segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O Desespero e a Noite - Parte I de VI

Ir para Aqueles que não morrem - Parte IV de IV


Na primeira noite após o confronto, Seridath decidira isolar-se ainda mais dos demais guerreiros da Companhia. Estava sentado nos limites do acampamento e observava a escuridão entre as árvores. Seu capitão, chamado Murrough, aproximou-se em silêncio, postando-se à frente do rapaz. Num misto de vergonha e indignação, o jovem não quis fitá-lo. Sem dizer palavra, Murrough lançou uma espada aos pés de Seridath, afastando-se em seguida. Era uma lâmina velha e quase cega, que talvez se quebraria se fosse afiada novamente. Não era um presente de primeira, mas com certeza seria suficiente para lidar com aqueles camponeses mortos.
Ofendido, o primeiro ímpeto de Seridath foi lançar longe aquela espada. Mas afinal ponderou em seguida que talvez fosse melhor mantê-la consigo. Não iria substituir a sua preciosa Lorguth, mas talvez fosse útil em uma emergência.
E aquele presente precisou ser utilizado logo no dia seguinte, no segundo confronto. Com Lorguth amarrada às costas, Seridath usou a velha espada muito bem, enfrentando e matando, como os demais, os inimigos que encontrava. Mas a cada oponente que abatia, o rapaz sentia-se mais angustiado por não poder empunhar a jóia preciosa de sua alma, Lorguth.
Depois daquela manhã sangrenta, em que a Companhia teve seu primeiro confronto com os mortos-vivos, muitas outras lutas ocorreram. Havia fazendas e inúmeros vilarejos espalhados por toda aquela região, próximos a Arnoll, mas o exército ora encontrava esses povoados desertos, ora repletos de mortos para recepcioná-los. Com isso, o destacamento envolvia-se em conflitos esparsos, embora sempre mais camponeses contaminados surgissem para atacar os homens. Dentre a infantaria, trinta feridos teriam se tornado zumbis, não fosse pelos conhecimentos antigos de Urso Pardo e seus poderes de cura. Com poções feitas de raízes de diversas plantas medicinais, o andarilho conseguia recuperar os ferimentos, mesmo aqueles infeccionados com a maldição. Se a vítima ainda estivesse viva, era possível impedir que a doença continuasse sua degradação. Ainda assim, os soldados estavam cada vez mais desmotivados e o próprio andarilho enfrentava dificuldades, pois o trabalho se mostrava excessivo para aquele velho corpo. Não conseguiam vislumbrar um resultado real, pois sempre havia mais bandos de seres sedentos de sangue para lançar-se contra as lâminas da Companhia.
A cada zumbi destruído, dois surgiam. Urso Pardo começava a temer que o norte de Dhar já estivesse totalmente comprometido. Para piorar, como o Conde e Senhor de Arnoll havia negado apoio à Companhia, o velho andarilho não pôde seguir seus planos e teve que deslocar suas forças com cautela redobrada, principalmente ao montar acampamento no território amaldiçoado e infestado de mortos.
Em Aldreth, as lutas estavam causando uma profunda comoção. O rapaz sentia-se transtornado, abalado com o que testemunhava. Aquelas pessoas, que eles agora rechaçavam como se fossem monstros, tiveram uma vida, sorriram, choraram, casaram-se e morreram. Mas agiam como criaturas malignas, sanguinárias, e era preciso que fossem eliminadas para não causarem o mesmo mal a outros. O jovem arqueiro ouvia esse discurso continuamente, mas ainda era impossível aceitar. Não conseguia tirar da cabeça a imagem de crianças zumbis, correndo ensanguentadas na direção deles, sua flecha penetrando entre os olhos de uma delas, o pequeno corpo inerte estendido na campina. Essas visões o sobressaltavam, pois vinham à sua mente com uma nitidez surpreendente, como se ele tivesse acabado de vê-las.
Enquanto Aldreth sofria por sua consciência, Seridath parecia mergulhar em frustração. Era desprezado pelos companheiros e sua altivez habitual havia sido substituída por um rosto cada vez mais sombrio e taciturno. Se não estivessem envolvidos em constantes escaramuças, o desprezo dos homens seria mais forte e talvez insuportável. Mas o medo pelo dia seguinte e a ameaça que pairava sobre eles tornava-os mais preocupados em manterem suas espadas erguidas e as bordas dos escudos acima das orelhas.

2 comentários:

  1. Muito, muito, muito ... eu não sei como dizer isso com a veemência necessária... MUITO bom.
    Parabéns.

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  2. Puxa, MUITO OBRIGADO! Estou me esforçando e por isso, sempre que tiver uma crítica ou sugestão, pode falar! Abraços!

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