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quinta-feira, setembro 21, 2023

Raiva, Riso e Rima



No dia 25 de agosto de 2023, pela manhã, tivemos pela Biblioteca Pública Infantil e Juvenil a oficina Raiva, Riso e Rima: Construindo e Desconstruindo Pensamentos. Eu e o Wander Ferreira fomos os mediadores. O nome da atividade foi inspirado em um poema de Paulo Leminski. A oficina aconteceu no auditório do Centro de Referência das Juventudes e contou  com as presenças dos jovens da ASSPROM e da Rede Cidadã. 

Começamos perguntando o que é poesia. Uma jovem respondeu que é "toda forma de expressão". Gostamos da resposta e falamos que tudo que nos toca é ou tem poesia, seja um quadro, uma animação, um texto ou uma música.

E por falar em música, desde que os seres humanos se reuniam em pequenas comunidades e desenhavam nas pedras, a música já existia e, com ela, a poesia. Falamos da diferença entre poema e poesia, sendo aquela a forma textual e a outra a qualidade de arte que lhe confere o caráter de objeto artístico.

Abordamos a dicotomia entre literatura erudita e a popular, com as formas poéticas das Belas Letras, sendo alguns exemplos o soneto, a elegia, o epitáfio, o madrigal. Comentamos das exigências de rimas e métrica, com versos decassílabos, por exemplo.

Lemos alguns poemas para ilustrar a musicalidade que eles carregam. Em seguida, convidamos todas e todos a manusearem os livros que dispusemos na beira do palco. Eram alguns livros de poesia da Biblioteca e outros emprestados pelo Rodrigo Teixeira, que também contribuiu com o conteúdo da oficina e sua metodologia.

Depois que vários jovens leram em voz alta poemas dos livros, passamos à parte em que eles escreviam e em seguida compartilhavam seus textos com todo mundo. Todos participaram. Foram momentos de muita poesia! 

Considero que a oficina em questão foi um sucesso, com ampla participação, tanto dos jovens quanto dos monitores da ASSPROM e da Rede Cidadã. Esse evento foi parte da Semana das Juventudes.


sexta-feira, setembro 20, 2019

FLI-BH 2019 - Do livro à voz: narrativas vivas

A programação do FLI-BH 2019 está no ar. Com a curadoria de Nívea Sabino e Marilda Castanha, o Festival está mais que bonito, está um monumento! Autoras e autores de diversos registros e lugares encontrarão seu espaço no Parque Municipal Américo René Gianneti. Temos Adão Ventura como homenageado. Leda Martins e Ailton Krenak são as menções honrosas.
Sinto que será uma honra para toda e qualquer pessoa que transitar por essa ciranda de Oralitura, que adentrar esse quintalzão que será o Parque Municipal nos dias 25 a 29 de setembro.
Mais que um lugar de escrita, será de escuta. Uma grande roda como aquelas que nossos ancestrais faziam. E nessa grande roda, saudaremos suas vozes com as nossas. Na figura de tantas letras, cantos, performances, slams e saraus, seremos todas uma grande colcha de retalhos.
Não poderia deixar de puxar uma sardinha pro meu lado. Estarei na Biblioteca do FLI-BH com oficinas literárias. Faço também a apresentação "De lobo a bolo". Por fim, terei o privilégio de receber Ana Maria Gonçalves e Marcelino Feire em uma mesa maravilhosa.
A história da Literatura de BH e do mundo ganha mais um capítulo. Um daqueles cheios de reviravoltas, aventuras e muita emoção. E nesse grande épico, estamos todas e todos convidadas. Vem com a gente!

Confira a programação completa no site http://www.fli.pbh.gov.br/.

segunda-feira, julho 29, 2019

Dócil

Aquela palavra
Que é espada
Fincada
Em meu
lóbulo frontal

Pela palavra
Dei milhares de passos
Marchei soldado
De cristo

Quantos cativos
fiz por uma
loucura?

Quantos brados
dei para
ruir muralhas e
promover mortes?

Quantos aprisionei
e com a mesma palavra
cortei seu desejo?
Quantos lobotomizei?

Hoje eu me decido
arranco de mim
essa palavra e ponho
minha coroa em leilão

segunda-feira, julho 15, 2019

Posição

Minha crença é quântica
Desconfio de promessas
principalmente aquelas
por escrito.
Em religião,
sou um zero.
Mas que fique claro:
à Esquerda.

terça-feira, julho 02, 2019

quarta-feira, junho 26, 2019

Poesia em Turbilhão: Segundo ConVerso de LiteraRua


A Poesia é algo livre. Por vezes, tentamos encerrá-la em formas, mas ela acaba escapando. E o maravilhoso disso é que ela nos puxa para fora de nossa própria gaiola. Nos desconstrói e transforma, fazendo de nós parte dela, num turbilhão de sentidos.

