quarta-feira, agosto 28, 2013

Selos: The Versatile Blogger Award

Selos

Fui indicado pelo Vitor, do blog O Guardião da Muralha, para dois selos.



Bem, para simplificar, vou responder tudo junto.

Regras do primeiro:

 - Agradecer a pessoa que lhe deu o selinho e colocar o link dela;
 - Escolher 15 blogs com menos de 200 seguidores;
 - Avisar os blogs que você indicar;
 - Escrever 7 coisas que você gosta.

Do segundo:

 - Postar o selinho e dizer quem o indicou;
 - Presentar outros blogs;
 - Dizer 7 coisas sobre você:

Vou escrever 7 coisas que eu gosto, o que atende às regras dos dois selos...
1. Ler, principalmente literatura de fantasia, mas gosto também de mangás e tirinhas;
2. Namorar;
3. Assistir animes;
4. Assistir seriados;
5. Ir ao cinema;
6. Fazer carinho em algum cachorro;
7. Milkshake de Ovomaltine;
8. Açaí com paçoca, leite condensado e leite em pó (^_^);
9. Escrever;
10. Nadar;
11. Contar histórias, ou ler, principalmente se for para crianças;
12. Viajar para a roça ou para a praia;
13. Cantar, sozinho ou em coral;
14. Devanear;
15. Abraçar as pessoas.

Blogs indicados:

 Obrigado, Guardião da Muralha!

segunda-feira, agosto 26, 2013

A retirada - Parte IV de V

Ir para A retirada - Parte III de V

A marcha prosseguiu, quase ininterrupta, durante os dois dias seguintes. Os homens revezavam-se, descansando dentro das carroças mais vazias. As paradas eram rápidas, duravam no máximo dez minutos. Todos estavam em situação deplorável, principalmente Balgata. O capitão já não usava mais seu elmo e tinha o rosto abatido, com a barba por fazer e o cabelo ruivo desgrenhado. Seridath era o único que se mantinha quase impecável. Estava barbeado, bem disposto e quase não fazia questão da ração distribuída entre os homens. Durante a viagem ele e Aldreth não haviam trocado palavra. Mas Seridath sentia-se em uma situação confortável. Era respeitado por Balgata, talvez temido, e isso o agradava. Mas havia outra questão importante para o rapaz. Sentia-se mais disposto após ter matado aqueles argros. A espada alimentava-se de sangue fresco, como Urso Pardo mesmo dissera. Aos poucos aprendia algo novo sobre sua companheira.
Enquanto o cavaleiro perdia-se em seu deleite, Balgata atravessava questões muito mais sérias. Para ele, a coisa toda só estava piorando a cada segundo. O ataque a Keraz, a fuga e agora a marcha forçada. Sem falar nos feridos e doentes, que pareciam já estarem nas últimas. O capitão hesitava em simplesmente deixá-los para trás. Mas o que mais o preocupava era a forma como os inimigos estavam atuando. Balgata pensava perplexo em como os mortos-vivos haviam ficado "inteligentes" dentro de pouco tempo, com organização militar apta a assaltar uma cidade, a ponto de reduzi-la a escombros. Lembrou-se então de uma reunião que ocorrera antes do início daquela expedição. O Conselho de andarilhos os havia advertido de que zumbis organizados indicavam a presença de um líder, alguém de imenso poder que pudesse orientar os mortos-vivos através de sua aura maligna. Balgata queria ter podido confirmar essa suposição durante o interrogatório do argo prisioneiro, que o maldito Seridath matara covardemente.
Ao fim do terceiro dia, a caravana alcançou uma gruta escondida no meio do bosque. O habitantes da região a chamavam de "Gruta do Sapo", pela forma da entrada, que lembrava a boca escancarada do anfíbio. Era um bom lugar para ser usado como esconderijo, pois as árvores cerradas ocultavam a entrada e o interior tinha espaço o suficiente para guardarem as carroças. Cansados, os sobreviventes penetraram na gruta e foram se jogando ao chão, como trapos puídos.
Descansem, aproveitem – advertiu Balgata –, pois logo cedo iremos seguir viagem.
Mas, e os outros? - inquiriu um jovem aldeão. – Estarão bem?
Os outros estão por contra própria. Estamos seguindo este caminho com a esperança de terem sobrevivido. Não adianta acumular preocupações com eles. Já temos com o que nos preocupar.
Os demais aldeões baixaram os olhos. Eram pessoas que perderam seus parentes, mas que enviaram alguns deles nos outros grupos, com esperança de que se salvassem. Mas agora a incerteza tomava conta dos corações. Foram perseguidos, interceptados, mas sobreviveram. Ainda assim, nada garantia que os outros dois grupos não tivessem sido atacados. Um punhado de crianças sem pais estavam com entre os temerosos sobreviventes, sem ninguém para olhá-las. O desamparo dos idosos também era visível. Os feridos já apresentavam os estágios finais da contaminação. Alguns deles talvez morressem ainda naquela madrugada.

