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quarta-feira, janeiro 17, 2024

Todas as histórias que já contei


Faz algum tempo que eu desejava fazer aqui no blog um registro de todas as histórias que já contei. Algumas delas eu esqueci, confesso. Outras, estão tão vívidas como sempre estiveram, de tanto que eu continuo a contá-las.

O exercício de contar histórias, para mim, é também um movimento de guarda e preservação das mesmas. Ao contar histórias, eu as estou "guardando" pois, como diz Antonio Cicero, "Em cofre não se guarda coisa alguma / Em cofre perde-se a coisa à vista". Sendo assim, ao transmitir essas narrativas e também ao registrá-las aqui, eu contribuo para que elas permaneçam.

Esta será uma lista dinâmica. Ela irá crescer à medida que eu for expandindo meu repertório. Além disso, quero produzir versões em escrito das histórias de tradição oral. A partir desses registros, contando com minhas palavras, pretendo fazer o link do título de cada história com a postagem do registro. 

Conto com as contribuições e comentários de todas as pessoas, para que esta postagem esteja cada vez mais rica, e que este tesouro possa enriquecer também seus repertórios e pesquisas.

1. A mulher sábia;

2. O jovem rei;

3. Uma questão de interpretação;

4. O mordomo fiel;

5. O conto do vigário;

6. Os 3 soldados e a princesa nariguda;

7. Anansi e a busca impossível;

8. As penas do dragão;

9. Chapeuzinho Amarelo;

10. Que bicho será que fez a coisa?

11. O caso do bolinho;

12. Um herói bem diferente;

13. Uma visita inesperada;

14. O carvalho;

15. A Fada Feia e a Bruxa Bela;

16. A viúva piedosa e o ateu impiedoso;

17. O filho mudo do fazendeiro;

18. A quase morte de Zé Malandro;

19. Nasrudin e a Morte;

20. O pássaro, o rato e a linguiça;

21. Nasrudin e o viajante;

22. Nasrudin no poste;

23. Nasrudin e o cavalo;

24. O cavalo de madeira;

25. Uma ideia toda azul;

26. A língua (quem te matou, caveira?);

27. Carne de língua; 

28. O homem sem sorte;

29. O nabo gigante (Grimm);

30. A flauta de osso? (Grimm);

31. Os 3 jacarezinhos;

32. O causo do caçador;

33. O causo da garrucha;

34. O causo da dentadura;

35. O Quibungo;

36. Miserinha;

37. O cheiro do pão;

38. O Bichão;

39. O cameleiro de Bagdá;

40. A última folha verde;

41. A Bruxa Salomé;

42. Lucum a la pistache;

43. Os 3 desejos e a linguiça;

44. O único desejo;

45. Lolô;

46. O pássaro da verdade;

47. A história da coca;

48. A procissão das almas;

49. O lobisomem;

50. O peixe luminoso;

51. Raposa;

52. A promessa do girino;

53. As trapalhadas de Zé Bocoió.

segunda-feira, abril 11, 2022

A filha perdida - Quando não há amor que dê conta da vida


Leda sofre um acidente de carro. A todos que a visitam, ela diz que o sono a fizera sair da estrada, mas isto não é verdade. O que de fato aconteceu será narrado a nós, leitores, nos capítulos seguintes de A filha perdida, de Elena Ferrante. 

Narrado em primeira pessoa, o romance nos apresenta Leda, uma excelente professora universitária que está de férias no sul da Itália. Sofisticada e com uma exuberância natural, ela logo atrairá a atenção de uma família de napolitanos, rude e barulhenta, que também está de férias na praia. Aquela família representa tudo o que Leda mais despreza, pois foi de um lar assim que ela egressou. Porém, quem de fato atrai a atenção de Leda é a jovem Nina, devota mãe da pequena Elena.

Observar mãe e filha em seus passeios e brincadeiras na praia irá despertar sentimentos controversos em Leda, que gradativamente se envolverá com a família de formas inusitadas, o que trará a ela consequências irremediáveis.

A filha perdida é mais um exemplo do indiscutível talento de Elena Ferrante em criar tramas e personagens profundos. Leda é controversa, por vezes inconsequente, e nos perguntamos se sua narração é confiável. Perturbada pelos remorsos que sente, por causa do que fez tanto com sua mãe quanto com suas filhas, Leda parece querer resgatar em Nina a mãe que ela desejava ter sido, bem como a filha que ela não foi.

Outro elemento a ser destacado é a linguagem. A narrativa é crua e visceral, sempre contundente e melancólica. O texto é claro, envolvente, cadenciado. O discurso de Leda é fragmentado e repleto de digressões e rememorações. O tempo todo ela parece pesar e medir as pessoas ao seu redor, ao mesmo tempo que é pesada e medida por si mesma.