Podemos ver esse fenômeno acontecer quando a Poesia deixa o papel e a tela para habitar as vozes e espaços. Eventos como o Segundo ConVerso de LiteraRua, que procurou celebrar a Poesia, especialmente Marginal.

O ConVerso de LiteraRua foi organizado e produzido pelo Circuito Metropolitano de Saraus.

Compareci ao Usina da Cultura no sábado, dia 15 de junho, às 9h. No centro do salão, cadeiras em roda em frente ao palco, onde algumas pessoas terminavam de fazer os últimos ajustes de som. Cumprimentei o bibliotecário, Diego Dávila, além de outras pessoas da equipe. Andei um pouco pelo espaço, timidamente observando o movimento que crescia.

A primeira roda de conversa, com o tema "Experiência do fazer em espaço público, direito à cidade e ocupação política" contou com a presença de Renato Negrão e Thais Kas. O mediador foi Rogério Coelho, que deu início com uma reflexão ao falar de LiteraTerra.

Negrão e Kas apresentaram suas vivências no fazer cultural e na difusão da poesia marginal. Foi muito interessante ver duas pessoas de perfis tão diferentes, uma da velha guarda e outra da geração mais recente de agitadores poéticos. Em dado momento, Renato passou um livro objeto de sua autoria e assinalou a importância de termos memória, de buscarmos os arquivos ainda vivos da poesia marginal da década de 1990.

Enquanto isso, Thais Kas falou sobre suas referências e os desafios atuais de sua poesia. Além disso, falou de seu amor pela produção, em especial nas ações da Coletiva Manas, da qual faz parte.

Ao final da mesa, o Coletivo Terra Firme se apresentou. Em seguida, fiz um passeio pela feira e já adquiri alguns materiais independentes, zines e marcadores de escritoras que estavam expondo.

Houve então a pausa para o almoço. Aproveitei para escapulir e almoçar em casa. Não participei das atividades da tarde, embora desejasse muito, mas precisava de um descanso. Enquanto eu estava fora, ocorreram as oficinas "Criação de performance poética" pelo Nosso Sarau, de Sarzedo, e "Escrita Criativa-poética" do Sarau Biqueira Cultural, de Ribeirão das Neves.

Cheguei a tempo de pegar o início da segunda roda: "Formação de leitores e público por meio da LiteraRua marginal de Saraus & Slams em diálogo em escolas & Bibliotecas públicas", com Oliver Lucas, Norma De Souza Lopes, Rodrigo Teixeira e Marta Passos. Mediando essa galera estavam Joi Gonçalves e Bim Oyoko.

A fala foi rica e profunda, a partir de diversas visões. A abordagem acadêmica e conceitual de Marta Passos dialogou com a vivência de Norma de Souza Lopes, Oliver Lucas e Rodrigo Teixeira. Este último apresentou uma fala descontraída e repleta de humor, quase como um comediante de stand up. Norma enriqueceu a conversa ao apresentar seu extenso e exaustivo trabalho de mediação de leitura, assim como Oliver também o fez.

Ficou presente com força em minha mente a fala de Marta Passos sobre a política como a contestação da ordem estabelecida. Segundo ela, é o que a poesia marginal faz, sendo ela um dinâmico e transformador fazer político.

Infelizmente, perdi o show da banda Mascucetas, pois precisava ir ao evento "Caldos, Causos e Violas", no Espaço Suricato. Uma festa com sua própria história e que também fala de Arte e Resistência.

No domingo, cheguei cedo para a oficina "Confecção de Zines & Livros" pelo Coletivo Lanternas, de Venda Nova. O mediador, Digô, foi extremamente atencioso e paciente. Fiquei encantado ao ter em mãos dois novos cadernos para serem transformados em histórias e relatos.

No andar de cima da Usina, acontecia a oficina "Edição de vídeo-foto-poesia", pelo Coletivo Avoante, daqui mesmo de BH.

Saímos para o almoço e retornamos para a terceira roda: "Mercado Literário das editoras & feiras independentes, políticas de incentivo à cultura e a profissionalização da literarua marginal". Para discutir a questão, ouvimos Nívea Sabino, Flávia Denise, Jomaka e Walisson Gontijo. Foi uma conversa de desafios e identidades. 