E foi realmente uma noite dura. Cinco homens ficaram de vigia na entrada, enquanto outros cinco velavam os doentes. Logo que alguém expirava, o corpo era silenciosamente carregado até o lado de fora, onde era tratado de forma que não se levantasse mais. Naquela noite, seis dos oito doentes foram sepultados dessa maneira. 

Continua...

quinta-feira, agosto 22, 2013

Lançamento do livro O Medalhão e a Adaga



Finalmente, depois de quinze anos de reescrita, momentos de solitário devaneio, transpirações e conspirações, vou lançar meu primeiro romance juvenil, O Medalhão e a Adaga, pela Editora Multifoco (www.editoramultifoco.com.br).

Data: 21 de setembro, sábado, às 11h30.
Local: Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte.
Rua Carangola, 288, Santo Antônio. Belo Horizonte - MG.

Mais informações: (31) 3277-8658
educativo.bpijbh@pbh.gov.br

Sinopse:

Bildan é um jovem que perdeu seus pais ainda na infância, tendo crescido sem saber muita coisa sobre suas origens. Porém, tudo muda quando ele encontra uma misteriosa garota e um livro mágico, com uma mensagem secreta. Assim, o rapaz deverá atravessar uma terra repleta de magia e perigos, numa jornada desafiadora, rumo a grandes revelações sobre seu passado e sobre o sentido de sua existência.


Texto da orelha, por Simone Teodoro:

Esta história de Samuel Medina que o leitor tem em mãos poderia ser apenas mais uma narrativa sobre o tortuoso percurso de um herói em formação: Bildan, órfão desde os sete anos de idade, que parte para uma difícil jornada em busca da resolução do mistério relacionado à sua origem. Mas não, caro leitor. A história de Samuel Medina nos oferece muito mais.
De fato, já na primeira cena, que antecede a estranha e trágica morte de seus pais, o protagonista é fulminado por um forte sentimento de angústia, cujo correspondente externo é um inquietante e paradoxal sol que emite raios sombrios. Tal sentimento, sempre acompanhado do signo da escuridão, é uma constante no livro. E é partindo de elementos como o escuro e o Vazio que o autor, com admirável originalidade, tece toda uma mitologia moderna, com sua cosmologia e simbologias, na linha de Tolkien. 
Em suma: esta história que o leitor terá o prazer em ler, embora nos fale de um mundo que não é o nosso, está bem afinada com ele, pois é uma história sobre solidão e a orfandade, sobre luzes e sombras, sobre o medo, sobre o amor e a amizade.
Para mim foi uma ótima leitura.
Que seja também para todos vocês!

Ficha Técnica:
O Medalhão e a Adaga
Samuel Medina
Editora Multifoco
196 páginas

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/341451

quarta-feira, agosto 21, 2013

Em casa, uma vez mais


Era para ter sido uma visita monitorada rotineira. Bem, nem tanto. Foi com muita surpresa e certa dose de apreensão que avistei a turminha de 25 crianças da Escola Integrada, chegando às 13h, uma hora e meia antes do horário tradicional de visita. 
Diria que o suor escorreu frio, mas isso é um recurso ficcional. Minha concentração maior era receber aquelas crianças e buscar mostrá-las, ainda que minimamente, quão maravilhosa uma biblioteca pode ser.
O percurso pelas estantes, entre os amplos espaços da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil, foi também um momento de afeto. Serenas e atentas, aquelas crianças seguiam a cadência de minha voz, que ora se elevava, ora tornava-se quase um sussurro. Era como se eu estivesse compartilhando um segredo a todas elas.
E foi logo depois do momento da leitura que uma menininha de dois anos, que não fazia parte da turma e visitava a Biblioteca com sua mãe, abordou-me quase imperativa. Ela sacudia graciosamente, naquele jeito belo e descuidado que toda criança tem, um exemplar do livro "O Bonequinho Doce", de Alaíde Lisboa. "Lê essa história pra mim?" ela disse. Impossível negar tal pedido.
Ajoelhei-me ao lado dela e comecei a leitura. E ficava encantado a cada momento que a menina, chamada Letícia, soltava uma gargalhada a meio tom, de um jeito sapeca, como se a risada fosse quase uma transgressão.
De repente, Letícia pulou no meu colo. Senti-me como se estivesse lendo para um de meus sobrinhos. Senti-me em casa em pleno trabalho, uma vez mais.
Terminada a leitura, Letícia saiu correndo pela Biblioteca, atrás de sua mãe. E eu continuava lá, parado, desmanchando igual ao Bonequinho Doce.

