângela e quer ajudá-la. A questão maior é justamente a abordagem equivocada do policial.

Só que esta é uma história de amor, antes de tudo. Com mortes, visões sombrias, sofrimento, pânico e um fantasma incômodo, mas não deixa de ser uma história romântica. Uma narrativa que aposta no amor acima do sofrimento e dos desencontros. E que acredita que almas que se amam são capazes de vencer tudo, até mesmo a morte.


Ficha Técnica

Értom

Bianca Pontes

ISBN: B0DDK149FJ

Ano: 2024 

Páginas: 184

Idioma: português

Editora: Bianca Pontes


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/ertom-122490552ed122490967.html

quinta-feira, outubro 03, 2024

Lançamentos do livro "Achei que você fosse o outro"



Faz tempo que tentava publicar um livro com o Rodrigo Teixeira. Escritor nato, talentoso e genial, Rodrigo mantinha um blog chamado "Bom Dia, Mudo Cruel!" que eu frequentava assiduamente. Esse blog, porém, foi descontinuado, embora permaneça online, com os textos do Rodrigo na nuvem. Recomendo muito o acesso. 

Enfim, desde que eu publiquei a primeira vez, há onze anos, sentia que era uma injustiça não ver os textos do Rodrigo impressos em papel, organizados em livro. Desde que nos conhecemos e nos aproximamos, surgiu a ideia da publicação conjunta. À época, havia uma terceira pessoa nesse projeto, mas a tríade não se sustentou. Ficamos apenas nós dois. E assim, entrava ano, saía ano e nada da gente publicar. 

Os textos foram organizados e reorganizados, revisitados várias vezes. Exigente, Rodrigo confessava que, a cada revisão, retirava um texto. Exasperado, instei que a gente publicasse logo, com medo de no final sobrarem somente os meus textos. Assim, fechamos uma versão final do livro conjunto.

Havia agora um outro desafio: Qual título dar para a obra híbrida? Deveria ser algo que representasse nossa amizade e parceria. Como sempre, Rodrigo teve uma sacada genial, retirando sua ideia de um incidente pitoresco. 

O ano era 2019. O local, o Centro Cultural Usina de Cultura, no bairro Ipiranga, em Belo Horizonte. Eu havia comparecido ao evento pela manhã, cumprimentado todos, curtido a programação. Rodrigo estava escalado para uma roda de conversa às 16h e chegou já no período da tarde. O problema é que ninguém o cumprimentava. As pessoas passavam por ele e o ignoravam. 

Ele começou a ficar preocupado. Já se perguntava o que estaria acontecendo quando o poeta e multiartista Dione Machado passou por ele, parou, voltou e disse: "Ué, achei que você fosse o outro!" Rodrigo então entendeu. As pessoas já haviam me cumprimentado pela manhã e, como é costume nos confundirem, achavam que eu e ele fôssemos a mesma pessoa. 

Isso é mais comum do que as pessoas que não nos conhecem podem pensar. Trabalhamos juntos no mesmo lugar, a Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Em diversos momentos tem gente trocando nossos nomes ou perguntando se somos irmãos. 

Ao se lembrar do incidente, Rodrigo chegou ao nome do livro: Achei que você fosse o outro. Contratamos o serviço do Selo Editorial Starling para a produção e impressão. Como podem constatar, resultado ficou lindo. 

Fizemos dois lançamentos. O primeiro foi conjunto, na Biblioteca onde trabalhamos. Foi em um sábado, dia 6 de julho de 2024. O segundo foi no Sarau do Coletivoz, numa quarta-feira, dia 10 de julho no The Wall Pub, em Contagem. Tivemos a presença do Coletivo Simples e também de representantes do Movimento Arte Contra a Barbárie. Já  terceiro e "oficial" foi no bar O Boêmio. Um momento de muita alegria e pertencimento. Além de muita cerveja! Pudemos nos três eventos encontrar amigos que nos apoiaram de forma tão presente. 