Com personagens memoráveis, falas emblemáticas e certa dose de reviravoltas, A filha perdida é uma leitura aguda, que nos prende e absorve até a última página. E nos faz querer voltar ao início para ler tudo de novo.


Ficha Técnica

A filha perdida

Elena Ferrante

 R$ 31,92 até R$ 37,10

ISBN-13: 9788551000328

ISBN-10: 8551000322

Ano: 2016 

Páginas: 176

Idioma: português

Editora: Intrínseca


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/a-filha-perdida-613339ed613826.html

segunda-feira, abril 04, 2022

Na floresta - Mil e uma histórias



Algo não está certo. O menino acorda certa noite com um barulho horrível. No dia seguinte, seu pai não mais está em casa e sua mãe parece muito triste. Mas esse nem é direito o começo da história. A mãe pede ao menino que vá levar um bolo para a vovó, que está doente, mas que não passe pelo caminho da floresta.

Isso lembra a você alguma coisa? Pois esse menino, protagonista do livro Na floresta, de Anthony Browne, irá justamente usar o caminho mais "curto", porém o mais perigoso e sombrio. Enquanto esse garoto faz a travessia solitária, vai se deparando com diversas personagens, todas elas bem reconhecíveis. Lá está o menino que precisa vendar uma vaca leiteira. Lá estão também a menina e o menino que se perderam de seus pais na floresta. E não se trata apenas disso. Ao longo das páginas, a cada nova imagem, vamos descobrindo que na floresta estão espalhados elementos de vários contos de fadas, num constante convite a um jogo de descobertas.

O texto da narrativa de Browne é simples. Porém, não é bom que seja lido de forma ingênua e desavisada. Muitas são as nuances que mostram que a história é muito mais do que está posto. Afinal, o que aconteceu com essa família? O pai de fato voltará? Haverá uma vovó esperando no final do caminho? E ainda que os conflitos pareçam apaziguados, as ilustrações nos contam que há algo mais, que o conflito talvez nunca se resolva. Ou sua resolução não seja aquela que esperamos.

Afinal, pouca coisa na vida acontece como esperamos. E a literatura, como arte, vem para nos lembrar de nossa finitude. Assim, nós nos lembramos que estamos vivos. E Anthony Browne, com seu primoroso Na floresta, enquanto homenageia o universo dos contos de fadas vem nos lembrar que as coisas, mesmo as mais preciosas, também chegam ao seu fim.


Ficha Técnica:

Na Floresta

Anthony Browne

Tradução de Clarice Duque Estrada

ISBN-13: 9788566642124

ISBN-10: 8566642120

Ano: 2014 

Páginas: 32

Idioma: português

Editora: Pequena Zahar


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/na-floresta-372398ed420377.html

segunda-feira, março 28, 2022

Tudo é rio - Vidas na confluência da correnteza



Ler Tudo é rio, de Carla Madeira, é como se jogar na água corrente. É se debater na amarga doçura das palavras e degustar a dor de existências desencontradas. É experimentar um turbilhão. Romance de estreia de Madeira, Tudo é rio vem contar sobre Lucy, Venâncio e Dalva. Não só dessas vidas, mas de outras que se entrelaçam a estas. Lucy, que amava Venâncio, que amava Dalva, que amava sua própria dor.

Muitas são as dores ocultas nesse livro. Muitas também são as histórias. Cada uma escondendo uma dor e um prazer, num jogo de contrastes feito luz e sombra. Nos diversos e entrelaçados trajetos vamos sofrendo juntos essas dores e descobertas. É delicioso provar das palavras fortes e profundas de Carla Madeira. Cada frase parece ter sido cuidadosamente pesada e medida, gestada e parida. Sim, esse é um livro-filho. E na leitura que fazemos, acabamos grávidos das palavras de Carla Madeira.

Não é por acaso que em dado momento o bordado aparece na narrativa. A própria escrita de Tudo é rio nos parece um bordado cuidadoso. As vidas são bordadas no texto com todo o cuidado. Vidas que se vão revelando e já deixando em nós saudades. A tessitura desse romance prende no bordado nossos olhos. E para sempre ficamos enredados.

Como uma torrente incontrolável que tudo traga, a narrativa de Carla Madeira nos arrebata. Vamos levados pela enchente, por tantas e tantas águas. E nas sinuosas palavras da escritora, vamos descobrindo que nós, leitores, também somos rio.