segunda-feira, agosto 19, 2013

A retirada - Parte III de V

Ir para A retirada - Parte II de V

Para evitar qualquer desastre, caso fossem alcançados por perseguidores, Balgata dispôs dois terços do grupo de vanguarda para reforçar a retaguarda da caravana. Era um remanejamento precário, mas o capitão procurava não pensar na grande quantidade de pontos vulneráveis do grupo.
Na manhã seguinte, os fugitivos sofreram as conseqüências de terem eliminado a patrulha de argros. O primeiro a perceber foi Seridath, que de repente sentiu vontade de deixar a vanguarda e dar uma espiada em Aldreth. O cavaleiro avistou-o na retaguarda, com aquele mesmo olhar desenxabido, chutando pedras pelo caminho, logo atrás do último comboio. O guerreiro achou graça. Era um garoto miserável, aquele. Um menino que nunca chegaria a lugar nenhum. Mas então algo chamou a atenção do cavaleiro para as árvores atrás do ombro esquerdo de Aldreth. Parecia que alguns troncos escuros moviam-se. Apressando o passo, o cavaleiro desembainhou Lorguth, enquanto constatava que na verdade não eram troncos e sim homens. Humanos degradados, sem pele, vestidos com aqueles mesmos uniformes escuros, tendo a caveira desenhada no peito. Um pelotão inteiro deles.
– Ataque! berrou Seridath, a plenos pulmões. Ataque inimigo!
O cavaleiro passou os últimos homens que compunham a retaguarda e meteu-se entre as árvores. Os inimigos estavam espalhados pelo bosque, de forma que era impossível determinar seu número. Seridath podia somente presumir que eram vários. Os demais sobreviventes repetiram os gritos do cavaleiro, de forma que logo a vanguarda sabia da situação. Balgata pigarreou, enquanto puxava a espada da bainha e a jogava da mão direita para a esquerda. Esse era o preço. Não faria sentido se os inimigos não fossem atrás da isca.
O capitão gritou ordens aos homens, orientando-os a agruparem as carroças. Os comboios moviam-se lentamente, de forma que não adiantava tentar fugir de um inimigo mais veloz que eles. Ordenou que a tropa que compunha a retaguarda fizesse uma formação em linha cerrada. A maior parte da tropa da vanguarda deveria recuar e reforçar a linha, deixando a parte dianteira da caravana praticamente exposta, contando com apenas 10 homens. Lucan não havia voltado, de forma que era menor a chance de inimigos chegarem pela frente, mas o arauto poderia já estar morto. Balgata decidiu arriscar. Seridath havia sumido. A fileira de 35 homens, formada por guerreiros e aldeões inexperientes, era mais do que precária. Não havia como evitar que os inimigos os flanqueassem, isolando-os das carroças que se agrupavam. O capitão gritou:
– Homem contra homem! Arqueiros, escolham seus alvos, linha longa no flanco direito!
Os guerreiros obedeceram, enquanto os camponeses atrapalhavam-se com as armas, sem coordenação. Aquilo seria um massacre. Balgata nunca fizera preces a deus algum, mas naquele momento ele fez uma oração a Nereth, um dos Deuses da Morte. Pediu que eles ao menos não se transformassem naquelas coisas contra as quais lutavam. Os guerreiros se espalharam, usando as árvores como apoio na escaramuça. Dois aldeões morreram logo no embate, sendo mutilados a golpes de martelos de guerra. A diferença era de três para um, mas o capitão procurava não pensar em números. Ergueu o braço esquerdo e bradou:
Avante, Companhia! Vamos vender nossas vidas caro!
Como um demônio, o capitão lançou-se entre as árvores, brandindo sua lâmina. Equilibrando força e agilidade, Balgata já havia derrubado quatro zumbis, quando ouviu um som agudo sibilando rente ao seu ouvido direito. Um dardo cravou-se no tronco de árvore mais próximo. Aqueles malditos cuspidores de setas também estavam por lá, escondidos no interior do bosque. "E o cachorro covarde sumiu..." pensou Balgata, referindo-se a Seridath, enquanto desviava a trajetória de um machado de guerra e lançava um contra-golpe, arrancando o maxilar do zumbi que o enfrentava. A criatura tombou após o capitão arrebentar sua testa, deixando o cérebro à mostra, putrefato e repleto de vermes. O fedor dos mortos-vivos começava a subir naquele bosque frio.
Os anões, orientados a não usar explosivos, lutavam com maças e machados. Uri era de longe o mais habilidoso, usando de seu tamanho como vantagem para mutilar os adversários. Um dos anões foi morto com uma seta no alto da cabeça. Eles usavam pouco equipamento de guerra, apenas peitorais de couro, sendo que alguns nem dispunham de elmo, apenas gorros com cores escuras. Mas eram lutadores mortais, velozes e de grande agilidade. Dizia-se que também tinham talento nato para o arco, embora nos últimos anos tivessem considerado o manuseio de tal arma uma prática desonrosa.