E por fim, fizemos parte de um lançamento conjunto na Sétima Candeia - Mostra Internacional de Narração Artística. Foi lindo, também!

Agradeço imensamente a todo mundo que participou de algum dos lançamentos. Sou grato também a quem não pode ir mas comprou um exemplar com a gente!

Seguem agora algumas fotos para ilustrar esses momentos marcantes em nossa trajetória literária.















quarta-feira, setembro 04, 2024

Nos desvãos das palavras - Nuvens


Até onde uma palavra pode ser explorada? Felipe Diógenes, com seu livro Nuvens, explora os limites do uso não-utilitário das palavras, procurando combinações das mais inusitadas, elaborando assim elementos fantásticos em imagens oníricas e metáforas inventivas.

Há algumas palavras recorrentes. Uma delas é catacrese; a outra, talisca. Os sentidos das palavras são esgarçados, não importa o sentido, o que mais importa é a sua sonoridade e a composição onírica das construções metafóricas.

Claro discípulo de Manoel de Barros, Felipe Diógenes procura explorar os sentidos simples das palavras, mas também seu esvaziamento. Cria novas possibilidades de sentido e não-sentido. A memória e sua fugacidade também é abordada nos poemas. A brincadeira de confundir olvido com ouvido é primorosa e bem-humorada. 

A palavra se afasta totalmente de seu viés utilitário, levada a alçar voos, inaugurando sentidos oníricos. “mas pedra é igual equivalência de nuvem”. Nesse verso, presente no primeiro poema do livro, Felipe dá o tom da sua obra, em que os sentidos se entrelaçam. Pedra e nuvem se aproximam e um universo maravilhoso é criado como numa tela surrealista. 

Mas antes mesmo do primeiro poema há uma epígrafe de Manoel de Barros: 

“Repetir repetir – até ficar diferente./Repetir é um dom do estilo.”

E para seguir os versos de seu mestre, Felipe Diógenes repete até ficar diferente. Suas ideias são recorrentes, como a exploração imagética e sonora das palavras. Criando novas fronteiras, o poeta lança mão de sua genialidade para produzir poemas que nos cativam por sua sonoridade e pelas construções inusitadas.

Outra sacada genial de Felipe Diógenes é usar a palavra quase, desconstruindo as palavras colocadas ao lado desta: “quase rua”, “quase todo”, “quase peixe”, “quase fogo”. Numa sanha de desconstrução, Felipe devassa a língua, tornando-a algo mais, como que inaugura uma outra língua, um código secreto, reservado apenas aos iniciados.

A poesia de Felipe Diógenes é incômoda, como toda boa poesia. Como toda poesia genial. Ele nos toma pela mão e nos guia por um caminho caleidoscópico, em que sons e sentidos se misturam, num verdadeiro emaranhado onírico de imagens.


Ficha Técnica:

Nuvens

Felipe Diógenes

Editora Patuá

2024

54 páginas

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/nuvens-122497045ed122497523.html

sexta-feira, março 29, 2024

H.R.




Teu nome 

continua 

retumbando 

em meu peito. 

Um nome 

forte e cálido, 

firme como 

o mármore 

mas 

que evoca 

múltiplas existências 

das correntes. 

Nunca mais te vi, 

mas tua beleza 

continua a assombrar 

meus dias 

e inflamar 

minhas noites.

sexta-feira, março 22, 2024

Outro exercício de método



Quero escrever 

Poesia 

mas não sei 

se consigo 

transformar

em matéria 

das palavras 

a angústia 

reinante 

em mim. 

Então eu me

limito a deixar 

o pensamento

fluir, para não 

se represar 

e estagnar 

em meu ser.

sexta-feira, março 15, 2024

sexta-feira, março 08, 2024

Estou cansado


Estou cansado. 

Meu cansaço 

é antigo. De eras. 

Durmo mas não 

descanso. 

Sou um corpo 

insone 

que vaga pela terra 

buscando paz. 