Ficha técnica

Tudo é rio

Carla Madeira

ISBN-13: 9788566256086

ISBN-10: 8566256085

Ano: 2013 

Páginas: 216

Idioma: português

Editora: Quixote

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/tudo-e-rio-435848ed493822.html

segunda-feira, fevereiro 28, 2022

Onde está Tomás? - A infinita imaginação da criança



A mãe de Tomás o está procurando. Afinal, onde se meteu o menino? A casa em que moram é enorme e Tomás não está propriamente se escondendo, mas brincando e usando sua fervilhante imaginação para transformar o ambiente ao seu redor.

Assim se desenrola o livro de Micaela Chirif e Leire Salaberria, com tradução de Daniela Padilha. O texto é simples e evocativo, pois lança mão das expressões mais corriqueiras que alguém falaria à procura de uma criança em um ambiente seguro. O tom é de brincadeira, como se mãe e filho estivessem num descontraído e inacabável esconde-esconde.

Os desenhos são maravilhosamente produzidos, ilustrações que dialogam com o texto e o enriquecem, desdobrando diante de nós, leitoras e leitores, um universo infinito de criaturas imaginadas e existentes. A privilegiada imaginação de Tomás amplia e enriquece os objetos com os quais o menino interage, seja um unicórnio de brinquedo, seja a cortina estampada do banheiro, repleta de desenhos de araras. As cores fortes e vivas das ilustrações realçam ainda mais a riqueza visual da obra.

Tomás transforma cada cômodo da casa em um universo totalmente seu, onde a magia e o impossível acontecem. Enquanto isso, sua mãe prossegue na procura, até ser convidada a imaginar também. Fecha-se o elo, então. Mãe e filho mergulham em sonhos e devaneios.

Com um texto acolhedor e desenhos lindos, Onde está Tomás? é um livro de beleza e qualidade excepcionais, uma ode ao amor entre mãe e filho, homenagem à incansável inventividade das mentes das crianças.


Ficha Técnica

Onde está Tomás?

Micaela Chirif e Leire Salaberria

Tradução de Daniela Padilha

ISBN-13: 9788561695682

ISBN-10: 8561695684

Ano: 2019 

Páginas: 36

Editora: Jujuba Editora

Perfil do livro no Skoob:m

quarta-feira, novembro 10, 2021

Mitologias familiares

Levei da vó Conceição uma colherada na testa, por ter passado correndo na cozinha, enquanto ela fazia o almoço. Doeu um bocado. E na lembrança da dor veio também da sensação do pé descalço nos ladrilhos brancos e frios.

Vó Conceição não era braveza pura. Num dia, sentou-se ao meu lado e cantou de um ribeirão que secou e do alecrim, flor do campo. No sabiá que fugiu da gaiola ela tirou lágrimas de meus olhos.

Não eram apenas as canções que enchiam meus sonhos, mas muitas histórias. Falava da casa mal-assombrada onde pedaços de gente caíam do alto e se juntavam, até formar uma pessoa inteira. Ou da história do Galo Pelado, que assombrava tropeiros nas trilhas de Minas.

- Vó, por que o Tio Vando é careca? - perguntei sobre a calvície do seu filho mais velho.

- Foi quando ele carregou o melado quente no alto da cabeça, vindo da feira. Balançou o pote de melado que caiu na cabeça dele. Mandei ele raspar o melado pra frente, mas ele raspou pra trás. 

Nessas e noutras histórias, Vó Conceição me embalava. E assim dava lastro à minha imaginação. Vó Conceição fundou meu mundo de fantasias.

sexta-feira, novembro 05, 2021

Figura pétrea

Ele era um gigante. Enorme, de pele marrom e pouco cabelo na cabeça. Sempre muito sério, adorava falar em inglês. Conhecia outros idiomas, mas esse era o seu predileto. Diziam que aprendera sozinho, memorizando um dicionário. Achava essa história fabulosa e titânica. Sim, ele era um titã para mim.

Sua voz era grave, meio rouca. Uma voz que lembrava risada de Papai Noel. Além disso, sua voz também era forte, estrondosa. Ao chegar em casa, gritava: "Open the gate!" e nós corríamos para abrir o portão e recebê-lo. 

Ele também gostava de gritar com os âncoras do jornal. Sempre que algum deles falava algo que o contrariava, gritava: "Mentira!" Geralmente, tinha razão. Sua revolta era gerada pela hipocrisia que conseguia perceber nas falas de repórteres e entrevistados.

Meu avô nunca chorava e sorria pouco. Era um homem sisudo, sempre sério. Enérgico no que acreditava, muitas vezes chamou minha atenção dizendo que eu deveria aprender a falar inglês e outros idiomas. Sinto demais não tê-lo escutado.