Naquela manhã cinzenta, os únicos sons que enchiam o bosque eram os canglores de metais, gritos de desespero e o som de carne sendo cortada. A esses sons logo uniram-se os berros excitados de meia dúzia de argros, que acompanhavam o pelotão de zumbis e buscavam vingança por seus companheiros mortos. Balgata caçava os cuspidores de setas, que estavam espalhados de forma estratégica em torno dos humanos e anões. Por três vezes o capitão esteve por um triz de ser alvejado por uma das setas. Um ferimento daqueles poderia significar uma morte lenta, dolorosa e a posterior zumbificação. O grande guerreiro nem sabia mais as condições da sua tropa. Havia entrado demais no interior do bosque, apenas ouvia os sons da luta em algum lugar à esquerda. O capitão localizou mais um daqueles monstros cinzentos e bizarros, com os dardos a tamparem a bocarra sem lábios. Estava quase escondido atrás de um grande tronco morto. Antes que o oponente notasse, Balgata decepou sua cabeça, que rolou pouco sobre o chão ressecado.
O capitão virou-se por instinto, ouvindo o som da madeira podre ser estraçalhada. Com habilidade, um argro de tamanho médio lançou-se sobre o grande guerreiro, brandindo um machete. Balgata golpeou a cara da criatura com o escudo, enquanto girava o braço esquerdo, brandindo a espada, que partiu o machete e penetrou fundo na carne peluda do inimigo, à altura do ombro direito. O argro uivou, mas Balgata deu um forte chute em sua barriga e o homem-roedor bateu suas costas no que havia restado tronco morto, mas a lâmina continuou presa. Mais setas sibilaram perto do capitão, que girou o oponente, usando-o como escudo. Os dardos foram penetrando em seqüência nas costas do argro, que dava berros curtos e estridentes a cada vez que era atingido. Balgata o empurrou, obrigando o inimigo a correr de costas, diminuindo a distância entre ele e o lançador de dardos, ainda usando o argro como escudo. O rosto do roedor estava bem próximo ao de Balgata, que por um relance pôde observar como aquele inimigo era diferente do prisioneiro executado por Seridath. Ainda parecia um râmster, embora os dentes da frente fossem mais pontudos, como se tivessem sido limados. Os olhos estavam brancos de ódio e loucura. Era um inimigo robusto e que ainda estava vivo, mesmo com uma espada presa em sua clavícula e com pouco mais de dez setas cravadas em suas costas. Mesmo assim, ele ainda berrava, espumava e tentava morder Balgata, que tinha dificuldades em contê-lo.
Em um instante o argro calou-se, soltando um gorgolejo. Surpreso, Balgata viu uma ponta negra surgir do pescoço do inimigo, que amoleceu logo em seguida. O argro tombou, revelando Seridath, que rapidamente tirou Lorguth do morto. Os dois, o capitão e seu subalterno, olharam-se por meros instantes. Desprezo e indignação trafegaram por aqueles dois fortes que fitavam um ao outro. Em silêncio, Seridath agitou Lorguth, para retirar o sangue da lâmina. Ainda sem embainhá-la, o guerreiro cruzou com o capitão.
– Onde você estava? inquiriu Balgata.
– Aqui, lutando respondeu Seridath. Não se preocupe, capitão. Nossos homens estão em segurança. Parece que alguém matou mais da metade de nossos inimigos.
– Alguém? perguntou Balgata.
– Sim, alguém.
Seridath falava a verdade. Ele também estava perplexo. Havia matado um bom número de argros e mais um punhado de cuspidores de flechas. No meio das árvores, vira vultos movendo-se com grande rapidez, mas apenas encontrou zumbis e argros despedaçados pelo caminho. Estava tão intrigado quanto Balgata, embora tivesse fortes suspeitas de que as mesmas criaturas aniquilaram os inimigos em Keraz atuavam novamente e sabiam, de alguma forma misteriosa, quem deveria ser eliminado. O rapaz continuou seu caminho rumo à caravana, enquanto o capitão permanecia ainda parado, em silêncio. Parecia chocado com a facilidade que Seridath matara o argro que havia lutado tanto para viver.
– Está esquecendo sua espada, capitão Seridath interrompeu os pensamentos de Balgata, falando sem virar-se.
O capitão resmungou algo ininteligível, enquanto punha o pé esquerdo sobre o corpo do argro morto, liberando sua espada com um puxão violento. Balgata não limpou o sangue da espada nos pêlos do inimigo. Ainda estava impressionado, de forma que chegou a pensar em enterrar aquele oponente. Mas não havia tempo para honras e gentilezas de guerra. O capitão logo retornou à caravana. O saldo da batalha fora pesado para um grupo tão pequeno. Ao todo 8 mortos, sendo quatro aldeões, três guerreiros e um anão. Os demais não estavam sequer feridos. A luta durara poucos minutos, de forma que todos estavam impressionados por terem vencido.

