O homem de negócios, calvo e de meia-idade, chega em seu apartamento. Aparenta um ar cansado, oprimido. Deixa a pasta em um canto do escritório. A mulher e as crianças estão fora, na casa dos pais dela. Ele sente o alívio e o leve comichão da oportunidade. Como é sexta-feira, ele tem a noite inteira.
Liga o computador e senta em frente à máquina, enquanto afrouxa a gravata. Poderia até preparar alguma coisa para comer, um lanche rápido. Mas prefere aproveitar cada minuto de privacidade. Talvez mais tarde peça algo por telefone.
A tela brilha, carregando o sistema. O executivo não perde tempo e faz logo a conexão, abrindo o navegador da Internet. Usuário e senha digitados.
- Boa noite, senhor Oscar. - A página inicial carrega esses dizeres em imagens efusivas de boas-vindas.
Oscar suspira. Tinha esquecido completamente da Internet 2.0, "nova solução interativa que veio para revolucionar a vida das pessoas". O slogan era bem chamativo: "Internet 2.0 - A Vida em um novo Hiperlink". Oscar chega a murmurar um "boa-noite" enviesado, enquanto lembra que na verdade basta apenas clicar no luminoso OK que domina o centro da tela. Quase olha de soslaio para verificar se alguém percebeu o ato falho, enquanto se lembra que está sozinho. A cada minuto passado nessa nova era digital, o executivo de meia-idade se sente cada vez mais idiota. Um alerta vem arrebatá-lo de suas ligeiras impressões.
– O senhor possui 30 mensagens não lidas em seu e-mail. O usuário modelo não tem mensagens pendentes. Não será possível continuar antes de executar esta tarefa.
O suspiro passa à crescente irritação. Agora a Internet 2.0, com sua interatividade, exibia uma série de tarefas necessárias "a uma navegação de qualidade".
Uma hora depois de ter ligado o computador, Oscar acaba de deletar o último e-mail. Terá liberdade, enfim. Mas percebe que está enganado.
– O senhor tem cinco notícias pendentes. O usuário modelo é sempre bem informado!
Oscar quase xinga a máquina insensível. Não poderá continuar enquanto não tiver lido ao menos cinco matérias online. E fornecidas pela Internet 2.0 através de algum critério obscuro, de nenhum interesse a Oscar. Lidas as notícias, uma nova etapa:
– Senhor Oscar, há um post pendente em seu blog. O usuário modelo mantém seu blog atualizado!
Mais um pedágio: o blog obrigatório. Oscar nunca se considerou alguém com dotes para a escrita. Mas de alguma forma tem que alimentar no mínimo 250 caracteres para que a Internet 2.0 aceite o seu post.
Depois de cumprido mais um ritual, depara-se com o navegador já disponível para uso. Agora pode de fato surfar e buscar o que deseja na rede. Acessa o maior portal de pesquisa e digita "sexo". O navegador retorna uma lista enorme de sites eróticos. Fotos, vídeos de ensaios, sites de relacionamento, serviços de acompanhantes. Oscar clica no primeiro link da lista, um famoso site com vídeos amadores. A Internet 2.0 emite um sinal de alerta:
– Atenção, este sítio não pode ser acessado por conter material impróprio.
Oscar tenta outro site, com conteúdo parecido. A negativa é a mesma. Faz uma terceira tentativa, clicando no link de um site com as últimas fotos das revistas masculinas mais famosas.
– Atenção, conteúdo familiar ativado. Não será possível continuar.
Oscar desiste, exasperado. A sensação de que há mais alguém no escritório fica muito forte. Uma nova imagem brilha no computador:
– Mensagem de violação enviada para karminha@hotmail.com.
O alarme na mente do executivo se manifesta como um início de enxaqueca. Um breve texto abaixo do aviso detalha: “A Internet 2.0 prepara sua família contra os abusos e perigos. Se o seu filho estiver usando a rede para tentar acessar sítios suspeitos, você será avisado.” E a destinatária é Carmen, esposa de Oscar. Mas o homem de negócios percebe que tudo aquilo é apenas o início. A Internet 2.0 informa que os dados postados no blog são “insuficientes”. Para garantir a suficiência de atualização, o próprio sistema se encarrega de enviar para a rede uma série de fotos de família, dados médicos e até informações dos gastos e rendimentos de Oscar.
O homem quase tem um ataque. Agora é questão de vida ou morte. Lembra-se do e-mail que um colega de trabalho enviara, com umas fotos provocantes de uma atriz de novela. A desforra será acessando esse e-mail proibido e completamente particular.
Mas Osca sente um profundo desânimo quando a Internet 2.0 avisa:
– Atenção: e-mail com conteúdo suspeito removido.
Derrotado, Oscar ainda observa por alguns segundos a tela com a mensagem proibitiva. Suspira. Desliga a máquina.
Este texto foi produzido durante uma oficina de escrita ministrada pelo escritor Sérgio Fantini.