Nívea contestou muito a lógica de uma profissionalização do artista marginal. Inclusive ela defendeu seu profissionalismo, e com muita propriedade. Flávia falou de sua pesquisa e do conceito incerto de "escritor independente". Sua fala me fez refletir, principalmente depois de ter escrito um texto abordando esse assunto. 

Jomaka então fez um poderoso relato de experiência como escritor trans e ativista na luta antimanicomial. Sua experiência é sofrida e angustiante, mas também encorajadora e potente.

A experiência de Walisson Gontijo, na criação da editora Impressões de Minas junto com Elza, foi muito rica e ajudou a vislumbrar um pouco esse cenário de feiras de editoras independentes a partir do olhar de um editor.

Ao final do dia, pudemos assistir a intervenção da Coletiva Manas, com performances de Lelê Cirino, Jéssica Rodrigues, Débora Rosa e Bruxa. Outras poetas se apresentaram quando o microfone foi aberto.

Aconteceram então plenárias para discutir as ações do Circuito. Não fiquei, pois estava exausto. Porém, deixei claro meu interesse em acompanhar os desdobramentos, como amante da poesia falada e dos saraus da Grande BH.

O evento foi potente, para mim. Reencontrei pessoas, conheci novas faces e fiquei encantado com os trabalhos e livros de muita gente que lá estava. Se pudesse, compraria tudo. E também fui impactado com as falas profundas e responsáveis de todas as pessoas envolvidas. Gostaria de saudar o envolvimento de toda a galera do Circuito Metropolitano de Saraus, em espacial de Camila Félix, DuduLuiz Souza e Vito Julião. E para todas as pessoas envolvidas. Foi maravilhoso estar nesse turbilhão poético!








sexta-feira, junho 21, 2019

Borda - sobre uma melancolia de luz

Por vezes, a Poesia nos pega pela mão e nos leva até a beira do precipício. Ela então nos convida a debruçar e olhar o vazio que existe lá embaixo. E se nos negamos a isso, ela nos pega pelas bochechas e nos faz olhar em seus olhos - onde veremos o mesmo vazio. Podemos até fechar os olhos, mas nós já entramos em sua dança, e ela nos conhece muito bem. É impossível sairmos imunes.

Foi assim que me senti ao terminar Borda, de Norma de Souza Lopes. A voz da poeta belo-horizontina me levou ao silêncio e ao vazio. Mas esse mesmo vazio escondia uma semente de múltiplas possibilidades.

Não há como ler a poesia de Norma e não se sentir um pouco ela. Afinal, ela vai deixando marcas de sua alma nos versos, como "metassinaturas". Sua história marca a palavra de seus Poemas como as cavernas com pinturas rupestres.

Há uma tristeza resignada em seus poemas. Não devemos confundir, porém, com conformismo. Sua resignação está mais para uma voz que admite seus silêncios, seus tropeços, sua condição. Mas nessa mesma resignação é firmada a trincheira da resistência e da luta.

Ainda que haja essa tristeza na maior parte dos poemas, algo como a certeza de que o Amor é miragem, há como que traços de luminosidade, apontando para uma esperança despretensiosa. A voz poética não quer ter razão. Apenas se permite sonhar, a despeito da dor, da angústia, do sofrimento e da rejeição.

Uma tristeza luminosa que nos aponta para o vazio e o escuro que em nós existe, enquanto nos convida a abraçar esse breu, fazer dele um ponto de calor e aconchego, onde possamos fazer brilhar nossa própria luz.

Ficha Técnica 
Borda
Norma de Souza Lopes 
Número de Páginas: 100
Formato: 14x21 
Editora Patuá

Aproveito para compartilhar aqui o vídeo em que eu declamo o poema "Tombo", que faz parte do livro:


segunda-feira, junho 17, 2019

Outra poética

Na falta de palavras novas,
reinvento as antigas.
Nada mudou, sequer uma vírgula.
Apenas meu olhar quer ser outro.
O tempo é minha única moeda
e nem assim posso usá-lo.
Cunhado estou por ele
como um ser de barro,
caviloso
imperfeito.
E ainda assim
tento completar os sentidos
que sequer compreendo muito bem.
Quem sabe, um dia,
alguém descubra algo que eu disse
e não sabia.

segunda-feira, maio 20, 2019

Projeto Livro-minuto - Lançamento oficial

Livro-minuto foi um termo que passei a utilizar em 2014, após aprender com o Rodrigo Teixeira uma dobradura que torna uma única folha em caderno.

Ao me deparar com esse belo truque, fiquei fascinado e decidi levar essa técnica para minhas oficinas de mediação de leitura. Nascia então o livro-minuto: a proposta de produção de um livreto que poderia ser lido em menos de um minuto.

