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sexta-feira, agosto 13, 2021

Amoras - Quando o Amor nos leva pela mão


Por vezes, quando a gente começa uma leitura, é importante se portar como uma criança, enquanto a voz narrativa é a pessoa adulta que nos toma pela mão e nos mostra as grandezas do mundo escondidas nas pequenas coisas. Há livros que fazem justamente isso com a gente.

O que dizer sobre Amoras, do Emicida? Um texto cheio de carinho e com profundidade. Há muito afeto nesse livro que fala de autoestima, de uma força que se revela na delicadeza. A partir do diálogo entre uma criança e seu pai, vai sendo tecida uma reflexão profunda, capaz de desconstruir preconceitos e estabelecer novos paradigmas.

Como algo tão pequeno, como as amoras, pode crescer tanto, a ponto de ser do tamanho do mundo inteiro? Pela genialidade do poeta, mas também pelo olhar infantil, que subverte valores e transcende a realidade.

Assim, além de evocar carinho e a afetividade, Emicida também homenageia grandes nomes da luta pela igualdade e justiça, sem assumir um discurso simplista ou panfletário.

Aldo Fabrini, com suas formas arredondadas e cores vivas, busca conferir às imagens todo o afeto presente no texto, criando um ambiente harmônico, pacífico, para a mensagem poética de Emicida frutificar.

Palavra e imagem em Amoras bailam com graça e leveza, tomando a leitora pela mão e fazendo uma leitura de sonho, um momento de entrega, um presente encantado.


(Descrição da imagem: Mão segura um livro retangular horizontal. Em fundo vinho, desenho de rosto do nariz para cima, com cabelos pretos, pele escura, olhos redondos, nariz alongado, orelhas pequenas. Os olhos estão voltados para cima, onde está o título do livro: AMORAS, sendo cada letra em uma cor, nas sequências rosa, amarelo e azul. Acima do título, o nome EMICIDA. Abaixo, à esquerda, Companhia das Letrinhas e à direita, ilustrações Aldo Fabrini. Além do livro há uma estante branca com as lombadas de outros livros)

Ficha Técnica

Amoras

Emicida

Desenhos de Aldo Fabrini

ISBN-13: 9788574068367

ISBN-10: 8574068365

Ano: 2018 

Páginas: 44

Idioma: português

Editora: Companhia das Letrinhas

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/amoras-806507ed810638.html

sexta-feira, julho 02, 2021

O Conto da ilha desconhecida - Sobre um lugar chamado "aqui"


Saramago é um mestre em contar histórias. É muito difícil ficar insensível a essa habilidade do escritor português. Quem já leu um de seus livros sempre fala de como teve sua vida marcada pela leitura. Não seria diferente em O conto da ilha desconhecida.

Nesta narrativa, ele conta de um homem que deseja encontrar uma ilha que ninguém ainda descobriu. Para isso, ele vai ao rei, pedir um barco. Batendo com insistência à porta das petições, ele é atendido por uma mulher, que deve levar sua solicitação, sendo que esta passará por longa cadeia de comando até chegar ao soberano.

Começa assim uma divertida aventura sobre buscas e descobertas. De forma dialógica e perspicaz, a dupla vai se entendendo e também amadurecendo suas ideias sobre tão desafiadora expedição. Nessa narrativa, portanto, tendemos a concluir que a tão desejada ilha desconhecida nada mais é que o próprio coração humano.

Seguido pela mulher que o atendeu à porta, após ter seu pedido garantido pelo rei, o homem parte para o trabalhoso processo de se preparar para tão arriscada empreitada. E vai descobrindo que ir em busca de um sonho não é nada fácil, a ponto de ser um sonho o próprio ato de "buscar o sonho".

Como uma bela e divertida alegoria, cheia de humor e graciosidade, O conto da ilha desconhecida é uma deliciosa narrativa que, ao seu final nos faz de cara sentir saudade da história e pedir por mais.


Ficha Técnica

O conto da ilha desconhecida

José Saramago

ISBN-13: 9789723704242

ISBN-10: 9723704242

Ano: 1997 

Páginas: 64

Idioma: português de Portugal 

Editora: Companhia das Letras


Página do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/1438ED1943

terça-feira, junho 15, 2021

Lido: Ideias para adiar o fim do mundo - Ailton Krenak



Encerrei de uma vez. Um mergulho em outra forma de pensar. Um livro que é ligeiro e afiado como a ponta de uma flecha.


Ideias para adiar o fim do mundo

Ailton Krenak

ISBN-13: 9788535932416

ISBN-10: 8535932410

Ano: 2019 

Páginas: 88

Idioma: português

Editora: Companhia das Letras

sexta-feira, agosto 23, 2019

Uma Chapeuzinho Vermelho - As pequenas forças contra os grandes monstros

Uma menina sozinha em seu caminho. Dante dela, surge um lobo. Ele é enorme e está faminto. Essa menina, que veste um chapeuzinho vermelho, tem diante de si um perigo terrível.

Assim começa uma das histórias mais antigas do universo infantil. Readaptado e recontado diversas vezes, o conto Chapeuzinho Vermelho aparece em inúmeros formatos e releituras. Por causa de tantas versões, há que se pensar que o tema já esteja alcançando um certo esgotamento. 