Certo dia, cheguei à casa de meus avós e soube que a irmã do meu avô, chamada Rosa, tinha falecido. Fui até a sala onde meu avô estava. Ele se mantinha sentado em sua poltrona favorita, imóvel, como se fosse feito de pedra. Olhava fixamente para frente, sem dizer uma palavra. Respeitoso, perguntei como ele estava. Meu avô nada disse e eu não insisti.

Foi então que vi escorrer de seu olho esquerdo uma única lágrima. Ele não fez menção de enxugá-la. Deixou-a escorrer livre, até o queixo, onde se perdeu ao pingar na camisa. 

Essa única lágrima foi a primeira que vi no rosto de meu avô. 

sexta-feira, agosto 06, 2021

Niketche - Uma dança que muda o mundo



Rami é uma mulher amargurada. Há alguns dias que seu marido, Tony, saiu e não deu mais notícias. Ela desconfia da fidelidade dele, mas ainda não tem provas. Decide então descobrir a identidade da suposta amante e a verdade que se descortina a seus olhos é muito mais complexa e dolorosa.

Assim tem início Niketche: uma história de poligamia. Romance da autora moçambicana Paulina Chiziane. Ao descobrir cada um dos casos amorosos do marido, Rami despeja toda a sua amargura e desesperança como narradora. Ela ignora, porém, que seus atos provocarão uma mudança profunda nela e em todas as suas rivais.

Como narradora, Rami é uma voz melancólica e reflexiva. Desencantada com o mundo que massacra as mulheres e beneficia os homens, por mais que ela pense não haver esperança, suas atitudes são de uma resistência pacífica e tenaz. E tal resistência provoca impactos permanentes em seu casamento, bem como nas vidas que o atravessam.

Com uma narrativa pungente, dolorosa e repleta de digressões poéticas, Paulina Chiziane nos presenteia, leitoras e leitores, com um romance poderoso, um épico de amor e fúria.

(Descrição da capa: em fundo marrom, traços de corpos humanos se misturam e se entrelaçam. Os traços são feitos em diferentes tons de marrom, entre o claro, o avermelhado e o preto. Esses traços não possuem sexo, feições ou roupas, são contornos simples e vazados)


Ficha Técnica

Niketche: Uma história de poligamia

Paulina Chiziane

ISBN-13: 9786559210107

ISBN-10: 6559210103

Ano: 2021 

Páginas: 296

Idioma: português de Portugal 

Editora: Companhia de Bolso

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/niketche-20540ed11780226.html

quarta-feira, julho 14, 2021

O que é felicidade

Imagem de Free-Photos por Pixabay

O menino tinha um amigão. Era um amigo do peito. Especial. Eles estudavam na mesma escola, na mesma sala. Um dia, a professora deu um dever para a sala. Era para responder: O que é felicidade? O menino ficou aflito. Espremeu a cabeça um montão de vezes, mas a folha continuava em branco. Uma menina já de primeira falou, alegre: "Felicidade é quando minha mãe chega em casa". O menino gostou daquela resposta. Que pena que ele não tinha pensado naquilo.

O amigão chamou o menino para dormir na casa dele. Foi muito legal. Comeram sanduíches, tomaram sorvete, jogaram videogame até tarde. Seria aquilo a felicidade? O menino ficou pensando, antes de dormir.

No dia seguinte, foram tomar café com a família do amigo. O pai do amigo não estava, mas chegou ainda no meio do café da manhã. Ele passou a mão na cabeça do amigo, fazendo um cafuné nos cabelos bagunçados dele. Chamou o amigo de "filhão".

O menino sentiu uma coisa estranha no peito. Um tipo de buraco. Não conseguia se lembrar do seu pai. Nem sabia se tinha pai. Ficou na dúvida, perguntando para si mesmo se ele tinha ou não tinha pai. E se ele não tivesse pai? O que ele teria feito de errado para não merecer um pai?

E foi nessa hora que o menino entendeu. Foi nessa hora que ele descobriu que felicidade era ter um carinho como aquele. Felicidade era ter um pai pra chamar a gente de "filhão".

segunda-feira, julho 05, 2021

Édipo ao avesso


Penso em Telêmaco

como ele

fui um quase

órfão

Filho de um pai

ausente

como um deus.

E outro

presente

grande

também divino

abraãmico

E que podia

me pendurar pelas orelhas

se contestado.

Não fui como Telêmaco.

Tive dois pais.

E pelos dois 

Fui negado

à condição de 

Filho.

sexta-feira, maio 14, 2021

O abraço do ouriço - Sobre as muitas formas de mostrar carinho



A vida é tão trivial que chega a parecer um desfile de clichês. Sim, é verdade. Tem coisas que acontecem no mundo que parecem ter saído de uma novela. Algumas nos enchem de fúria. Outras nos levam às lágrimas. E nessa montanha-russa, por vezes somos agraciados por presentes do acaso. Mensagens que parecem até transcendentes de tão preciosas e acertadas, pois chegam justamente nos momentos em que mais precisamos.