Mas o que ele vê 

é guerra.

sexta-feira, março 01, 2024

Olho sua foto


Olho sua foto 

e meu coração dói 

por saber 

que você 

nunca 

estará em meus 

braços. 

Essa certeza me 

dilacera por dentro. 

A solidão 

de não ter você 

é aquela que 

perfura mais 

fundo. 

sexta-feira, fevereiro 23, 2024

Hackeado


Somos parasitas

destes corpos

a consciência 

é um vírus

feito para 

corromper

a máquina

biológica.

Ser Humano é

o veneno da

Vida.


26/04/2019

quarta-feira, fevereiro 21, 2024

Ele

 

https://www.reddit.com/media?url=https%3A%2F%2Fi.redd.it%2Feah9155brzb21.jpg

Acendi um cigarro. Pus na boca e não traguei. Nunca trago. Quero apenas me fazer de James Dean. Rebelde sem causa. A fumaça dança sobre meus olhos. Lá fora, chove. Qual nada, é só uma garoa fina.

O som da porta se abrindo chama a minha atenção. É ele. Frio na barriga. Fogo quando sorri. Ele senta ao meu lado e tira o cigarro da minha boca. Traga, solta a fumaça pro lado em que não estou e apaga no cinzeiro. 

Ah, como ele é lindo. Queria ter sido o cigarro, mesmo que fosse esmagado depois. Pelo menos, teria provado aqueles lábios.

Tenho um poema pronto. Leio pra ele. Uma porcaria, ele diz. E depois completa: Tô brincando. Gosto de tudo que você escreve.

Nessas palavras eu morro. Pela terceira vez no dia. Lá fora, a garoa lava nossas memórias. 


sexta-feira, fevereiro 16, 2024

Dissoluto

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Dedos deslizam

em minha pele.

Cada toque leva

um pouco de mim.

Sou luz

E dissolução.

Refaço notas

de uma ária

selvagem.

Sou o único 

habitante

de um universo chamado:

Espera.

E resignado deixo

que o vento entoe

Canções que nunca

dizem quem sou.

quarta-feira, fevereiro 14, 2024

Grande novamente

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Não me lembro de ter sentado no colo de meu pai. Lembro-me, sim, de ter subido em seus ombros. Segurava com minhas mãos pequenas a sua grande testa e repousava o queixo em sua cabeleira farta. Meu pai era um homem baixo. Pra mim, porém, era enorme.

O tempo e um divórcio nos afastou. A distância também se fez presente no campo físico. Cidades e estados diferentes nos separavam. Meu pai, antes enorme, foi diminuindo até desaparecer. Até mesmo das fotografias.

Certa vez, viajamos para o Rio e minha mãe tentou uma reaproximação nossa com o meu pai. Ele estava em seu terceiro casamento, e um quarto filho, que a gente não conhecia. Ele resolveu sair do Realengo e nos visitar lá na Tijuca onde estávamos hospedados. Foi assim. A campainha tocou. Fui até a varanda do apartamento de segundo andar para ver quem era e deparei-me com ele, com sua baixa estatura (ainda era alto pra mim) e seus olhos azuis. Estava com a mão erguida na altura dos olhos, para protegê-los do sol.

Com o choque, corri e me escondi debaixo da cama. Sentia pânico desse estranho tão familiar, tão meu. Minha mãe foi me buscar e tentar reconciliar-me com o meu pai. Não foi fácil, mas no fim, eu aceitei sua presença e partimos, com meu irmão e minha irmã, para o Realengo.