Até sermos apresentados ao livro Uma Chapeuzinho Vermelho, de Marjolaine Leray. Trata-se de uma obra completa, com um texto que ganha em simplicidade e humor. Os traços são expressivos e dialogam abertamente com o universo infantil, uma vez que simulam os rabiscos que as crianças fazem com giz de cera.

O equilíbrio entre texto e imagem concedem à narrativa um caráter fortemente cênico. Enquanto lemos, estamos vendo uma tela em ação. Há muitos silêncios que são completados pela expressividade dos desenhos de Marjolaine Leray. 

As principais referências ao conto original estão lá, mas transformados em ganchos de humor e ironia. O lobo se torna totalmente caricato. Com seus dentões, seus olhos enormes e ferocidade, ele vai sendo desconstruído, diante de uma menina que não tem medo. Ou melhor, uma menina que sabe vencer o medo através da curiosidade e da malícia propriamente infantil.

Uma Chapeuzinho Vermelho também dialoga com o universo dos cartoons, ao apresentar uma heroína pequena e forte, diante de um vilão virtualmente superior. Ela não teme sujar as mãos e não se importa em usar da violência sutil diante de seu inimigo. E de mau, o lobo se torna bobo, ou melhor, bobinho. 

Em um tempo em que a força é alardeada e que as minorias são ridicularizadas por homens brancos e preconceituosos, Uma Chapeuzinho Vermelho é uma alegre lembrança de que ainda podemos rir dos monstros, estejam eles em florestas, palanques ou tribunas.

Ficha Técnica
Uma Chapeuzinho Vermelho
Marjolaine Leray
Ano: 2012
Páginas: 44
Idioma: português
Editora: Companhia das Letrinhas

sexta-feira, maio 03, 2019

O livro das semelhanças - um envolvente labirinto de significados

Neste final de semana, terminei a leitura de O livro das semelhanças. Escrito por Ana Martins Marques, uma das maiores vozes da poesia contemporânea, este livro foi como um mapa que se desdobrava e cujas legendas iam mudando à medida que eu olhava novamente. Um mapa que ao mesmo tempo era um labirinto.

Ana Martins Marques é uma poeta premiada, vencedora de prêmios como o da Biblioteca Nacional. Porém, arrisco dizer que ainda assim nenhum prêmio faz jus ao seu trabalho artístico. Sei que não tenho qualquer credencial para auferir juízo de valor à poesia de alguém, a não ser a de leitor. Portanto, posso dizer que, para mim, Ana Martins Marques tem uma obra que ultrapassa a literatura e lança profundas raízes no campo da filosofia.

Sendo assim, os poemas que compõem O livro das semelhanças são profundos e equilibrados, ricos em vozes e sentidos. Como um prisma que decanta os espectros da luz, a poesia de Ana Martins Marques decanta a palavra em seus múltiplos sentidos.

Ficha Técnica
O livro das semelhanças
Ana Martins Marques
Companhia das Letras
Ano: 2015
Páginas: 112
Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/o-livro-das-semelhancas-516449ed523318.html

sexta-feira, maio 04, 2018

Te vendo um cachorro - Ingenuidade, malícia e o fazer artístico

Teo tem um grave problema. Ele foi praticamente acusado de estar escrevendo um romance. Sua vizinha de andar, maliciosamente batizada de Francesca, é a autora e disseminadora de tal delírio. Por conta disso, Teo é continuamente incomodado pelos demais moradores do prédio: um conjunto de fanáticos literatos, membros de um clube de leitura hardcore liderado pela própria Francesca.
O pior de tudo é que Teo nunca teve qualquer pretensão de escrever um romance. Ele é apenas um vendedor aposentado de tacos e agora deseja passar o fim de seus dias em suave embriaguez, lançando cantadas às senhoras solteironas que o cercam.
Assim, a partir desse enredo tragicômico, o leitor é convidado a se aventurar pelas páginas do romance Te vendo um cachorro, último volume da trilogia de Juan Pablo Villa-Lobos sobre o México.
Ambientado na Cidade do México, a narrativa assume um foco bem diferente dos seus antecessores. Se no primeiro o narrador é uma criança que habita uma isolada fortaleza do narcotráfico, e no segundo é um jovem morador de uma pequena cidade do interior mexicano, agora temos um narrador vivido e experiente, com toda a manha e canastrice de um cachorro velho que viveu em um ambiente mais complexo, tanto pelo lugar populoso, quanto pelo ofício cheio de artimanhas. Em dado momento, Teo começa um diálogo insólito com a frase que dá nome ao romance, criando uma situação absurdamente cômica.
É interessante observar que, embora não tenha interesse algum em escrever o tal romance, Teo tem um passado ligado ao fazer artístico. Seus devaneios, apontamentos e memórias perpassam angústias e ciladas que surgem na travessia de qualquer artista. E nosso anti-herói ainda declara com muito orgulho que seu ofício como taqueiro não deixa de ser um fazer artístico.
Assim, temos durante a leitura cenas que apresentam o impulso do artista como algo ingênuo e ao mesmo tempo malicioso. A ingenuidade estaria nas memórias de Teo, em sua juventude, quando ele desejava ser artista plástico e esboçava em seu caderno sua visão inexperiente de mundo através de desenhos. Já a malícia cerca o velho taqueiro alcoólatra, devasso, sempre pronto para comprar uma pílula azul e por isso passa a maior parte do tempo sendo enxotado pelas mulheres que ele canta. 
É assim que jovem e velho se aproximam, através da alegoria da mulher como musa inalcançável, embora sempre próxima. E a única forma de tocar a musa é através da arte. Seja por desenhos, palavras, ou por um delicioso taco, feito da carne do melhor vira-lata que foi possível encontrar.