E como a arte imita a vida - ou seria o contrário? - foi por meio de um livro que recebi um presente desses. Estamos já no segundo ano de uma pandemia que levou milhares de brasileiros. Centenas de milhares, na verdade. E desde o início de 2020, algo que nos é muito precioso nos foi tirado: a proximidade. Há pessoas que estão sem ter contato físico com quem amam há mais de um ano. Não podem tocar, sentir, abraçar suas famílias. É como se o abraço agora escondesse um perigo que, para muitos, é mortal.

Então vem um livro e traz um refrigério, vem de um jeito cálido dizer: "Calma, eu sei que é difícil, mas há outras formas de abraçar". Estou falando de O abraço do ouriço, livro de Adriana Barretta Almeida e Verônica Fukuda. É uma narrativa rimada, repleta da musicalidade da poesia. Sua história fala sobre um ouriço que deseja poder abraçar. Seus amigos, atentos e dedicados, buscam maneiras de atender seu desejo. Mas parece que nada é capaz de abrandar o furor de seus espinhos, ainda que tal furor seja involuntário.

O texto de Adriana Barretta Almeida é suave como uma brisa. Parece sussurrar em nosso ouvido, enquanto nos toma pela mão e nos faz caminhar junto com o pequeno ouriço. Enquanto isso, os desenhos de Verônica Fukuda combinam em suavidade com o texto, enquanto os belos e expressivos traços vão aprofundando nossa empatia por todas as personagens. E assim uma história de amor e cuidado vai se desenvolvendo aos nossos olhos e demais sentidos.

Como disse no início, há livros que parecem ter chegado na hora certa. E quando terminei de virar as páginas do magnífico O abraço do ouriço, eu me senti presenteado. Fui cercado pelo calor e pela certeza de ter tocado um tesouro. E também de sentir que até mesmo um livro é capaz de abraçar alguém.


Ficha Técnica

O abraço do ouriço

Adriana Barretta Almeida

Verônica Fukuda

Editora Aletria

Ano: 2020

Páginas: 44 

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/o-abraco-do-ourico-11907557ed11903503.html

quarta-feira, abril 14, 2021

Somos como uma ampulheta

Anncapictures

Somos como uma ampulheta 

Nossa passagem aqui é única

Acima de nós, a multidão de ancestrais 

Abaixo, descendentes sem fim

Sim?

A não ser que o tempo e o destino

Esses dois fanfarrões 

Encerre nossa passagem

Antes dos próximos grãos

Passarem.

terça-feira, março 23, 2021

Suka - Para Suzanna Medina Dias


Desde bem pequenina

Ela já era uma fortaleza

Com sua voz de menina

Esbanjava plena certeza.


Senhora, soberana rainha

Seu nome já proclamava

Quem diria, minha maninha

Um grande futuro aguardava


E fui testemunhando

A força dela crescer

Suzanna, desabrochando,

Mostrou que nasceu pra vencer!


Feliz aniversário, minha maninha. Amo você!


terça-feira, maio 19, 2020

Memórias de leitura

As memórias afetivas são um fator muito forte na vida de uma pessoa. Mais profundas do que meras lembranças, tais memórias carregam junto a si uma miríade de sentidos, sejam estes físicos ou não. São aromas, sons, superfícies e até outros sentidos ainda mais sutis, além das emoções que os mesmos carregam.

Durante o curso Infâncias e Leituras, um dos exercícios foi justamente evocar as memórias afetivas que tenho das leituras mais antigas de minha infância. Nao foi difícil resgatá-las, pois as visito com muita frequência, como lugar dentro de mim para me (re)visitar e (re)conhecer.

Existem duas memórias muito próximas e não sei qual das duas é a primeira. São memórias de dois livros: Marcelo, Marmelo, Martelo, de Ruth Rocha, e Flicts, de Ziraldo.

Uma das memórias mais antigas que tenho é a imagem de Marcelo correndo e gritando, com a boca enorme, para avisar que a casinha do cachorro estava pegando fogo. Outra imagem bem forte é da última imagem do livro Flicts, quando a gente descobre que a lua é dessa cor, Flicts.

No caso de Flicts, eu não me lembro de quem lia para mim. Talvez fosse a minha mãe, mas não tenho certeza. Já com Marcelo, Marmelo, Martelo, eu tenho a recordação do meu irmão mais velho, Arthur, rindo e dizendo: "Embrasou a moradeira do latildo!" Ele me contou a história do Marcelo e de sua confusão com as palavras e seus sentidos. Lembro-me que rumos muito com o caso. 

