terça-feira, abril 10, 2012

Paixão

Teu filho morre hoje, Senhora. E não adianta; não há mortal (ou imortal) que se compadeça de teu sofrer. Escuta: esse é o som das tropas. Vêm levá-lo de ti. Ele, tua eterna criança.
Calma! Cessa o fragor de teu peito. A madrugada está longe do fim, o galo ainda não canta. Qual o sentido das lágrimas, Senhora? Guarda-as para um momento mais público.
Afinal, o grão de trigo deve morrer. Olhos ávidos, repletos de dentes, aguardam ansiosamente o fim. Olhos que jamais se fecharam continuam sempre atentos. O espetáculo é necessário, pois traz em si a fascinação do fogo.
Em momento propício, luta. Rasga tuas vestes já negras de antecipado luto. Teu choro não será conformado, lânguido. Será um brado de horror contra a injustiça dos homens. Tua angústia será fúria marítima, rugido da fera a proteger sua cria. Não és mais humana, Senhora; és Ideal. Tua mão ergue a bandeira em prol do futuro dos homens, teus seios estão fartos do leite que será alimento dos povos.
O escuro é preciso, grávido de possibilidades. O escuro de fora, que adensa a noite, logo se fundirá a teu escuro de mãe abortada. Esta noite prenuncia a noite a abraçar teu filho. Em breve, será outra a mãe de teu menino.
Súplicas são inúteis, bem o sabes. Pelo menos para salvar teu filho. Através dele, porém, muitos serão salvos. Teus gemidos vencerão o tempo e tuas lágrimas, os séculos. Teu clamor não será apenas por um, mas por todos os filhos do mundo.

4 comentários:

  1. Nossa... muito bom! Será uma série? Digo, outro dia foi "sorte", hoje "paixão", será uma série?

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  2. o.o Confuso! Profundo! e reflexivo. Será que te deixei tão confuso ao ponto de você descontar em sua leitora assídua?

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  3. "Mas então... não chores mais,Senhora. Alegra-te! Ele vive! Ele venceu a morte! Ele ressuscitou!!!"
    Pena q só hj encontrei seu texto...Tão lindo... tão próprio p a data! Mas, enfim... sempre é tempo de celebrar a vida! Ich liebe dich!

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  4. Esta é uma postagem em ocasião da Semana Santa. Engraçado que li novamente e fico pensando, quantas mães sofrem por seus filhos. O crescimento é uma morte. Os filhos deixam os lares, casam-se, vão buscar seus sonhos.
    A maternidade é um ideal? Ou será uma realização física de algo misterioso, metafísico?
    Dá pra pensar em tudo isso... rs

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