Ficha Técnica 
Te vendo um cachorro
Juan Pablo Villa-Lobos 
Companhia das Letras 

sexta-feira, abril 20, 2018

Festa no Covil - sobre uma torre de palavras e sangue

Tóchtli é um garoto diferente. Confinado na fortaleza de seu pai, Yocault, o menino cresce em um ambiente adulto demais para ele. Seu pai é líder de um poderoso cartel mexicano e construiu sua fortaleza no meio do deserto. Tóchtli não conhece outras crianças, apenas pessoas ligadas às atividades ilícitas do pai, com excessão do tutor. Ele cresce sem referências infantis, apenas adultas. Inteligente e observador, o menino vai narrando as insólitas experiências ligadas ao brutal universo das drogas.
Assim tem início o enredo de Festa no Covil, de Juan Pablo Villa-Lobos. O romance é o primeiro da trilogia sobre o México e apresenta com um humor que oscila entre a inocência e a malícia infantis um dos aspectos mais violentos da realidade mexicana.
É interessante observar como Tóchtli se apresenta como um menino precoce e bem resolvido, a despeito das constantes dores de barriga, provavelmente de origem psicológica. Como uma espécie de "Rapunzel moderna, o menino vive isolado em sua fortaleza, tendo como principal passatempo colecionar chapéus e palavras difíceis. 
Outra observação que faço é a curiosa escolha do autor em dar apenas nomes astecas para suas personagens. Talvez seja um código estabelecido pelo próprio Yocault, para o caso de serem alvo de alguma investigação policial. Ou algo ainda mais complexo, como se esta fosse, de alguma maneira, uma faceta distorcida de resistência do povo mexicano. 
Considero genial a relação que o menino tem com as palavras. Cercado de "eufemismos", Tóchtli constrói sua rede de significados a partir do que observa e também através dos ensinos que recebe de um professor particular.
O romance de Villa-Lobos é envolvente, tanto pela escrita quanto pela empatia que o leitor vai estabelecendo com aquele menino solitário. Por vezes, a descrição de uma realidade cruel arranca risadas por sua fina ironia, pois Tóchtli ainda não tem condições de entender de fato o que se passa. Como exemplo, temos a cena em que o menino narra o momento em que um homem é levado à presença do chefão Yocault  espancado e depois retirado da sala, para ser executado. Tudo isso é narrado pela criança, que brinca com as palavras e fala como se de fato entendesse o que está se passando. 
Por vezes, esse olhar desprovido de experiências funciona como uma espécie de filtro, que desconstrói e expõe a crua realidade do meio em que o menino vive.
Elaborado e Inteligente, o texto de Villa-Lobos exerce um magnetismo sobre o leitor, provocando, instigando e incomodando a cada nova página. Assim, Festa no Covil é uma rica experiência de leitura sobre o exercício da força em seu estado bruto. E como essa mesma força, como um castelo de cartas, é frágil e precisa de um movimento para desabar.


Ficha Técnica 
Título: Festa no Covil
Autor: Juan Pablo Villa-Lobos 
Editora: Companhia das Letras 

quinta-feira, março 01, 2018

A parte que falta - Uma ode ao que não está lá

Falta uma parte. Ele percebe essa falta. Mais que percebe: ele a vive. Uma ausência que tolhe seus movimentos, que define sua existência, que impulsiona seus atos, que influencia seus planos. Por causa dessa falta, ele empreende uma longa e incerta busca, sem ao menos ter certeza se alcançará êxito e encontrará aquilo que preencherá esse grande vazio, essa falta que molda sua identidade. Mas ele não está triste. Sente uma esperança inabalável, uma fé profunda de que a parte que lhe falta está lá, em algum lugar, a sua espera.

Assim começa o maravilhoso livro A parte que falta, do escritor norteamericano Shel Silverstein. Um personagem sem nome, redondo, que rola quase sem parar, pois precisa alcançar o seu objetivo. O protagonista dessa narrativa, quase como um Pac-Man, prossegue em uma incansável e ávida busca. Precisa estar completo, precisa preencher justamente aquela parte que falta, para que ele se torne um círculo e possa rodar livremente. 

Sua esperança move dentro dele uma canção, que ele entoa enquanto atravessa os mais diversos obstáculos e enfrenta inúmeros desafios.

Um dos elementos mais fortes no traço de Silverstein é a simplicidade e, ao mesmo tempo, a incrível fluidez de seus desenhos. Não é preciso um cenário complexo ou um personagem rebuscado. A roda incompleta que é o herói dessa história pode ser qualquer um, eu ou você, o que torna a identificação do leitor com o protagonista algo quase certo. Além disso, o texto é carregado de um humor leve e descompromissado, apesar da profundidade com que Shel Silverstein aborda esse tema. Dessa forma, o autor cria uma obra singela, única, em que imagem e texto produzem um ambiente que nos arranca risos e, ao mesmo tempo, pode nos fazer chorar a qualquer momento.