Talvez o meu irmão, no auge dos seus cinco anos, tenha sido o meu primeiro mediador de leitura.

sexta-feira, maio 15, 2020

Esperando Bojangles - A eterna valsa de amor e loucura

Imagem: Amazon
Não há família normal. Este é um fato. Algumas pessoas defendem, inclusive, que a incubação das maiores patologias mentais de nossa sociedade está no seio das famílias, com seus valores, sua tradição e sua religião. Mas quando uma família sai completamente dos padrões, quando a loucura passa a ser uma espécie de parâmetro, como lidar com isso?

Esperando Bojangles, do francês Olivier Bourdeaut, é um exemplo disso. O romance é narrado por duas pessoas - pai e filho. A narrativa tem início pela voz do filho, que relata com inusitada inocência os comportamentos nada usuais dos pais. Sua mãe, por exemplo, recebe a cada dia um nome diferente pelo marido. Eles mantêm uma vida despreocupada e quase inconsequente, mesmo tendo uma criança para criar. O casal bebe muito e dança ainda mais. São completamente apaixonados e sustentam uma atitude de afetado descaso às regras. O pai é a única pessoa que recebe um nome fixo na narrativa: Georges. Já o menino é chamado de nosso filho, quando é Georges que assume a narrativa.

Olivier Bourdeaut nos guia em um romance ligeiro e engraçado. As situações mais inusitadas vão se desenhando aos nossos olhos, enquanto uma história de amor e loucura nos arrebata em risos e lágrimas. Os capítulos que pai e filho narram são alternados e, contrapondo-se ao olhar infantil, nós leitores vamos conhecendo um Georges apaixonado que não se abala com a loucura da mulher. Ele a abraça com todas as suas consequências.

Assim, vamos descobrindo um pouco das peculiaridades e condições dessa família e do homem que é capaz de sacrificar literalmente tudo pela mulher que ama. Apesar do contraponto da narrativa de pai e filho, é interessante perceber que o mesmo ar inocente perpassa também as palavras de Georges, enquanto ele narra seu encontro com a mulher de mil nomes, a mãe de seu filho e senhora de sua vida. 

Existem outras personagens igualmente cativantes e pitorescas. Uma delas é Madame Supérflua, uma grou que foi resgatada em uma viagem do casal e passou a ser um bicho de estimação, com direito a colares de pérolas. Outra personagem é a figura de um senador corrupto, amigo de Georges e responsável por sua riqueza. O senador também não é nomeado no romance, sendo chamado apenas de "o Lixo".

Este é um romance que, apesar de suas poucas páginas, tem uma mensagem profunda, estrondosa. Nele, valores e tradições são questionados de uma forma que, se não fosse pelo humor, seria dolorosamente incômoda. Totalmente longe do politicamente correto, o romance apresenta personagens disfuncionais, mas extremamente harmônicos em sua mecânica interna. Mostra pessoas que decidem ignorar conceitos como lógica, costumes, reputação, para viver, com toda a sua loucura e entrega, uma história de amor. 

* Um agradecimento especial a Norma de Souza Lopes, por ter me indicado este maravilhoso livro.

Ficha Técnica
Esperando Bojangles
Olivier Bourdeaut
 Nenhuma oferta encontrada
ISBN-13: 9788551300862
ISBN-10: 8551300865
Ano: 2017 
Páginas: 128
Idioma: português
Editora: Autêntica Editora

domingo, maio 10, 2020

Vídeo: Minha Mãe Não é Legal - Loreto Corvalán

Olá! Para comemorar o Dia das Mães, compartilho com vocês a leitura do livro Minha Mãe Não é Legal, de Loreto Corvalán, traduzido por Andréia Nascimento. Vamos assistir?





Feliz Dia Das Mães para todas as mamães do mundo!

Ficha Técnica 
Selo: Rota Imaginária
Dimensões: 21 x 21
Autora: Loreto Corvalán
Ilustradora: Loreto Corvalán
Tradutora: Andréia Nascimento

sexta-feira, maio 08, 2020

Mamãe & Eu & Mamãe - A maternidade reconquistada

Maya Angelou é uma mulher incrível. Digo isso no presente porque, apesar de Maya já ter falecido, sua figura se mantém viva através de seu trabalho artístico, de seu ativismo, da força de suas palavras.
Autora de uma poesia potente e dona de uma mente incansável, Maya foi uma mulher forte e corajosa, uma desbravadora. Sua vida foi inaugurada por tragédias ainda muito cedo. Ainda assim, ela teve A força de superá-las, por intransponíveis que parecessem.

