Eu, porém, vos digo, que qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, em seu coração, já cometeu adultério com ela.
Mateus 5:28.
Mateus 5:28.
Foi de relance, quando atravessava a rua, quando viu capa de um DVD erótico. Ergueu os olhos, desconcertado. Pediu perdão por ter pecado, ainda que seu olhar tivesse durado apenas um instante.
Mesmo
nos quarteirões seguintes, a caminho do restaurante em que almoçava
todos os dias, ele ainda pensava na imagem que ficara gravada em sua
mente. Duas moças, uma morena e outra loira, ambas nuas e de costas,
exibindo toda a fartura de suas nádegas, com as marcas deixadas
pelos minúsculos biquínis definindo os contornos de suas peles
bronzeadas. Balançou cabeça com força, como se assim conseguisse
turvar essa imagem única, imperiosa.
Ergueu
os olhos mais uma vez, enquanto seus lábios moviam-se numa prece
inaudível. Não conseguia entender o que acontecia em seu interior.
Nunca havia sentido o mínimo interesse nesses materiais duvidosos.
Para ter sido atingido tão profundamente, no mínimo, já havia
pecado e não se dera conta disso. E esse pecado oculto e ignorado
seria consequência de seu afastamento espiritual. Desesperado,
passou a tarde toda pelos cantos, no escritório onde trabalhava, em
orações fervorosas que visavam purificar sua alma.
No
caminho de volta para casa, em pé dentro do ônibus lotado,
distraiu-se com o longo percurso e teve por fim alguns minutos sem
ser assaltado pelas fantasias avassaladoras, ataques do demônio. Mas
em casa, quando já tinha feito sua oração ao pé da cama, vestido
com seu pijama, ele foi novamente invadido pelas mesmas imagens,
sendo acompanhadas por um misto de expectativa, desejo e vergonha.
Afastou novamente aquele turbilhão de pensamentos.
As
imagens, contudo, não o abandonaram. Bastava passar perto da banca
de jornais que seus olhos como que instintivamente buscavam a dupla
exposta na capa do DVD. Para não alimentar a tentação, o jovem
passou a evitar a banca, passando por outro caminho para chegar ao
restaurante.
O
desejo porém crescia cada vez mais intenso, as imagens cada vez mais
vívidas. Passava noites em claro mergulhado em fantasias, sempre no
martírio de sentir-se a criatura mais suja do mundo. A culpa era
então novamente encoberta por imagens da pele morena, bronzeada, das
marcas dos biquínis fazendo um jogo de claro-escuro.
Até
que em certa noite, quando ele pensou que enlouqueceria, veio a
resolução, clara como uma revelação divina, junto com uma
expectativa infantil e por fim o sono reparador. Não havia mais
imagens para torturá-lo, somente aquele silêncio que sucede a plena
certeza. Quando a manhã chegou inexorável, a caminho para o
trabalho, não foi mais assaltado por desejos irrefreáveis. Quem o
visse até diria que seu rosto revelava uma maturidade marcante, de
alguém que alcançara a sabedoria. Foi direto para a banca de
jornais. Pediu logo o DVD erótico com simplicidade comedida, quase
sereno. Recebeu o material, pagou e atravessou a rua olhando para o
lado errado. O cobiçado DVD num instante escapou de suas mãos e um
caminhão que passava no momento selou seu destino.
Tem um nome, não tem? O efeito causado no leitor por este tipo de desfecho. Qual é, mesmo?
ResponderExcluirSerá que ele estaria bem se não tivesse comprado o dvd?
Tem uma coisa machadiana nesse conto que me agrada muito.
ResponderExcluirE tem uma mistura não declarada de narrador e personagem, que a gente saca com o ritmo da história. O texto começa muito pudico e meio agarrado e vai se soltando na mesma medida em que o personagem vai lidando com mais facilidade com seus desejos.
O final é do caralho.