quarta-feira, maio 15, 2019

Reflexões sobre um tempo póstumo

Para Felipe Diógenes e Rodrigo Teixeira

Pego o celular. Enquanto tento desbloquear a tela, vejo uma notificação para que eu relembre por fotos o mesmo dia um ano atrás. Cancelo a notificação e logo pulo para o editor de texto. Quero escrever, não lembrar. Ou melhor, quero lembrar, não me enganar com um conjunto de imagens digitais.

E logo me vem à mente um conjunto de imagens, nenhuma delas relacionada ao dia 23/01/2017. Não quero datas, são tão enganosas quanto nossa falsa noção de verdade, apoiada em conjuntos de cores e traços, geometria subliminar. Distrações compostas por fótons originados de telas eletrônicas, ou refletidos nas marcas queimadas em um papel quimicamente preparado.

Até mesmo as pegadas são um engano. Carcaças de um tempo que, de tão cruel, matou-se e nos deixou órfãos. Somos como um Zeus sem um Chronos para vencer, pois ele heroicamente já cumpriu a sua tarefa de se destruir.

Verdade apenas no esquecimento. Sejam símbolos, traços, entalhes, borrões, gravuras, tipos, todas essas marcas, pálidas tentativas de escapar ao Tempo e à Morte, todos apenas nos lembram como somos reféns desse mesmo tempo suicida.

Estamos todos mortos, apenas o momento ainda não se realizou em nós. E por isso eu não quero mergulhar em imagens. Quero testemunhar o meu passado evocando-o dentro de mim pela memória.

Por engano, pressiono a tecla errada e grande parte do que escrevi se perde. Incrível como o próprio ato de escrever que realizo agora reproduz o que estava tentando ilustrar. Apenas tentando. O pior de tudo é que tenho certeza que o melhor trecho deste texto estava na parte que se perdeu.

Assim, encerro apenas fazendo um pequeno epitáfio: 

Foi como um sopro 
que as palavras, 
destinadas para serem 
eternas, 
quebraram as pernas, 
tornando-se 
éter.


Oficina de Prosa Poética - 23/01/2018

2 comentários:

  1. Rapaz... No final eu fiquei duvidando da data. Pensando "será que é isso mesmo?..."

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