Um dos livros de Maya Angelou que retrata suas superações é Mamãe & Eu & Mamãe. Autobiográfico, o livro fala um pouco sobre essas tragédias, mas se foca principaente no resgate da relação entre mãe e filha e no quanto essa relação foi importante para Maya Angelou como artista, mulher e mãe. 

É interessante observar na narrativa a profunda e incontestável admiração que Maya sempre nutriu pela mãe. Inicialmente, tratava-se de uma admiração distante. Ela conta que sua mãe parecia uma artista de cinema, uma madame. 

O distanciamento se dava também pelo ressentimento. Quando era bem pequena, Maya foi enviada, junto com o irmão, para morar com a avó paterna. Eles só voltariam a morar com a mãe anos depois, quando Maya já estava no final da infância. Essa ausência teria causado em Maya e em seu irmão um distanciamento que parecia impossível de transpor. Tanto que ela não conseguia chamar Vivian de mãe, mas de "Lady".

A distância entre as duas, porém, vai sendo vencida pela franqueza, respeito e, sobretudo, pelo amor. Em nenhum momento, Vivian tentou se desculpar por ter mandado seus filhos para longe. Porém, ela se esforçou ao máximo para estar presente em suas vidas.

Foi impossível não me apaixonar pela pessoa de Vivian Baxter. Uma mulher altiva mas compassiva. Sempre disposta a ajudar, a tratar a filha como igual, sem deixar de oferecer a ela seu regaço de mãe. Repleto de fotos com Maya e Vivian juntas, trata-se de uma obra cálida e terna. Mamãe & Eu & Mamãe é uma homenagem e uma declaração de amor, além da mensagem forte de que com amor e dedicação, as relações de mãe e filha antes distantes entre si podem se transformar em laços impossíveis de serem rompidos. 

Ficha Técnica 
Mamãe & Eu & Mamãe
Maya Angelou
ISBN-13: 9788501114136
ISBN-10: 8501114138
Ano: 2018 
Páginas: 176
Idioma: português
Editora: Rosa dos Tempos

Perfil do livro no Skoob:

quarta-feira, maio 06, 2020

O que eu aprendi com meus leitores


Com meus leitores aprendi que não há preconcepção que não possa ser desconstruída. Aprendi que muitas vezes a criança que mais atrapalha é justamente a que mais está gostando da leitura e não sabe como dizê-lo. Aprendi que não há como a criança para quem eu leio gostar de um livro se eu mesmo não gostar.

Foram muitas as descobertas. Aprendi a não olhar a criança com superioridade. Nossas inteligências e experiências apenas são diferentes. Entender a criança a partir de uma horizontalidade e uma disposição de escuta é muito importante.

Com meus leitores eu aprendi que sempre é possível ser surpreendido e esperar o retorno das crianças, antes de tirar conclusões precipitadas. Quando eu achava que a criança já estaria consada de tanta leitura, ela pedia mais. Quando eu pensava que um texto específico já estaria batido e desinteressante, as crianças queriam que o mesmo texto fosse lido mais de uma vez sequida.

Aprendi que a leitura compartihada com as crianças é uma experiência de intensa troca, de constante descoberta. Nós estamos lendo para elas, mas elas também nos estão lendo. Elas buscam conexão.

A leitura compartilhada para as crianças é como um jogo. Não é um ato meramente protocolar. Trata-se de uma brincadeira também, assim como as demais atividades da criança são, para ela, como brinquedo. 

Ao mesmo tempo, a leitura compartilhada é também um momento para a criança descobrir outras formas de se relacionar com o mundo. O momento de silenciosa escuta. O momento de abrir a janela para dentro.

segunda-feira, maio 04, 2020

Meu caminho como leitor

Cada leitor tem um percurso único. Cada leitura também é única, a meu ver. Contudo, existem aproximações, interseções, que nos ajudam a entender nosso percurso como algo maior, mais amplo, cujos contornos nos ligam a tantas pessoas diferentes de nós.

Durante o curso Leituras e Infâncias, fui convidado a evocar de minha memória os momentos em que tive contato com a leitura em voz alta, quando ainda era criança.

Existe um momento especialmente marcado em minha infância. Eu tinha por volta de 9 anos. Cheguei à sala de casa e vi meu padastro lendo O Pequeno Príncipe. Ele estava sentado no sofá, em silêncio. Eu me sentei ao seu lado e ele, ao perceber, começou a ler um trecho em voz alta. Era justamente o trecho em que o príncipe e a raposa conversam sobre os sentidos da palavra cativar.

De repente, eu senti lágrimas escorrendo de meus olhos. Eu chorava, de tão emocionado que estava com o amor que a raposa e o príncipe haviam cultivado um pelo outro.