Lucan ainda não havia retornado, mas nenhum inimigo os abordara pela retaguarda, e por isso Balgata acreditava que o arauto continuava fazendo seu trabalho de vigiar o caminho à frente. O capitão deu ordens rápidas para que os comboios estivessem em movimento o mais rápido possível. Seguiram no mesmo ritmo durante o dia inteiro e por toda a noite.

Continua...

quarta-feira, agosto 14, 2013

Ressurreição?

Depois de estar relativamente desconectado (é quase impossível utilizar o blogger do celular), retorno a este espaço. Finalmente, resolvi o problema da falta de computador. Assim, peço desculpas a todos por tanto tempo de ausência.

Meu primeiro esforço será em retribuir cada visita e comentário recebido. Em seguida, irei também responder às tags e campanhas. Por último, retornarei com as resenhas e, posteriormente, com a narrativa "O Viajante Cinzento". 

Amigos, mais uma vez peço desculpas pela ausência. Prometo que será compensada!

segunda-feira, julho 01, 2013

A retirada - Parte II de V

Ir para A retirada - Parte I de V

Lucan retornou no fim da tarde. O arauto ofegava, por ter corrido durante um trecho considerável.
Eles estão vindo, senhor – reportou ele a Balgata. – Um bando daqueles bichos peludos. Parecem que estão patrulhando a região.
Sei... – respondeu o capitão. – Estão realmente recebendo ordens. Não duvidava disso, mas até agora não sabemos ao certo com o que estamos lidando. Eles estão seguindo em nossa direção?
Creio que sim.
Então temos que interceptá-los – intrometeu-se Seridath.
Não creio que isto aqui seja um conselho de guerra – respondeu Balgata, com rispidez.
Eu sei, capitão, mas é melhor usar o elemento surpresa.
Agora era o que me faltava! – rugiu o capitão. – O garoto querendo dar aulas a um oficial!
Seridath calou-se. Aquele brutamontes já estava começando a irritá-lo. Mas Balgata não demorou a concordar. Contrariado, admitiu:
Tudo bem. Faremos um assalto. Deve ser rápido e sem baixas de nosso lado. Nenhum deles pode fugir, mas eu quero um prisioneiro a quem possa fazer perguntas. Fui claro?
Sim, senhor – respondeu Seridath, com um sorriso divertido.
Segundo Lucan, eram vinte homens-macaco, todos portando clavas ou lanças rústicas. Balgata levou metade do grupo de vanguarda. Avistaram a patrulha após meia hora de marcha. Esconderam-se atrás dos troncos secos, enquanto observavam as criaturas aproximando-se. Era a primeira vez que olhavam os inimigos tão de perto e à luz do dia. O capitão já havia acertado os gestos de ordem. Seridath e Lucan estavam próximos a ele, bem como o anão Uri, portando um machado repleto de runas. Os argros, como Urso Pardo os havia definido, eram mesmo humanóides, embora andassem curvados e não usassem roupas, exceto uma tanga que lhes cobria a cintura. Eram criaturas feias, embora inspirassem mais pena que medo. Sua feiúra denotava decadência e abandono. Pareciam quase desprotegidos. Apenas Uri trilhava os dentes diante da visão dos inimigos, murmurando impropérios na língua do seu povo.
Balgata acenou para os guerreiros. Era a hora. Lançaram-se sobre os inimigos como uma torrente silenciosa e mortal. Nenhum deles sentiu-se animado a dar berros de guerra. Os argros caíram na emboscada, soltando uivos de dor e desespero, enquanto eram golpeados pelas armas da Companhia. Somente Seridath, com sua rapidez e habilidade, degolou três deles, que sequer esboçaram reação. Mais uma vez, o cavaleiro recebeu as sensações dos inimigos mortos, sentiu o calor de suas mortes. O bando de argros foi espremido entre os atacantes, mas um deles, mais magro e baixo, conseguiu escapar do cerco, largando sua clava. Seridath foi em seu encalço, derrubando-o com um chute nas costas. A criatura tropeçou e rolou pelo chão pedregoso, soltando ginchos de dor.
Garzinb nïgh atmarihr! – gemeu o argro. – Não mata! Garzinb nïgh! Pedir perdão!
