Seridath ouviu o estardalhaço e percebeu, com o rabo do olho, que Balgata
lançava seu oponente a uma boa distância, fazendo-o
bater contra a parede de madeira de outro casebre semidestruído.
O adversário de Seridath aproveitou a distração
para lançar um último ataque. Contudo, era uma
distração aparente. O cavaleiro bloqueou a lâmina
da esquerda e fintou, desviando-se do corte que vinha pela direita,
embora o fio da cimitarra tivesse chegado a fazer um talho em sua
orelha. O cavaleiro aproveitou para fazer descer Lorguth
contra o braço estendido do oponente, decepando-o. A criatura
urrou, enquanto seu sangue negro derramava-se pelo chão. Da
ferida feita à altura do cotovelo quatro antebraços
começaram a nascer simultaneamente, em espasmos
descontrolados. Seridath não esperou a recuperação
do inimigo. A criatura tentava bloquear com a cimitarra que restara,
mas o guerreiro foi mais rápido em escorar a defesa do outro.
Jogando o corpo para frente, ele estocou, perfurando o tronco da
criatura.
Aquele foi o
primeiro momento que Seridath matava após ter devidamente
despertado os poderes de Lorguth. Foi uma experiência ímpar.
Era como estar mergulhado em uma profunda escuridão e perceber
a chama de uma tocha à sua frente, sentindo o calor dessa
chama tornar-se seu próprio calor, enquanto
a tocha era apagada num instante. Seridath não fechou os olhos
por nenhum momento, mas foi assim que ele percebeu tudo. E adorou
cada milésimo de segundo. O cavaleiro também recebeu,
por um instante, os sentimentos e intenções de seu
inimigo. Sentiu todo o ódio, o rancor e a surpresa da
derrota. E essas sensações não foram menos
deliciosas.
A criatura morta parecia agora um
esboço de boneco, sem rosto ou contornos definidos.
– Ei!
Ei!!! – gritou Balgata ao lado de Seridath.
– O
quê? – perguntou ele, saindo de seu êxtase.
– Quer
morrer, idiota!? O fogo já está quase chegando aqui!
Balgata
virou-se e retornou ao lugar que havia arremessado seu oponente. O
capitão recuperou sua espada, que mantinha
o cadáver do inimigo preso aos escombros do casebre. Seridath
voltou-se para Aldreth e observou o arqueiro tremer, encolhido contra
a parede de madeira. O cavaleiro levantou seu pajem com um puxão
violento pelo pulso. O garoto nem parecia assustado, mas catatônico.
Voltaram a correr pelo labirinto dos casebres, derrubando qualquer
zumbi que surgisse em seu caminho. Seridath foi o primeiro a alcançar
o centro da aldeia, sendo seguido por Aldreth, Balgata e os demais.
Pararam todos
em frente à casa do prefeito, que estava lotada de refugiados.
Na varanda e nas janelas, arqueiros e anões estavam postados
em ângulos estratégicos. Parte do telhado havia sido
removido e alguns dos aldeões também estavam lá,
junto com os homens do Juiz Anfard e do Senhor Denor. Carregavam
arcos e bestas de caça. Dava para ouvir o pranto e as lamúrias de dentro do casarão, sons que se misturavam com os gritos de
pavor das vítimas e gemidos
incompreensíveis dos mortos-vivos. Aquele tal de Culliach, o sacerdote, devia estar bem ocupado. Seridath não deixou de achar graça
naquilo tudo. Pelo menos, havia conseguido o que queria. Lorguth
estava sendo útil em suas mãos.
O incêndio
alcançava
o centro da aldeia, tornando a fumaça ainda mais densa. Pelo menos, o fogo parecia funcionar mesmo contra os zumbis, pois até
aquele momento, nenhum havia se aproximado. Os homens permaneceram
alertas, esperando os inimigos surgirem do meio da escuridão e
da fumaça. Estranhos grunhidos e som de correria foram
gradativamente tomando forma além do campo de visão dos
guerreiros sobreviventes. Parecia improvável, mas os sons de
uma misteriosa batalha ecoavam no meio da escuridão. Seridath,
com os olhos ávidos, perscrutava o que ocorria por detrás
do manto enfumaçado. Seus olhos captavam algumas cenas de luta
corporal entre seres que ele não conseguia distinguir.
Subitamente,
irrompeu
dos escombros e da fumaça a figura de um dos mortos-vivos
carregado seu machado. Tinha perdido o braço esquerdo e uma
das pernas parecia torcida. Ele mancou feroz rumo ao grupo de
guerreiros que estava em frente à casa. Mas dois outros seres
vieram em seu encalço. Pareciam vagamente humanos, mas não mais que o zumbi que perseguiam. Vestidas de farrapos, essas
criaturas tinham pústulas e erupções por todo o
corpo avermelhado e, de alguma forma, pareciam familiares a Seridath.
O rapaz sentiu a mão trêmula de Aldreth tocando seu
braço.
– Re-Rerfard!
Dri-Driscol ta-ta-também! – gaguejou ele para Seridath. –
Os bandidos... os bandidos que você matou!
Seridath olhou atordoado para
arqueiro. As criaturas acabavam de despedaçar o inimigo com as
unhas e os dentes. Uma delas voltou os olhos vermelhos e injetados
para o cavaleiro e depois sumiu na escuridão, sendo seguida
pela outra. Engolindo em seco, Seridath olhou para sua espada
Lorguth. Agora tudo parecia fazer sentido. Aquela arma concedia uma
morte amaldiçoada para quem caía pelo seu fio. Depois
de morto, o inimigo era obrigado a lutar pelo portador da espada. Era
esse o poder tão maligno do "Sombrio"?
Em construção, da uma lida e opinião... já esta metade escrito, mas as postagens serão semanais...
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