A oficina Livro-minuto foi ofertada tanto na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, quanto em bibliotecas de centros culturais da cidade. O princípio era ganhar simpatizantes pela proposta, de forma que mais pessoas se envolvessem no processo de produção de livros como objetos únicos, artesanais, fora da lógica de produção em série.

Minha paixão por livros sempre foi para além do texto. As obras medievais me fascinavam, com suas brochuras com iluminuras e escritos à mão. Não foi à toa que fui atraído por Jorge Luís Borges e suas ideias de livros em que imprecisões ou "erros" tipográficos os transformariam em objetos diferenciados.

Assim, quando conheci os livros artesanais, fui imediatamente cativado. Tenho em meu acervo pessoal muitos livros feitos de material reciclado, costurados à mão. E sempre que tenho oportunidade de ir a uma feira de livros independentes, saio de lá com a mochila cheia de novos tesouros.

E por isso essa minha paixão extrapolou para além do colecionismo. Passei a produzir artesanalmente minhas próprias obras através da Oficina Livro-minuto.

A proposta da atividade é refletir no papel do livro e em seu percurso como ferramenta fundamental do pensamento e da memória da humanidade. Discutimos sobre os usos do livro e sua evolução de riscos no chão, pelos desenhos rupestres, passando pela pedra talhada, pelas tábuas de argila, pelo pergaminho, até o formato convencional, conhecido como brochura, caderno ou códex. Por fim, lanço às pessoas participantes o convite de fazermos nossos livros.

Como material, além da folha de papel, uso textos em domínio público. Podem ser poemas, ditados, adivinhas, quadrinhas, trovas, sonetos. Quando o texto tem autoria identificada, não deixo de fazer menção do nome da autora ou do autor. Apresento também alguns desenhos do escritor Ricardo Azevedo para serem recortados e colados.

Todo esse material, contudo, é propositivo. Cada pessoa tem a liberdade de criar seu livro-minuto de acordo com seu impulso criativo. Assim como eu, pois aproveito para, a cada oficina, criar mais um livreto.

Tive a felicidade de participar de um sarau em que o amigo Felipe Diógenes levou suas alunas e seus alunos. Fizemos um varal e vários livretos produzidos pela garotada foram pendurados. Quem quisesse poderia pegar qualquer um e ler para o público. Foi um momento mágico.

Com o objetivo de expandir a ideia, decidi lançar oficialmente o Projeto Livro-minuto. O objetivo é fazer circular o conceito, bem como o livreto em si. Abaixo, compartilhei o vídeo do livro-minuto "JOGO". 



Posteriormente, farei propostas e postarei outros vídeos, com o objetivo de envolver ainda mais as pessoas no processo. Aguardem!

quarta-feira, maio 15, 2019

Reflexões sobre um tempo póstumo

Para Felipe Diógenes e Rodrigo Teixeira

Pego o celular. Enquanto tento desbloquear a tela, vejo uma notificação para que eu relembre por fotos o mesmo dia um ano atrás. Cancelo a notificação e logo pulo para o editor de texto. Quero escrever, não lembrar. Ou melhor, quero lembrar, não me enganar com um conjunto de imagens digitais.

E logo me vem à mente um conjunto de imagens, nenhuma delas relacionada ao dia 23/01/2017. Não quero datas, são tão enganosas quanto nossa falsa noção de verdade, apoiada em conjuntos de cores e traços, geometria subliminar. Distrações compostas por fótons originados de telas eletrônicas, ou refletidos nas marcas queimadas em um papel quimicamente preparado.

Até mesmo as pegadas são um engano. Carcaças de um tempo que, de tão cruel, matou-se e nos deixou órfãos. Somos como um Zeus sem um Chronos para vencer, pois ele heroicamente já cumpriu a sua tarefa de se destruir.

Verdade apenas no esquecimento. Sejam símbolos, traços, entalhes, borrões, gravuras, tipos, todas essas marcas, pálidas tentativas de escapar ao Tempo e à Morte, todos apenas nos lembram como somos reféns desse mesmo tempo suicida.

Estamos todos mortos, apenas o momento ainda não se realizou em nós. E por isso eu não quero mergulhar em imagens. Quero testemunhar o meu passado evocando-o dentro de mim pela memória.

Por engano, pressiono a tecla errada e grande parte do que escrevi se perde. Incrível como o próprio ato de escrever que realizo agora reproduz o que estava tentando ilustrar. Apenas tentando. O pior de tudo é que tenho certeza que o melhor trecho deste texto estava na parte que se perdeu.