É impressionante como Silverstein consegue, com o mínimo de palavras e imagens, criar uma narrativa tão densa e, em contrapartida, leve como o voo de uma borboleta. Tal fato vem apenas comprovar a genialidade do mesmo autor de A árvore generosa.

Com uma poética simples e poderosa, traços mínimos e ao mesmo tempo incrivelmente expressivos, A parte que falta é um livro que se abre para dentro, convidando o leitor a experimentar a ambígua beleza que pode haver na incompletude.

Ficha Técnica:
A parte que falta
Shel Silverstein
Tradução de Alípio Correia de Franca Neto
Editora Companhia das Letrinhas

sexta-feira, abril 07, 2017

Alta fidelidade: Sobre som, tristeza e crescimento


Sabemos que toda pessoa passa por um período de avaliação interior, uma espécie de balanço emocional, muitas vezes na passagem da juventude para a meia-idade. Em muitos casos, a motivação dessa auto-análise está na insatisfação que surge quando a pessoa compara a realidade com as expectativas que tinha, sobre si mesma, no passado. 
De certa maneira, o excelente romance de Nick Hornby, Alta fidelidade, explora uma situação como essa. É uma obra impactante e ágil, repleta de referências da cultura pop sem soar clichê, além de conter um tom coloquial saboroso e equilibrado, prova tanto da competência do autor quanto do tradutor.
Alta fidelidade nos apresenta Rob, narrador de sua vida, com trinta e cinco anos e uma coleção de relacionamentos fracassados. A narrativa tem início numa espécie de discurso imaginário que ele faz para a última ex-namorada, Laura, contando sobre os piores foras que tomou na vida. Rob chega a culpar um desses foras pelo seu fracasso profissional e amoroso. 
Ao longo do livro, porém, o leitor tem a oportunidade de ver Rob se entregando inúmeras vezes, com atitudes machistas, imaturas e egoístas. Ele despreza o trabalho como dono de uma loja de discos quase quebrada, bem como seus excêntricos funcionários e "quase amigos", o tímido Dick e o espalhafatoso Barry. Tudo nele parece incompleto, como sua enorme coleção de discos e fitas cassete. 
Há inclusive um excelente paralelo entre gravar um cassete e escrever. Ambos exigem tempo, esforço emocional, consciência e disposição para começar de novo. Assim como nos relacionamentos. E essa é outra das provas do talento de Hornby, pois seu romance mostra uma gama de personagens autênticos e fascinantes, mostrando o quanto as pessoas podem ser contraditórias e como crescer pode se mostrar solitário e assustador.
Com um ritmo ligeiro e engraçado, rico em referências musicais, Alta fidelidade certamente é um daqueles livros capazes de marcar aquele que se aventure por suas páginas.

Ficha técnica
Autor: Nick Hornby
ISBN: 9788535923025
Ano: 2013
Páginas: 312
Idioma: português
Editora: Companhia das Letras

sexta-feira, maio 27, 2016

Lolô - Sobre medos compartilhados

Como seria a amizade entre um lobo e um coelho? No mínimo, inusitada. Afinal, lobos são tradicionais predadores de coelhos. Seria possível que a inteligência, o afeto e a empatia superassem a distância natural entre predador e presa? 
Essa é a premissa da belíssima fábula moderna de Grégoire Soloitareff. Tom é um coelho educado e sensível que conhece Lolô, um jovem lobo que nunca havia visto um coelho antes. Lolô está em uma situação complicada e Tom se oferece para ajudar. Assim, nasce entre eles uma improvável amizade, construída através da convivência e, principalmente, da disposição de Tom em ajudar um inimigo histórico de sua espécie. 
A narrativa de Soloitareff é leve e enxuta. Ele não se perde em detalhes e procura narrar o essencial. Além disso, o traço de seu desenho é forte, de cores marcantes, dando uma aparência bruta ao jovem lobo, sem no entanto deixar de lhe conferir elementos de doçura, como seus olhos tão expressivos. E o que Lolô tem de forte, Tom tem de delicado, tanto por sua pequena estatura quanto por suas formas arredondadas e de linhas mais tênues. Assim, através do desenho, o autor acentua as discrepâncias entre os dois, criando uma tensão que culminará no clímax da narrativa. Poderá a amizade superar o medo e a ameaça velada? E o lobo terá força para perceber no coelho mais do que uma simples presa? Será ele capaz de se colocar no lugar do amigo para sentir seus medos e incertezas?
Assim, Lolô se consagra em mais uma belíssima obra da literatura infantil contemporânea, uma alegoria pungente e delicada sobre a importância de se buscar a empatia pelo outro para superação das diferenças.

Título: Lolô
Autor: Grégoire Soloitareff
ISBN-13: 9788574065854
ISBN-10: 8574065854
Ano: 2013
Páginas: 32
Idioma: português
Editora: Companhia das Letrinhas

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/lolo-333580ed373867.html

sexta-feira, janeiro 25, 2013

Habibi - O Traço do Amor

Fonte: divulgação da editora

Há tempos tenho pensado em resenhar mais um livro de quadrinhos. Não sou um leitor fiel de quadrinhos, sou um humilde amante da letra. Mergulho nesse caldo de traços e riscos e deles crio imagens diversas, algumas tão vívidas que parecem de fato invadir a realidade. No caso dos quadrinhos, a relação acaba sendo ainda mais controversa. Costumo ler de tudo, apesar de ser um convicto e declarado amante dos mangás. Mesmo assim, continuo me aventurando na senda das resenhas sobre quadrinhos autorais, mais conhecidos com as Graphic Novels

E falando nas mesmas, tive agradáveis surpresas nos últimos dias. A Biblioteca onde trabalho conta também com uma enorme Gibiteca, que abriga em seu acervo por volta de 25 mil gibis. É muita coisa, eu sei, mas tem muita coisa boa saindo e por isso houve uma atualização no acervo, com obras que muito me impressionaram. Eu queria falar de todas aqui, mas não falarei delas. Não agora.

