quarta-feira, fevereiro 07, 2024

De mudança em mudança

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Minha infância foi pautada por mudanças. Do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, Minas Gerais, de volta ao Rio e depois para Teófilo Otoni, em Minas. Nessa cidade do interior de Minas, também me mudei algumas vezes. No fim da infância, viemos todos para Belo Horizonte, onde estamos estabelecidos desde então.

Da mudança para Teófilo Otoni, lembro-me da viagem para lá. Eu tenho essa memória de acordar ainda no ônibus e ver morros suaves no lugar de montanhas. Esses morros eram salpicados de árvores e davam uma paz tão grande! Estava curioso com a nova cidade onde moraria. É engraçado como não me lembro bem do processo de mudança. Só me lembro de estar lá, já estabelecido, nem desfazer minha mala está em minha memória. Talvez eu mesmo não tenha desfeito essa mala, por conta da idade.

Lá em Teófilo Otoni, fui matriculado em uma escola pequena, particular. Algo que levei comigo foi a dificuldade de aprendizado. Uma das coordenadoras chegou a sentar do meu lado e tentar me explicar algo básico: como copiar um texto sem transcrever palavra por palavra, mas a frase toda. Ela dizia: "Leia a frase inteira, ou um pedaço dela, guarde essa frase na cabeça e depois escreva no caderno." Nem isso eu conseguia. Ela acabou desistindo. Depois, fui para uma escola pública que levava o nome da cidade. Foi lá que eu descobri o prazer da leitura.

Da separação dos meus pais, levei os vazios das fotos. Digo vazios porque um dia eu e minha irmã cortamos nosso pai das fotografias, achando que ele era um estranho. Perguntamos para minha mãe se podíamos cortar o estranho das fotos e ela autorizou.

Em Teófilo Otoni, encontramos novas possibilidades de existência. As mudanças, porém, não acabaram. Do Centro, nos mudamos para o Boiadeiro e, de lá, para o Bairro São Jacinto. No Boiadeiro conheci a arte de amar as galinhas. Tive uma de granja, toda branca, que amei até ela desaparecer na vida. Ou na panela, talvez. 

No São Jacinto criamos coelhos, além das galinhas. Fomos morar em uma casa bem simples, com paredes de barro que descarnamos do reboco numa reforma. A casa foi transformada. Porém, antes de ficar pronta, partimos para Belo Horizonte. 

Nossas vidas de mudanças não acabaram, porém. Em Belo Horizonte, conhecemos os bairros Lagoa e Jardim Europa. Nosso pouso definitivo foi no Céu Azul, numa região conhecida como Garças. 

Ah, quem dera aquele lugar fosse um paraíso. Revelou-se purgatório, ao menos. Descarregar tijolos, peneirar areia, levar baldes de cimento nas costas. Todo esse trabalho foi para erguer uma casa do zero. E se tornou a casa de minha mãe e meu padrasto, até hoje. Quase trinta anos se passaram e essa casa nunca ficou pronta completamente. Seu projeto original nunca foi concluído e ela passa por reformas que a alteraram completamente. 

Trinta anos. Sim, após uma infância repleta de mudanças, estabeleci-me em Belo Horizonte. Essa família que chamo de minha, fragmentada e remendada novamente, reconfigurada a partir de novos integrantes, é também reflexo da minha própria existência, fragmentada, dividida e reconfigurada. E continuo buscando um sentido. Não sei qual, mas sigo em busca. O que fazer quando encontrá-lo? Aí, sim, talvez minha vida comece de verdade.

3 comentários:

  1. Oi!
    Não enfrentei tantas mudanças na infância, mas na minha mudança mais recente notei o quanto elas me impactaram enquanto eu crescia, especialmente na falta de atividades fora de escola, como falta de parques e clubes esportivos perto de casa.

    https://deiumjeito.blogspot.com/

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  2. Oi Samuel, tudo bem?
    Sua forma de contar sua história de vida foi muito envolvente, não à toa você é um contador de histórias.
    Me pergunto se um dia encontraremos sentido nas nossas vidas ou na nossa existência. Me pergunto se o sentido não está nas coisas mundanas do cotidiano. Enfim, reflexões que eu me pego a pensar.
    Beijos,

    Priih
    http://infinitasvidas.wordpress.com

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  3. Não passei por esse processo de mudanças, na infância e adolescência, nem mesmo mudei de casa. Confesso que tinha inveja das colegas que falavam de mudanças, achava interessante, mas hoje não sei se gostaria de viver mudando tanto.

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