Agora ele estava cercado pelos homens da Companhia e olhava, aterrorizado, para todos os lados, tentando proteger a cabeça com os braços curtos.
Vamos logo matar esse verme desgraçado! – rugiu Uri.
Espera! – interviu Balgata. – Ele deve responder umas perguntas primeiro. Se ele souber nossa língua, é claro.
Uri baixou o machado, antes pronto para esmagar a cabeça do homem-macaco. Mas, numa segunda olhada, era possível concluir que se tratava de um menino argro, quase um filhote. Era um milagre que ele soubesse falar mais de duas palavras na língua dos homens.
Anão, você fala a língua desta criatura? – perguntou o capitão.
Garznirni não têm língua própria, senhor – respondeu Uri, entredentes. – Essa escória usa nossa língua. Nossa língua!
Pois converse com ele na sua língua, anão. Arranque da criatura qualquer informação útil.
Uri, contrariado, voltou-se para o argro. Começou com algumas frases isoladas, que o prisioneiro respondia timidamente. Logo, o anão passou a fazer perguntas mais longas, que o argro respondia com a cabeça baixa. Enquanto o interrogatório prosseguia, Lucan aproximou-se e examinou melhor o prisioneiro.
Mas ele não se parece com um macaco... – comentou o arauto. – Parece mais um râmster. O que é medonho é essa falta de orelhas...
Ninguém respondeu, mas, de fato, o argro tinha o rosto dócil e os dentes avantajados de um roedor. Os olhos eram um pouco menores, quase humanos. Poderia se passar por um esquilo gigante, mas não possuía orelhas. Balgata comentou:
Uma vez alguém me disse que essas criaturas têm as orelhas arrancadas em seu nascimento. Parece ser um ritual desse povo.
Medonho... – sussurrou Lucan.
Nesse momento, começou uma confusão. Uri partiu para cima do argro, golpeando-o com o cabo do machado. Quatro homens, além de do capitão, foram necessários para arrancar o anão de cima da criatura, que guinchava e choramingava.
Pelos abismos! – praguejou Balgata. – Segurem esse anão!
Pedaço de merda, eu te mato, porcaria! – gritava Uri.
Os quatro homens seguraram o anão com força, mas o argro aproveitou a confusão para escapar entre as pernas de seus captores.
Todos se alarmaram. Se o argro chegasse ao seu destino, estariam perdidos. Mas a perseguição ao fugitivo sequer começou. Seridath interceptou o caminho da criatura, surgindo de trás de uma árvore. O argro brecou, ergueu os braços e estava para abrir a boca quando o cavaleiro perfurou-o com Lorguth. A criatura choramingou e tombou num átimo.
O que você fez!? – esbravejou Balgata.
Eliminei um inimigo, capitão – respondeu o cavaleiro. - Creio que o anão já deve ter conseguido alguma informação... "útil".
Você é um maldito covarde, isso sim! – gritou o capitão. – Matar um inimigo desarmado, quando ele ia suplicar por sua vida!
Deixe os cavalheirismos de lado, capitão Balgata – aconselhou Seridath, friamente. – Esse animal nem é humano e mantê-lo como prisioneiro seria dar uma constante chance para sua fuga. Eliminar um prisioneiro inútil é o mais acertado na situação crítica em que estamos.
Balgata murmurou uma praga, mas deixou como estava, desistindo de discutir com Seridath. Todos voltaram-se para Uri, que ainda era mantido pelos próprios companheiros. Os homens fizeram menção de soltá-lo e ele mesmo se desvencilhou, girando os ombros com violência. Nenhum deles protestou ante o gesto do anão. Todos aguardaram o que ele tinha para dizer.
Não tinha nada de útil – resmungou Uri.
Como assim? – inquiriu Lucan.
Nada. Aquele pedaço de bosta ficava repetindo que não sabia nada, que era a primeira "caça" dele e que eles tinham migrado para morar nas terras que foram prometidas. Não sabia quem prometeu. Também disse que não sabia pra que lado ficava o acampamento do seu povo. Era uma porcaria inútil.
Então estamos na mesma – respondeu Balgata, resoluto. – Vamos apressar os comboios. Também vamos tomar um desvio e tentar apagar nossos rastros. Logo eles saberão da patrulha que não retornou.