Quero na verdade falar de uma outra surpresa e esta bastante especial, que foi o presente de aniversário que recebi do meu amigo Rodrigo Teixeira. Certo dia, cheguei à Biblioteca e havia em minha mesa um grosso volume chamado Habibi, com nada menos que autoria do ilustre Craig Thompson.

A narrativa se passa em um futuro distópico, numa região dominada culturalmente pelo Islã. Certas práticas como o escravagismo retornaram e os recursos naturais estão escassos. Nesse cenário, uma menina de doze anos chamada Dodola, recém-escravizada, adota um garotinho negro de três anos. Com perseverança e uma certa dose de sorte, ambos conseguem escapar da feira de escravos. Refugiam-se então em um barco abandonado no meio do deserto, onde passam a viver. O garotinho, cujo nome antes era Cam, recebe por parte de Dodola o nome de Ram, pois ela acreditava que o nome Cam, proveniente de um dos filhos de Noé, carregava um estigma muito pesado.

Assim, a história se desenvolve no dia-a-dia desse inusitado casal, abordando seu crescimento, suas dúvidas e sentimentos. Thompson usa de maestria ao adotar uma narrativa não-linear, recheada de referências ao Corão, à Bíblia e com certo tom de Mil e Uma Noites. No caráter distópico desse magnífico trabalho, Craig Thompson dá vida a um mundo que mescla elementos cyberpunk com uma cultura oriental árabe, o que torna a leitura de Habibi uma grande e prazerosa aventura.

Além da força narrativa que esta obra contém, vale ressaltar o lirismo que Craig Thompson concede ao seu trabalho, numa minúcia estética que vai desde a forma com que cada cena é construída até a forma com que o autor homenageia a caligrafia árabe, com arroubos magníficos que vão da metalinguagem à exploração estética.

O sentido da palavra Habibi é "meu amado", usada para se referir a alguém do sexo masculino, segundo a Wikipédia (http://en.wikipedia.org/wiki/Habibi). Assim, com esse belíssimo título, Craig Thompson coroa sua obra, tornando-a não somente uma homenagem à belíssima cultura árabe, mas principalmente ao Amor.


Ficha Técnica

Autor: Craig Thompson
Edição: 1
Editora: Quadrinhos na Cia
ISBN: 9788535921311
Ano: 2012
Páginas: 672
Tradutor: Érico Assis

sexta-feira, setembro 28, 2012

Retalhos - Sensibilidade e memória

Um mergulho em pedaços de memórias alheias, com suas cargas de beleza e feiura, faz a leitura de Retalhos, de Craig Thompson, uma experiência realmente compensadora. Mais que uma graphic novel, esta se constitui um relato vívido e belo sobre família, religião e, sobretudo, escolhas.

Narrado de forma fragmentada e irregular, como uma colcha de retalhos deve ser, o trabalho de Craig Thompson denota principalmente uma sinceridade quase desconcertante. Seus personagens são francos, diretos, sem meias-palavras. Tanto a crueza quanto os momentos da mais sutil beleza são mostrados de forma explícita, mas nunca banal. O narrador, inserido de tempos em tempos, além de reforçar o caráter intimista da história, também funciona como fio condutor, que vai manter unidos os quadros que formam essa grande narrativa.

Craig conta através de sua graphic novel os períodos mais importantes de sua juventude, considerados cruciais para a formação de sua personalidade adulta. Criado no seio de uma família cristã em uma cidade do interior do estado de Wisconsin, o jovem Craig cedo se depara com mensagens fortes sobre culpa, retidão e inferno. Impressionado e buscando uma saída contra a condenação evangélica, o garoto desenvolve uma profunda religiosidade, reforçada ainda mais por seu caráter introspectivo e sua alma sensivel de futuro artista.

Assim, gradativamente, Craig vai descobrindo a hipocrisia religiosa, tanto nas instituições quanto nas pessoas que as reforçam, na ignorância "abençoada" de muitos fieis, na infelicidade decorrente da mensagem truncada e floreada de muitos grupos religiosos. Seu trabalho, apesar do tom crítico, é desprovido de cinismo de alguém amargo com a vida, que se considera "enganado" pelo antigo fervor evangélico. Craig Thompson cultiva o tom de uma pessoa que conseguiu resolver seus dilemas internos e apaziguar a própria alma, entendendo a importância que sua religiosidade teve em sua vida e aceitando seu ceticismo com naturalidade. Como destaque nesse processo está seu relacionamento com Raina, uma jovem com quem desenvolve uma amizade que rapidamente caminha para uma paixão forte e transformadora. Através dessa paixão tão intensa e pura ele desmistifica o pecado, encontra a beleza que transcende a moralidade religiosa e alcança a maturidade.