Assim, encerro apenas fazendo um pequeno epitáfio: 

Foi como um sopro 
que as palavras, 
destinadas para serem 
eternas, 
quebraram as pernas, 
tornando-se 
éter.


Oficina de Prosa Poética - 23/01/2018

segunda-feira, maio 13, 2019

Anseio

Para Pâmela Bastos

Na vontade
De seu beijo
Mora
Meu desejo
Na espera
De seu cheiro
Na carícia
De sua pele
Na doçura
De sua voz
No encanto
De seus olhos
Meu anseio
Se compraz

quinta-feira, abril 25, 2019

TESTE

se eu morrer
digitalmente
onde enterrarão
meus dados
dedos
gatilhos
e medos?
os restos
de minha existência
virulados pela nuvem
já são cinza
são pó
e como apagar tanto
rastro?
um suicídio digital
é menos perceptível
talvez sequer seja notado
se não for deixada uma carta.
mas onde deixar um story
de um ser que
mesmo sendo
já não é?

quinta-feira, março 01, 2018

A parte que falta - Uma ode ao que não está lá

Falta uma parte. Ele percebe essa falta. Mais que percebe: ele a vive. Uma ausência que tolhe seus movimentos, que define sua existência, que impulsiona seus atos, que influencia seus planos. Por causa dessa falta, ele empreende uma longa e incerta busca, sem ao menos ter certeza se alcançará êxito e encontrará aquilo que preencherá esse grande vazio, essa falta que molda sua identidade. Mas ele não está triste. Sente uma esperança inabalável, uma fé profunda de que a parte que lhe falta está lá, em algum lugar, a sua espera.

Assim começa o maravilhoso livro A parte que falta, do escritor norteamericano Shel Silverstein. Um personagem sem nome, redondo, que rola quase sem parar, pois precisa alcançar o seu objetivo. O protagonista dessa narrativa, quase como um Pac-Man, prossegue em uma incansável e ávida busca. Precisa estar completo, precisa preencher justamente aquela parte que falta, para que ele se torne um círculo e possa rodar livremente. 

Sua esperança move dentro dele uma canção, que ele entoa enquanto atravessa os mais diversos obstáculos e enfrenta inúmeros desafios.

Um dos elementos mais fortes no traço de Silverstein é a simplicidade e, ao mesmo tempo, a incrível fluidez de seus desenhos. Não é preciso um cenário complexo ou um personagem rebuscado. A roda incompleta que é o herói dessa história pode ser qualquer um, eu ou você, o que torna a identificação do leitor com o protagonista algo quase certo. Além disso, o texto é carregado de um humor leve e descompromissado, apesar da profundidade com que Shel Silverstein aborda esse tema. Dessa forma, o autor cria uma obra singela, única, em que imagem e texto produzem um ambiente que nos arranca risos e, ao mesmo tempo, pode nos fazer chorar a qualquer momento.

É impressionante como Silverstein consegue, com o mínimo de palavras e imagens, criar uma narrativa tão densa e, em contrapartida, leve como o voo de uma borboleta. Tal fato vem apenas comprovar a genialidade do mesmo autor de A árvore generosa.

Com uma poética simples e poderosa, traços mínimos e ao mesmo tempo incrivelmente expressivos, A parte que falta é um livro que se abre para dentro, convidando o leitor a experimentar a ambígua beleza que pode haver na incompletude.

Ficha Técnica:
A parte que falta
Shel Silverstein
Tradução de Alípio Correia de Franca Neto
Editora Companhia das Letrinhas

quinta-feira, março 14, 2013

Sombras de dores e a poética do dia

Hoje é dia da poesia nacional. Sei, poesia está entranhada em nossa cultura, fazemos poema até com piada. Mesmo assim, acho bacana lembrar disso com uma data comemorativa. Acho que de vez em quando ajuda a gente a parar e olhar pro lado.

Compartilho então dois poemas nascidos ontem, fruto do cansaço, da pressão interna e da angústia nossa de cada dia.


Asceta

A tristeza faz sua volta
coça meu nariz mais uma vez
é o espírito
o sopro tênue
a chama
que logo cessará
centelha exangue
lânguida
esmaecida
carente de qualquer sentido
conto os instantes
de minha própria morte
exilado de qualquer anseio
estilhaço-me
e depois
esqueço.


Insônia

A pele alva
exala um cheiro de
nostalgia encapsulada
animal,
minto para o tempo
nego o desejo
Tendo meu eu como único inimigo,
mordo minha própria bochecha
e sorvo meu sangue
embriagado pelo nada