Os homens se puseram a caminho e chegaram à caravana em poucos minutos. Foi penoso guiar os bois para fora da estrada. Sabiam que era um recurso quase infrutífero e que lhes renderia horas extras de marcha, mas Balgata estava decidido a não condenar o grupo por negligência, ainda que mínima. Seguiram por sendas tortuosas e estreitas, entre troncos secos de árvores que pareciam já mortas. Anoitecia e eles continuavam em marcha. Não acamparam, pois a falta de abrigo deixava-os vulneráveis a ataques furtivos e aos possíveis perseguidores. Durante a noite, a caminhada foi bem mais lenta e penosa, pois não poderiam acender fogo para iluminar o caminho. Por sorte, o luar crescente forneceu iluminação suficiente para que pudessem prosseguir.

Continua...

sexta-feira, junho 07, 2013

Chapeuzinho Amarelo e o Medo do Medo



Uma menina paralisada pelo medo um dia dá de cara com a materialização de seus temores e descobrirá muito sobre si mesma, aprendendo uma forma criativa de tornar se próprio medo em brincadeira.

Esse é o mote para a deliciosa história criada por Chico Buarque e ilustrada por Ziraldo, o eterno maluquinho.
Chapeuzinho Amarelo é uma menina que, de tão medrosa, mantém sua vida em suspenso, na eterna expectativa de encontrar o famigerado lobo e ser por ele devorada, como ocorrido com aquela outra menina, também Chapeuzinho, só que de cor diferente.

Nessa história, tão curta e ao mesmo tempo tão poderosa, Chico lança mão de todo o seu talento de compositor e poeta, mostrando sua intimidade com as palavras e concedendo ao texto uma musicalidade ímpar.
A menina não precisa de um herói, de um valente caçador para enfrentar aquele lobo. Afinal, o vilão é capaz de comer "duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa". Assim, não há caçador que possa contra esse famigerado monstro. A única pessoa capaz de enfrentá-lo é a própria Chapeuzinho Amarelo, pois foi o seu medo que trouxe o lobo, antes tão longe, para perto. 

E o que poderia ser um terrível encontro logo se revela a oportunidade de brincadeira e de autoconhecimento. Chapeuzinho Amarelo é uma história marcante, poderosa e repleta de poesia. Uma bela alegoria, capaz de tocar a alma de crianças de todas as idades.


Ficha Técnica
Edição: 30
Editora: José Olympio
ISBN: 9788503006156
Ano: 2011
Páginas: 36

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/11396

quarta-feira, maio 15, 2013

Alma Quebrada - Parte Final

Com seu único olho são, ele fitava o teto do quarto de hóspedes. Procurava organizar seus pensamentos, mas sua mente era preenchida apenas por sons e imagens. Recortes esparsos da experiência de uma noite passada em claro, vomitando sangue, sendo costurado, examinado, reparado. Como se fosse de fato possível reparar aquilo que estava quebrado para sempre.

Um médico constantemente havia parado diante de sua maca, para perguntá-lo quem era, quantos anos tinha, onde morava, dentre outras perguntas. Nelas, buscando responder corretamente ao médico, ele tentava redescobrir-se, como se fosse possível recuperar a peça para sempre perdida dentro de sua alma.

Agora, passado o pior daquele pesadelo, o rapaz olhava para o teto e revia infinitamente a mesma cena do acidente, procurando descobrir onde ele errara, onde tomara uma decisão equivocada, desviando para sempre o curso de sua vida. Agora era um brinquedo quebrado, um inválido na tarefa de ser alguém de fato. Retornava à casa dos pais, amparado como criança, sua maioridade revogada.

Tentou deixar o leito, firmar pé, até descobrir que sua visão não era mais a mesma. Jamais seria. Seu passo agora seria eternamente trôpego, vacilante. O que era circunstancial tornara-se um fato. Antes titubeava por indecisão, agora era por condição.

