quarta-feira, junho 15, 2011

Silas - Um caminho em eterna construção

O trabalho de um escritor mostra que sua obra é algo vivo, que se expande e adquire limiares muitas vezes difusos. Um texto nunca está completo e todo o conjunto que representa o fruto do trabalho de um escritor também abarca a extensão de toda a sua vida. Acredito que esses contornos indefiníveis foram levados em conta na feitura do livro Silas, da editora Jovens Escribas.

Silas foi lançado em comemoração aos 20 anos da novela Dis Xis e aos 50 anos do autor, Sérgio Fantini. Antes de tudo, a pena de Fantini é ágil, reflete a rapidez referida por Ítalo Calvino. Prova da contemporaneidade do escritor, além da sua consciente competência sobre a arte da escrita. Sérgio Fantini dá corpo a uma ideia. Seu protagonista é antes de tudo testemunha. Através do maduro talento do escritor, cenas são construídas no processo de leitura, imagens que depõem para o leitor sobre um mundo margninalizado: a cidade do interior, com suas mazelas e seus casos de frustrações amorosas; a estrada de uma Minas em trânsito, uma babel que se revela primordialmente pelo silêncio e pela impossibilidade do diálogo oral; uma Belo Horizonte com suas praças de concreto, seus prostíbulos, seus becos repletos de traficantes e putas.

Como resultado desse processo de observação quase científico, temos a constituição de uma sociedade belo-horizontina "tradicional", sociedade que, à moda da mesma retratada por Henry Miller, tem suas bases na dita escória, na mistura ou convergência de povos, na margem de uma calçada ou na sarjeta imunda.

Em "Silas, 30 do segundo tempo" temos os personagens com suas paranoias e sua carência de identidade, sendo esta construída através de ícones da mídia de massa e dos melodramas que alimentaram as publicações Pulp Fiction. 

Silas é um homem da gente. Escrito em tom de confidência, Silas leva o leitor a uma jornada de construção de uma identidade. "Silas, velho" mostra-nos que esse processo nunca está completo.


Ficha Técnica
Título: Silas
Autor: Sérgio Fantini
Editora:  Jovens Escribas
1ª Edição
Páginas:  128
ANO:  211
Formato: 21cm x 28cm

quarta-feira, junho 08, 2011

Sobre culpas e profetas...

Eu havia acabado de sair do trabalho. Sorte o trajeto até minha casa precisar de apenas um ônibus. E sentado! Sorte? Mesmo? Aproveito essas longas horas para adiantar minhas leituras. Hoje o tempo é tão escasso que só mesmo em um lotação sacolejante que temos a oportunidade de uma outra viagem. E olha que às vezes eu até arrisco leituras malabaristas, usando para pendurar a mochila o mesmo braço que segura o livro.

E justo quando estava mais entretido em uma profana viagem literária, senta ao meu lado um rapaz. Roupas simples, bermuda, barba, jeito tranquilo e pacato. Entre suas mãos, uma Bíblia. Meus olhos escapam furtivamente para as páginas abertas, pois o rapaz não perde tempo para também aproveitar sua oportunidade de devaneio. Um título enorme parece alardear a este leitor clandestino, como uma propaganda: Malaquias. As primeiras palavras de um Profeta Menor. O Último Profeta.

Meus olhos retornam para meu próprio livro. Mas não estou mais sozinho em meu devaneio. Segue-me a culpa. Em minha leitura, o personagem visita um puteiro, reclama do bafo da puta. Enquanto meu companheiro de viagem passa um tempo com Malaquias.

De repente ele tenta chamar minha atenção, tocando com seus dedos meu ombro direito. Eu me viro para ele, em resposta. "Estou te incomodando?" pergunta ele, referindo-se ao seu ombro, que encosta em mim. Respondi que não, de certa maneira perplexo. Impossível estranhos não se encostarem em um lotação metropolitano. Ou seria outro o incômodo?

Novamente divago. Lembro-me da música que escuto com meu fone de ouvido. Uma banda de heavy metal, com seus temas polêmicos, profanos. Sim, estou profundamente incomodado. Comigo mesmo. Com a culpa que paralisa meus braços, que não me deixa dizer tudo o que fica apertado no peito. A mesma culpa que nasceu com este homem, que fazia o menino de sete anos orar pedindo a Deus que não o deixasse morrer dormindo, pois tinha medo de despertar no Inferno.

O rapaz em alguns momentos tentava puxar conversa. Percebi que eu mesmo, de tão incomodado, não dava muito papo. Educado e dócil, ele fazia perguntas das quais sabia as respostas como, por exemplo, o nome da avenida pela qual passávamos. Enquanto eu me perguntava se ele tentaria me evangelizar. Evangelizar. Outra demanda da culpa. Não evangelizar é deixar o outro perder-se. E permitir a perdição do outro é invocar sua própria perdição. Assim dizia Ezequiel. No caso, um Profeta Maior.

E toda essa culpa atravessava minha mente, enquanto eu me perguntava a real intenção do desconhecido jovem. No final, ele não queria me evangelizar. Parecia querer uma palavra de consolo, pois sua vida não estava fácil. Queria vender dois vales-transportes. Havia perdido o emprego e os documentos, inclusive os papéis do Seguro-Desemprego. Ele lamentava ter perdido o emprego de porteiro. Queria o que fosse possível, faxineiro, zelador, servente. Enquanto eu me preocupava com sua inconveniência. A culpa é um veneno compulsório.

Não sei o que poderia ter feito por ele. Quem sabe ter conseguido seus dados para indicá-lo a algum conhecido que pudesse oferecer a ele uma oportunidade. Ou mesmo poderia ter dito: Deus irá guiar seus passos, ajudar você a encontrar um bom emprego. Afinal, acredito em Deus. Mas vale a pena acreditar na culpa?

terça-feira, junho 07, 2011

O Retorno do Guardião

Eu havia determinado não atualizar este blog enquanto não recebesse um comentário sobre minha "homenagem" à Diana Wynne Jones. Fiquei surpreso ao descobrir um novo comentário. Retorno então a este humilde recinto para saudar todos os (possíveis) leitores.

Um dos principais objetivos deste blog é apresentar possibilidades de leituras e de histórias também. A Literatura se revela não só no escrito, mas também nos enredos (nós). Essas histórias ultrapassam os umbrais dos livros e alcançam outros suportes, realizando travessias que ocorrem também no imaginário do leitor.

Por isso, em muitos casos, sinto-me inclinado a discorrer sobre outras formas de contar histórias. Os seriados, hoje tão populares, muitas vezes encerram histórias incríveis. Outras vezes nem tanto.

Outro singelo objetivo é também compartilhar possíveis histórias. Digo possíveis porque um texto só se realiza quando recebe um leitor (ou quando recebido por ele). Por isso, desejo compartilhar aqui o resultado de minha imaginação, outrora tão delirante mas hoje nem tanto.

Saúdo a todos e agradeço muito aos leitores, tanto os que comentam quanto os que se furtam de deixar neste recinto suas palavras.