Dessa forma, sua obra soa ainda mais bela e profunda, carregada de uma poesia simples, mas repleta de maneirismos em que os exageros surgem com tal graça que se justificam na construção de imagens líricas em sua plena medida. Uma jornada ao passado, uma forma de refletir o presente, Retalhos é certamente um dos trabalhos mais belos, uma obra de sensibilidade ímpar.


Fica Técnica
Título: Retalhos
Autor: Craig Thompson
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2009
Páginas: 592
Tradutor: Érico Assis

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/29153

sexta-feira, julho 27, 2012

Luka e o Fogo da Vida - Mundos de Pura Magia

O menino Luka passa por uma prova de fogo. Literalmente. 

Seu pai, o contador de histórias Rashid Khalifa, também conhecido como o Xá do blá-blá-blá, encontra-se vítima de um terrível feitiço, que o fez cair em profundo sono. Em seu lugar, surge então uma estranha e dúbia entidade, chamada Ninguémpai, que tem a mesma aparência do pai do menino. Enquanto Rashid Khalifa enfraquece, Ninguémpai fica dada vez mais forte.

Luka precisa salvar o Xá do blá-blá-blá antes que seja tarde demais. Auxiliado por dois companheiros inseparáveis, Cão, o urso e Urso, o cão, o menino conta também com a suspeita orientação de Ninguémpai. O menino deverá roubar o Fogo da Vida, que está muito bem guardado no coração do Mundo da Magia. Assim, Luka empreende uma perigosa jornada, impossível não fossem as vidas que recolhe pelo caminho. Sempre que morre, Luka retorna, mas somente enquanto tiver vidas extras. Contadores digitais permitem a Luka verificar o seu progresso, assim como as vidas que tem de reserva. 


Em seu caminho, ele encontra um casal de Aves Elefantes, que aceitam auxiliá-lo. O aliado mais importante, porém, será a Insultana de Ontt, uma jovem e bela rainha, conhecedora de muitos segredos sobre o Mundo da Magia e das melhores formas de vencer quase todos os obstáculos, bem como encontrar seres mágicos que poderão ajudar Luka em sua empreitada.

Sequência de Haroun e o Mar de HistóriasLuka e o Fogo da Vida é uma cálida homenagem de Salman Rushdie ao universo das narrativas, das histórias, sem discriminar o suporte. Fazendo referência não somente às culturas antigas e suas tradições, Rushdie se enraiza também nos demais universos narrativos, na cultura escrita e também (por que não?) na cibercultura. Em vários momentos são feitas referências a personagens lendários do mundo dos games.

Deixo aqui um dos mais belos trechos do livro:

"Nós sabemos que quando nos apaixonamos o Tempo deixa de existir, e sabemos também que o Tempo se repete, de modo que você pode ficar num mesmo dia pela vida inteira." Salman Rushdie, Luka e o Fogo da Vida.

Repleto de humor inocente, de referências bem amarradas e de personagens carismáticos, Luka e o Fogo da Vida é uma viagem pelo que há de melhor na alma humana: a capacidade de criar mundos infinitos moldados em pura magia.


Ficha Técnica:
Título: Luka e o Fogo da Vida
Autor: Salman Rushdie
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535917161
Ano: 2010
Páginas: 208

Página do livro no Skoob: htt://www.skoob.com.br/livro/114593-luka-e-o-fogo-da-vida/

sexta-feira, maio 04, 2012

A Caverna: a vida além da vida


Não há dúvidas de que a Filosofia contribuiu de forma fundamental para que o pensamento humano se tornasse o que é hoje em dia. Procurando submeter a realidade a uma forma de pensar diferente do convencional, os filósofos contribuíram para quebrar tabus, desnudar preconceitos, apontar brechas nos comportamentos da sociedade. Além disso, trata-se de um fato que a Literatura e a Filosofia sempre mantiveram um estreito diálogo desde os primórdios da civilização humana.
Mas existe, de fato, uma utilidade para a Filosofia? Qual é o seu papel? Sua missão? E quais são seus frutos hoje em dia, no auge da sociedade pós-moderna? E para o homem comum, com uma formação técnica, qual a vantagem de conhecer a Filosofia? As questões que ela levanta seriam no mínimo interessantes para esse homem?
A Caverna, do vencedor do Nobel José Saramago, propõe essa discussão. Não vá pensar, porém, que se trata de um livro para intelectuais, cheio de teorias complexas e palavras difíceis. A Caverna é um romance, sim senhor, que conta o drama de Cipriano Algor e sua família. Cipriano, um oleiro de sessenta e quatro anos, é obrigado a vender o produto de seu trabalho a um aglomerado comercial chamado o Centro. Mas tudo começa a desabar quando o Centro decide não comprar mais as louças que Cipriano fabrica com a ajuda de sua única filha, Marta. Para piorar, o marido de Marta, Marçal Gacho, trabalha como segurança no mesmo Centro e espera uma promoção quase certa. Com a promoção, Marçal será obrigado a mudar-se com a esposa para o Centro, por uma questão de norma da empresa.
Cipriano e sua filha, contudo, não desistiram. Pretendem dar a volta por cima, buscando ideias inovadoras para lidarem com essa situação. A resposta de como o oleiro obstinado e trabalhador vencerá essa batalha está nas páginas de A Caverna, um romance repleto de humanidade e sabedoria, poesia em forma de prosa. Leitura recomendada para aqueles que desejam ver o mundo com outros olhos.