Houve outros momentos de leitura. Lembro-me de segurar em minhas mãos livros de contos de fadas, enquanto alguém lia para mim. Um dos contos era A pequena vendedora de fósforos, de Andersen.
A imagem era vívida e quase se podia sentir o frio que acometia a pequena menina. Assim como o calor da luz que a iluminou enquanto voava em companhia de sua avó.

E por falar em avó, a mãe de minha mãe contava histórias para mim. Algumas eram assombradas. Outras, cômicas. Sua voz soava tranquila, quase num sussurro, enquanto ela me guiava por caminhos de fantasia. 

Outra provocação do curso foi me fazer ponderar sobre o que teria facilitado meu percurso como leitor, bem como o que teria dificultado o mesmo.

A proximidade com os livros facilitou muito a minha formação leitora, ao mesmo tempo que a religião a dificultou. A partir da visão cristã, havia livros impróprios, histórias malditas, por falarem de magia, bruxas e monstros. Essa ideia não perpassou minha infância, mas contaminou com muita força parte da minha adolescência e me afastou dos livros. Em certa época, tornei-me leitor quase exclusivamente da bíblia e de livros religiosos.

Existe outro dificultador em relação a minha formação leitora, que foi o fato de ter morado no interior de Minas Gerais. A cidade em que eu morava, embora não fosse muito pequena, não contava com biblioteca ou livraria. O acesso a livros novos também era difícil, pois estes eram caros. Por isso, eu geralmente recebia livros usados, comprados em sebos de Belo Horizonte, ou doados por familiares. Tenho em meu acervo até hoje livros com nomes de parentes na contra-capa. 

A verdade é que eu tinha muita dificuldade em ler, nos primeiros anos. A partir da terceira série, porém, fui apresentado a livros da série Vaga-lume por minha mãe. Ela havia sido encorajada a isso por minha professora. Eu estava no quarto ano, antiga terceira série. 

A professora recomendou a minha mãe que não me obrigasse a ler, mas fizesse sutis sugestões. Os livros eram mostrados, oferecidos, mas nunca impostos. Essa ausência da imposição aguçou minha curiosidade. A partir do livro O caso da borboleta Atiria, minha paixão pelos livros teve início e tal fogo nunca mais se extinguiu.

Acho que essa premissa, a de nunca forçar ou obrigar uma leitura, foi fundamental para não me afastar dessa nova possibilidade. Assim, quando os livros se tornaram um lugar seguro para mim, um abrigo e uma casa, pude ter sempre em mente que ler é, antes de tudo, um convite. 

quarta-feira, abril 29, 2020

A biblioteca, as leituras de afeto e a oportunidade de escolha

Bruna e Sophia são crianças que por cerca de dois anos visitaram a Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, onde trabalhei. Levadas por suas mães aos sábados, em geral mensalmente, essas meninas faziam questão que eu acompanhasse suas escolhas e que lesse para elas. 

Durante esse período, fizemos várias descobertas de bons livros. Alguns eu oferecia para ler, mas elas logo rejeitavam. Outros, pediam para que eu interrompesse a leitura pela metade. Havia aqueles, porém, que as encantavam a ponto de pedirem que fossem lidos novamente. 

Tanto a mãe de Sophia quanto a de Bruna são leitoras. Elas trocavam comigo suas experiências de leitura, o que tornava mais rica a mediação com as crianças. Além disso, ambas levavam muitos livros para casa, depois de longa exploração do acervo.

Sophia costumava exigir total dedicação. Já Bruna aceitava dividir minha atenção com outras crianças. Havia momentos em que elas participavam de oficinas literárias ou narrações de histórias. Contudo, a maior parte de nossas interações acontecia em leituras que eu fazia para elas, a partir de livros que escolhiam entre os exemplares disponíveis no acervo.

Foi fundamental o compromisso que as mães de Bruna e Sophia assumiram com a leitura e com a visitação à biblioteca. Mais ainda, elas deram às filhas, na mais tenra idade, o direito de escolher suas leituras. Esse protagonismo foi assumido pelas crianças com muita propriedade e consciência.

Existem muitas outras crianças, bem como suas mães e seus pais, que dão vida aos sábados da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil. Assim como há inúmeras crianças e suas famílias que frequentam as 22 bibliotecas culturais de Belo Horizonte e tantas outras bibliotecas, espalhadas pelo país. Porém, decidi registrar aqui essas experiências com as duas meninas e suas mães pelo exemplo que elas são, de afetividade, de compromisso, de busca pelo prazer da literatura e pela silenciosa mensagem de que a Biblioteca é um lugar de muitos encontros.