Shasta se considera um desafortunado. Apesar de ter alguém a quem chamar de pai, o menino sofre com a exploração a que esse suposto pai o condena. Quando não é o trabalho extenuante, são as surras severas a que ele é submetido. Vivendo numa choupana ao sul do Império Calormano, o menino tem uma existência muito infeliz.
Seu destino, porém, começa a mudar justamente quando seu pai adotivo concorda em vendê-lo para um tarcaã, um senhor calormano de alta linhagem. Mas não é a transação que oferece a Shastra um novo destino, mas a montaria do senhor calormano. Sim, o cavalo do tarcaã se chama Bri e ele é um legítimo narniano, possuindo a habilidade de falar. E assim, Bri convence Shasta que a vida com o tarcaã será ainda pior que aquela que o menino tinha com o pai adotivo.
A proposta de Bri é ousada. Um cavalo sem cavaleiro seria rapidamente capturado. Com um o menino a montá-lo, a chance de passarem despercebido seria muito maior, ainda que ele chame atenção com sua pele branca.
Assim, começa a grande aventura de O cavalo e seu menino, terceiro livro de As Crônicas de Nárnia. Nele, C.S.Lewis ambienta a narrativa em um país que lembra o célebre califado de Haroun Al Rashid, de As Mil e Uma Noites. Os nomes das pessoas, do deus da Calormânia, da cidade que faz vezes de capital e até do soberano desse pais, tudo tem elementos que se inspiram no oriente fantasioso do famoso califa.
Apesar do evidente racismo no qual Lewis constrói sua narrativa, afinal a maioria dos calormanos é vil e cruel, há uma riqueza ímpar nesse país imaginário, com referências claras à literatura árabe, à cultura oral, aos montes de poetas que são citados em suas máximas de sabedoria. A Calormânia é de uma riqueza cultural que nos fascina e diverte. Lewis emula até mesmo a oratória e a habilidade de contar histórias, estética que faz referência direta a Sherazade.
A narrativa, cronologicamente, acontece durante O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, pois transcorre durante a Era de Ouro de Nárnia, no reinado de Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia.
Mais uma vez preciso ressaltar o racismo velado. A cor da pele dos calormanos é constantemente assinalada como mais escura que os humanos dos reinos do norte, Arquelândia e Nárnia. As pessoas desses dois reinos são brancas. Esse antagonismo me incomodou muito.
Lewis poderia ter criado um universo sem que fosse marcado um antagonismo assim. Não é porque a Idade Média teve as Cruzadas que o mundo de Nárnia deveria ter um inimigo árabe. A proposta de riqueza cultural da Calormânia é algo lindo e fascinante. O mundo de Nárnia poderia ter seus vilões e inimigos sem que estes representassem toda uma cultura, vilanizada justamente por ser diferente.
Acredito que infelizmente C.S.Lewis incorre no erro de muitos europeus, esse eurocentrismo branco, caucasiano e helenista. Destaco que no mundo em que existe Nárnia, há um Oriente Médio, mas não há uma África. E isso eu considero ainda mais problemático, com o apagamento de toda uma variedade de etnias que poderiam ter enriquecido o universo em que Nárnia está inserida.
Feitas essas ressalvas, o livro foi bastante divertido. Mergulhei no drama de Shasta, em uma jornada de herói torto que aprende que os acasos são todos obra de Aslam e que, ainda que aparentemente vários leões surjam, na verdade há somente um leão.
Outra coisa que me encantou foi a presença das rainhas de Nárnia crescidas e envolvidas nos perigos da diplomacia. Lúcia está especialmente encantadora em sua armadura e sua participação nas batalhas mostra que Lewis se dispôs a revisar sua posição machista de impedir mulheres de lutar nas guerras.
Apesar de seus problemas, O cavalo e seu menino tem a riqueza de detalhes e estética que colocam este livro talvez no patamar de encantador primeiro lugar entre as demais crônicas. Uma obra que nos encanta por sua riqueza de referências.
Ficha Técnica
O Cavalo e seu Menino
As Crônicas de Nárnia # 3
C. S. Lewis
ISBN-13: 9788533616165
ISBN-10: 8533616163
Ano: 1997
Páginas: 189
Idioma: português
Editora: Martins Fontes
Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/o-cavalo-e-seu-menino-1099ed1462.html
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ResponderExcluirApós ver e ler tão bonita publicação que, aplaudo e elogio, oferece-me deixar votos de um FELIZ E SANTO NATAL, extensivo à sua família e amigos
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Poema de Natal: “” Jesus, é a luz, o caminho “”
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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