quinta-feira, abril 20, 2023

A Carta Que Ninguém Vai Ler 2

Meu medo me pega pelo pé. Sinto seu toque como a fisgada de um anzol. Sou puxado para baixo, para o fundo, levado ao lugar ao qual ninguém irá. Solidão, descaso, abandono. Meus companheiros de fuga, quando rejeito e afasto todos que me são queridos.

Uso uma navalha para cortar o rosto. Arranco a pele que o cobre qual máscara. Sou agora um monstro de rosto vermelho e sanguinolento. Ignoro a dor, que é forte a ponto de me matar. Mas hoje não morrerei. Estou desmascarado e sairei à rua para mostrar a todos o monstro que sou.

A agonia surge no centro do peito. Ela me engasga e então sobre pela garganta, saindo aos borbotões pela boca. É amarga e acinzentada, de um cinza bem pesado, carregado, é qual chumbo. Medo e angústia se mesclam, numa dança lasciva e profana. O que será de mim, agora que minha máscara se foi? Agora que meu verdadeiro rosto está à mostra, o que pensarão de mim?

Saio à rua com esse novo visual e percebo que ninguém me olha. Estou nu, de alma à mostra, mas ainda assim ninguém me percebe. 

quarta-feira, abril 12, 2023

A Carta Que Ninguém Vai Ler 1

A angústia me toma, me aprisiona e desgasta. Enquanto isso, escrevo para esperar morrer. Escrevo para adiar a morte. Ou seria para adiantá-la? No fim, todos estamos mortos, pois o tempo é uma ilusão.

Enquanto preencho o caderno com palavras que ninguém vai ler, continuo me lançando ao ridículo de existir. Viver é ridículo. É um absurdo. Mais felizes são as plantas, com a sua fotossíntese e seu vazio existencial de plantas.

Respirar traz para dentro o movimento das ondas. Um oceano represado em meu peito. Quisera eu fazer esse mar escorrer de meus olhos. Talvez, assim, teria alívio. Por que existo? E essa ilusão que é o tempo, por que nos foi imputada?

Quero me entregar ao fogo que me consome. Só que minh'alma é cinza. São brasas quase apagadas que me queimam por dentro. E ainda que sejam tênues e semi extintas, essas brasas queimam como o inferno.

Queria que escrever me curasse da dor que é viver. Se vivo já sofro, imagina quando morto? Os fantasmas são a prova de que morrer é uma pena maior que a de viver. A morte é nosso fim como vivos e início do tormento como mortos.

E todo dia penso se é meu último. Engolfado em desânimo e agonia eu sofro minha tristeza particular. Sigo como alguém que está constantemente se afogando na própria melancolia. Esse é o meu estado, meu ânimo e fôlego. E aqui deixo como um testamento esta carta que ninguém vai ler.