Ficha Técnica:
Título: A Caverna
Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 853590073X 
Ano: 2000
Páginas: 352

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/2040-a-caverna

sexta-feira, abril 06, 2012

Haroun e o Mar de Histórias - A Palavra no seu melhor papel

Fonte: divulgação
Haroun e o Mar de Histórias apresenta ao leitor o menino Haroun, de dez anos, filho do contador de histórias Rashid Khalifa, conhecido e aclamado por todos como o melhor narrador da região. Após um triste incidente na família, Rashid enfrenta problemas com seu talento em narrar. Haroun então descobre que seu pai é nutrido por uma torneira mágica, proveniente de uma lua invisível, onde está o Mar de Fios de Histórias, em que cada fio é uma história que já foi contada, ou que ainda será. Haroun descobre que esse mar corre perigo, por causa de uma estranha poluição, que está corroendo as histórias. Para evitar o fim do Mar de Fios de Histórias e, consequentemente, o fim do talento do seu pai, Haroun embarca em uma jornada em busca da resolução do problema.
Trata-se de uma narrativa descontraída, repleta de referências às histórias tradicionais, onde os heróis precisam se aventurar em jornadas a lugares longínquos e superar grandes desafios. O autor, Salman Rushdie, se apropria das narrativas tradicionais, aproveitando seus modelos mas também inovando, dando ênfase à arte narrativa e criando um universo belo e factível. Uma ótima aventura para qualquer idade.


Ficha Técnica:
Título: Haroun e o Mar de Histórias
Autor: Salman Rushdie
Editora: Companhia das Letras (Companhia de Bolso)
ISBN: 9788535916980 
Ano: 2010
Páginas: 184
Tradutor: Isa Mara Lando

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/13024

sexta-feira, novembro 25, 2011

Terra sonâmbula: vidas em trânsito


Uma das coisas que mais aprecio nos livros e na leitura é a possibilidade de trocarmos impressões, compartilharmos nossa vivência literária. Ler é um ato filosófico e transformador: nunca mais somos os mesmos ao final de uma leitura. A intensidade dessa mudança depende do quanto a leitura foi relevante para nós, do quanto essas palavras tiveram peso em nossas almas.

Ouso afirmar inclusive que o livro também não é o mesmo quando chegamos ao seu fim. Antes o que era um objeto se torna algo que vai além de seus limites físicos. Uma obra espiritual. E por isso mesmo, o livro passa a não pertencer mais apenas ao seu autor. Nós, como leitores fiéis, nos apropriamos da narrativa, dessas vidas secretas, e as tornamos parte de nós. O livro e todo o universo que ele encerra passa a nos pertencer.

E assim como o livro nos transformou (e transformamos o livro), queremos que outros passem também por esse processo. Queremos que essa transformação secreta e íntima passe a tocar outros universos, outras pessoas. Por isso, quando sentimos empatia com algum leitor, compartilhamos leituras, compartilhamos vida.

A leitura é um fenômeno que transcende o espaço e o tempo. É um ato íntimo, uma jornada em que o caminho percorrido é composto de memórias alheias mescladas às próprias memórias do leitor, pois ele precisa reconhecer os signos, as figuras de linguagem, as referências espaciais.

Não é preciso ter tudo isso em mente, mesmo sabendo que, de certa forma, é isso que acontece em Terra sonâmbula. Eu pensava nisso tudo depois de passear pelo blog da Fefa (Apaixonada por papel). Ela citou um autor que ainda não havia lido. Depois de algumas conversas, perguntou se eu teria algum livro dele pra indicar. Por isso decidi apresentar aqui o livro que me fez amar cada linha traçada por esse moçambicano de quase 60 anos, registrado como António Emílio Leite Couto, mas conhecido como Mia Couto, por causa de sua paixão por gatos.

Ainda jovem, Mia escrevia e publicava poemas. Depois passou para os contos e o romance foi seu gênero literário tardio, de certa forma refletindo sua maturidade. Em Terra sonâmbula, seu primeiro romance, publicado em 1992, Mia Couto narra o encontro de dois mundos, ambos órfãos. O menino Muidinga, fugitivo de um campo de concentração em plena guerra civil, encontra em um ônibus queimado uma mala contendo cadernos escritos por um tal de Kindzu. Nesses cadernos um pouco do passado de Moçambique se revela, enquanto o autor do relato desenrola seu périplo em busca de respostas para seu destino, para o amor e para a vida.

Kindzu e Muidinga não se conhecem de fato, mas através dos cadernos, escritos numa linguagem quase mitológica, o menino passa pelo processo que descrevi anteriormente, essa transformação e apropriação que acontece quando um texto literário nos invade com toda a força e vitalidade que carrega. Assim, os dois, que antes eram estranhos, se tornam quase irmãos.

Muidinga também é auxiliado pelo velho Tuahir. Ainda que não sejam parentes, Tuahir cuida do menino como um pai. O velho não sabe ler, mas conta com a habilidade de Muidinga para também participar da história, ouvir a leitura em voz alta e fazer parte desse mundo mágico que é reconstruído através dos olhos e da voz do menino. 