No caminho, paramos em um açougue. Meu pai comprou alguns quilos de carne para nós. Era uma época em que carne era sempre uma festa. Ele pediu que o açougueiro passasse o bife "naquela máquina esperta". O efeito da tal máquina era deixar o bife mais macio, creio eu. Um rolo compressor com pinos que espremiam a carne. Mas a coisa mais curiosa era que o pedido de meu pai me fez sentir orgulho dele. Era como se tudo que meu pai fizesse ou falasse fosse algo digno de nota, tamanho era meu deslumbramento. Naquele momento, em que fazia um pedido trivial cheio de maneirismos e da simpatia carioca, meu pai ganhava dimensões quase míticas. Ele era novamente grande. Melhor ainda, era meu.


segunda-feira, fevereiro 12, 2024

Aprendiz da imperfeição - Alcançando o inalcançável



O menino busca em um velho pintor o mestre que precisa. O pintor reluta em aceitá-lo como aprendiz e, mesmo após fazê-lo, não lhe dá aulas, deixa apenas que o garoto cumpra tarefas domésticas e lixe as telas até ficarem lisas o bastante. Mas nunca é o bastante.

Um dia, o pintor ordena ao aprendiz que se ausente por um  certo tempo. Quando retorna, o garoto vê que o mestre terminou a obra da sua vida, uma tela perfeita, que atrai muitos admiradores. Mas a perfeição é insuportável para o velho mestre. Nem vendê-la ele consegue. Como seguir com sua vida, agora?

O livro Aprendiz da imperfeição, de Pieter van Oudheusden e Stefanie De Graef, carrega uma narrativa profunda que se constitui numa fábula sobre a enganosa busca pela perfeição, que é intangível. Não que essa busca não seja importante, mas o fundamental é o processo e não o resultado; o caminho e não o fim. 

É curioso que quando vai executar a obra-prima, o ancião manda o aprendiz se ausentar, como se fosse necessário que cada um buscasse seu próprio caminho de perfeição. Esse caminho não pode ser copiado, é íntimo e secreto. Sem questionar, o menino obedece. Outra questão interessante é o aprendizado pela observação. As lições tomadas pelo aprendiz foram longas e silenciosas caminhadas. Nelas, o mestre parava para contemplar e era também contemplado pelo aprendiz, que buscava capturar o olhar do velho pintor.

Por fim, ressalto que produzir a obra prima poderia ter causado um efeito no mestre de forma a concluyir que não haveria mais nada a ser feito. Po´rem, não é isso que o velho pintor quer. Ele não quer se aposentar, não quer descansar, não quer viver no luxo e na riqueza. Ele quer continuar procurando. E creio que sua conclusão foi que a busca pela imperfeição calculada, deliberada, é tão desafiadora quanto a busca pela tão alardeada perfeição.

Observei que foi escolhida a ilustração digital como técnica para os desenhos. Essa escolha a princípio me incomodou, mas então percebi que os desenhos dialogam como essa idiea de perfeição, com um elemento figurativo quase perfeito, mas cores brutas, marcantes. Não são desenhos com texturas suaves, mas cores chapadas, o que a proxima a ilustração da ideia de imperfeição. Há um certo diálogo estético com as ilustrações orientais antigas, mas como uma sutil referência.

Quanto à linguagem, o texto é leve, poético e repleto de pausas. É um texto maduro, difícil mas igualmente compensador. Senti-me comovido por vários momentos enquanto eu lia.

Talvez, entender a imperfeição como seu novo e verdadeiro ideal, o velho pintor tenha alcançado uma certa paz; uma paz que o fez ver para além da aparência. Ou não. Talvez o tenha percebido que a perfeição é mesmo insuportável e que escapar dela também pode ser uma dádiva.


Ficha Técnica

Aprendiz da imperfeição

Pieter van Oudheusden, Stefanie De Graef

Tradução de Cristiano Swiesele do Amaral

ISBN-13: 9788564974630

ISBN-10: 8564974630

Ano:2015 

Páginas:32 

Idioma: português

Editora: Pulo do Gato


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/aprendiz-da-imperfeicao-575210ed576125.html

sexta-feira, fevereiro 09, 2024

Canto

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Beija-me com os beijos 

de tua boca 

porque mais saborosos 

são teus beijos 

que o chocolate.


Não te comparo 

às éguas do Faraó, 

mas às possantes 

Ferraris 

do mais recente popstar. 