Nessa jornada, a própria estrada onde o ônibus queimado repousa começa a se transformar, contaminada pela magia das palavras que, antes mortas no papel, são ressuscitadas pela voz de Muidinga. Muitos são os desafios e aventuras. Muitas são as perguntas. As respostas ficam a cargo do leitor.

Terra sonâmbula é mais do que um romance. É um tratado a favor da vida e da esperança, um mágico guia de viagem que fala do poder criador das palavras.

Deixo por fim um pequenino trecho que considero carregar um pouco da alma do romance, pois traduz o próprio sentido do título. É uma fala de Kindzu:

"Talvez, quem sabe, cumprisse o que sempre fora: sonhador de lembranças, inventor de verdades. Um sonâmbulo passeando entre o fogo. Um sonâmbulo como a terra em que nascera."

Ficha técnica
Título: Terra sonâmbula
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535910445
Ano da edição: 2007
Páginas: 208


Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/2940

quarta-feira, agosto 31, 2011

Cachalote - Para além da superfície

Ler Cachalote, graphic novel de Daniel Galera e Rafael Coutinho, foi uma experiência de profunda imersão. Ainda que toda a forma de narrativa busque proporcionar a seu leitor essa experiência, creio existem graus de imersão. Esta será mais profunda de acordo com a empatia do leitor, mas também conforme a competência e a genialidade do artista.

Cachalote não só permite o mergulho em vidas alheias como também, através de sua narrativa, busca proporcionar, numa profunda catarse, que o leitor esteja na pele de cada personagem. Ainda que pareça óbvio dizer que sua na narrativa é extremamente visual, a expressividade do traço de Rafael Coutinho criou um ambiente quase delirante. Fragmentado, o roteiro guia o olhar do leitor por um universo em que 5 vidas se desdobram. 

Cachalote não poupa o leitor, assim como não poupa seus personagens. Construído numa complexidade que torna difícil falar em tema (o que enriquece a obra), pode ter várias interpretações, diferentes interações, como um cubo mágico em quadrinhos. E o tom quase kafkiano que permeia cada história realça essa alegoria. Não só o tom. Há uma sexta história, que entra como prólogo e epílogo da graphic novel, e que faz jus ao título. Ao falar em interpretações, considero por bem fazer menção a duas abordagens: uma, a mais superficial, fala da relação aparência versus essência. A outra, talvez mais profunda, aborda a tensão entre maturidade e criatividade. Talvez maturidade não seja a melhor palavra, mas velhice, ou decrepitude, decadência. A resignada degeneração da beleza.

Essa degeneração deixa lacunas por todo o enredo. Cabe ao leitor completar essas lacunas, intuir dos mistérios tecidos em torno dos personagens. Como metáforas de almas velhas, artísticas, que passam por crises criativas, como se encalhadas após sequencias de pequenos fracassos que aos poucos se tornaram em uma tragédia. E uma ausência de um desfecho tradicional como maior alegoria da própria incompletude dos personagens e de nós mesmos.

Título: Cachalote
Editora: Companhia das Letras
Autores: Daniel Galera e Rafael Coutinho
ISBN: 9788535916737
Ano: 2010
Edição: 1
Número de páginas: 320
Acabamento: Brochura
Formato: 21.00 x 27.00 cm

domingo, março 13, 2011

O Chinês Americano - Uma fábula sobre quão preciosa é nossa alma

Nessa incrível fábula, o menino Jin Wang, apesar de nascido nos EUA, tem suas raízes na china. Ele quer se enturmar, quer ser aceito, ser parte do grupo. Mas enfrenta os preconceitos e a incompreensão daqueles que se consideram americanos "genuínos".

Como alegoria da busca de Jin em ser parte desse país tão diferente da China que ele nunca conheceu, somos apresentados à lenda do Rei Macaco e sua busca incansável em ser igual aos deuses.

Por fim, há a terceira história das dificuldades de Danny, um menino americano que estranhamente tem um primo chinês, chamado Chin-kee. E Danny sempre acaba metido em confusão por causa do seu estranho primo. Essa história é contada no tom satírico de um seriado de comédia americano.

O Chinês Americano é acima de tudo uma narrativa fabulosa. São três histórias bem diferentes entre si, embora tenham elementos que a vão aproximando gradativamente. A própria lenda do Rei Macaco recebe elementos ocidentais, tornando-se também uma criação híbrida, fruto de contribuições diversas, como acontece em toda narrativa de tradição. Como grande mote que amarra as três histórias está a pergunta: até onde uma pessoa iria para se tornar outra? Estaria ela disposta a abrir mão da própria alma?

Gene Luen Yang renova a mitologia chinesa ao incluir à mesma elementos judaico-cristãos. A jornada do oeste se torna símbolo do próprio périplo chinês em busca da prosperidade americana. Mas essa jornada tem como risco a perda da própria alma, da identidade.

Apesar do tom alegórico, o texto é límpido e sincero. As situações nunca parecem forçadas. Além disso, os momentos de comédia são de arrancar gargalhadas. Definitivamente este é um quadrinho que não pode faltar na estante dos amantes do gênero.

Ficha técnica:


Editora: Companhia das Letras
Autor: GENE LUEN YANG
ISBN: 9788535914498
Ano: 2009
Edição: 1
Número de páginas: 240
Acabamento: Brochura
Formato: Médio