De teus lábios 

destilam 

as salinas mais seletas 

jorram saborosas 

cervejas de trigo 

frutadas 

encorpadas 


Beija-me 

mas não quero 

amor casto 

quero carne dos teus lábios 

Sangue e seus períodos 

fluidos e odores 

e bagunçar teus cabelos.


Quero-te nua 

não santa 

ou puta 

só tua. 

Quero-te fogo 

deusa 

potência. 

Quero-te para além 

dos sentidos 

Para além das palavras 

e seus desvãos.

Beija-me.

quarta-feira, fevereiro 07, 2024

De mudança em mudança

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Minha infância foi pautada por mudanças. Do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, Minas Gerais, de volta ao Rio e depois para Teófilo Otoni, em Minas. Nessa cidade do interior de Minas, também me mudei algumas vezes. No fim da infância, viemos todos para Belo Horizonte, onde estamos estabelecidos desde então.

Da mudança para Teófilo Otoni, lembro-me da viagem para lá. Eu tenho essa memória de acordar ainda no ônibus e ver morros suaves no lugar de montanhas. Esses morros eram salpicados de árvores e davam uma paz tão grande! Estava curioso com a nova cidade onde moraria. É engraçado como não me lembro bem do processo de mudança. Só me lembro de estar lá, já estabelecido, nem desfazer minha mala está em minha memória. Talvez eu mesmo não tenha desfeito essa mala, por conta da idade.

Lá em Teófilo Otoni, fui matriculado em uma escola pequena, particular. Algo que levei comigo foi a dificuldade de aprendizado. Uma das coordenadoras chegou a sentar do meu lado e tentar me explicar algo básico: como copiar um texto sem transcrever palavra por palavra, mas a frase toda. Ela dizia: "Leia a frase inteira, ou um pedaço dela, guarde essa frase na cabeça e depois escreva no caderno." Nem isso eu conseguia. Ela acabou desistindo. Depois, fui para uma escola pública que levava o nome da cidade. Foi lá que eu descobri o prazer da leitura.

Da separação dos meus pais, levei os vazios das fotos. Digo vazios porque um dia eu e minha irmã cortamos nosso pai das fotografias, achando que ele era um estranho. Perguntamos para minha mãe se podíamos cortar o estranho das fotos e ela autorizou.

Em Teófilo Otoni, encontramos novas possibilidades de existência. As mudanças, porém, não acabaram. Do Centro, nos mudamos para o Boiadeiro e, de lá, para o Bairro São Jacinto. No Boiadeiro conheci a arte de amar as galinhas. Tive uma de granja, toda branca, que amei até ela desaparecer na vida. Ou na panela, talvez. 

No São Jacinto criamos coelhos, além das galinhas. Fomos morar em uma casa bem simples, com paredes de barro que descarnamos do reboco numa reforma. A casa foi transformada. Porém, antes de ficar pronta, partimos para Belo Horizonte. 

Nossas vidas de mudanças não acabaram, porém. Em Belo Horizonte, conhecemos os bairros Lagoa e Jardim Europa. Nosso pouso definitivo foi no Céu Azul, numa região conhecida como Garças. 

Ah, quem dera aquele lugar fosse um paraíso. Revelou-se purgatório, ao menos. Descarregar tijolos, peneirar areia, levar baldes de cimento nas costas. Todo esse trabalho foi para erguer uma casa do zero. E se tornou a casa de minha mãe e meu padrasto, até hoje. Quase trinta anos se passaram e essa casa nunca ficou pronta completamente. Seu projeto original nunca foi concluído e ela passa por reformas que a alteraram completamente. 

Trinta anos. Sim, após uma infância repleta de mudanças, estabeleci-me em Belo Horizonte. Essa família que chamo de minha, fragmentada e remendada novamente, reconfigurada a partir de novos integrantes, é também reflexo da minha própria existência, fragmentada, dividida e reconfigurada. E continuo buscando um sentido. Não sei qual, mas sigo em busca. O que fazer quando encontrá-lo? Aí, sim, talvez minha vida comece de verdade.