Talvez tudo isso fosse mentira. Ou ao menos um equívoco passageiro. Talvez sua alma estivesse apenas trincada. Ou talvez, mesmo em estilhaços, fosse possível restituir à sua alma uma integridade anterior. Quem sabe essa infância forçada fosse a condição necessária para um outro eu, para o surgimento da potência oculta, antes aprisionada nas formas da alma.

Uma coisa era certa: essa alma, já tão comprometida, tão desarranjada, agora jazia irreparável, transformada em estilhaços invisíveis, encerrados em seu peito.

segunda-feira, maio 13, 2013

A retirada - Parte I de V

Ir para Lorguth - Parte IV de IV


A manhã chegou em Keraz sem a presença do sol. Balgata deixara a cargo de Riderth organizar a fuga dos dois grupos pela passagem da adega. O terceiro grupo estaria a cargo do último capitão e sairia a campo aberto. Mesmo após a divisão, algumas crianças e idosos ainda ficaram para trás, fazendo parte do grupo que cumpriria o papel de isca. Seridath, Balgata e os demais estavam parados no centro da aldeia, diante uma pilha de madeira onde os corpos das vítimas estavam dispostos. Urso Pardo, coberto por um manto de peles, havia sido colocado ao lado de Murrough, cujo corpo já estava parcialmente queimado e fora identificado por Balgata pela espada que segurava. Lá também estava Aleigh, que morrera poucos minutos antes. Seridath, Lucan e o anão Uri foram os únicos a verem o corpo dilacerado do velho andarilho. O cavaleiro havia providenciado para que ninguém mais visse o estado deplorável que estava o corpo de Urso Pardo.
Ao redor dos três líderes, os cadáveres dos demais guerreiros e camponeses estavam dispostos de forma assimétrica. Foi tudo feito às pressas, pois todos temiam que os mortos entre seus próprios companheiros pudessem despertar. Seridath sentia esse medo permeando o fôlego de todos os vivos ali presentes. Os arqueiros prepararam as flechas incendiárias. Balgata daria a ordem de disparo que poria em chamas aquela gigantesca pira fúnebre. O capitão ainda hesitou. Nesse instante, um gemido forte e sofrido surgiu dentre os corpos. Aleigh gemia e ao seu gemido foram acrescidos outros. O capitão recém-falecido levantou-se de chofre, com o rosto desfigurado. Olhou ao redor e deu um berro irracional.
Disparar! – gritou Balgata, com a voz engasgada.
As flechas incendiárias atingiram os corpos, que estavam encharcados de uma substância especial, fabricada pelos anões. Instantaneamente, a pira incendiou-se, cessando os gemidos daqueles que deveriam estar em paz. Os vivos permaneceram em silêncio, observando fixamente os corpos a arderem. Pareciam fascinados pelo fogo. Balgata quebrou o silêncio.
Andem, seus cães de Nibala! – bradou o último capitão. – Querem ficar nesta fossa podre pra sempre!? Vamos dar início à retirada!
Até mesmo ele estava surpreso com seu linguajar. Parecia que o sangue de seus antepassados começava a despertar nele um outro homem. "Que seja!" pensou ele, cuspindo no chão, como se expulsasse de si mesmo o último resquício de nojo.
Logo o grupo de sobreviventes pôs-se em marcha. Os comboios eram guiados por três auxiliares, remanescentes da comitiva de guiadores e cozinheiros que saiu de Sathal, quase um mês atrás. Duas carroças levavam os mais debilitados. Alguns, feridos pela maligna maldição, já mostravam sinais de fraqueza e da doença que lhes tiraria a vida, transformando-os em mortos-vivos. Bem à frente do comboio ia o grupo de defensores, escalados para o primeiro embate caso o inimigo surgisse em alguma emboscada. Balgata guiava o grupo, formado por 6 anões, 9 arqueiros, 18 guerreiros e 20 aldeões assustados. Na retaguarda havia um grupo menor, composto somente por 5 arqueiros e 7 camponeses. Exceto crianças e velhos, os outros foram obrigados pelo capitão a carregar algum tipo de arma. Todos que pudessem deveriam lutar pela sobrevivência do grupo. O resto dos homens da Companhia estavam entre os outros dois grupos, que escaparam pela passagem particular do prefeito Denor.
Aldreth era um dos arqueiros destacados para ficar na retaguarda. Tentava distanciar-se de Seridath, mas não se considerava digno de escapar com os outros, pela passagem. Merecia arriscar a vida, fazendo parte do grupo de isca. O jovem ainda não conseguia entender como ele e os outros arqueiros de vigia não conseguiram ver os cuspidores de dardos antes do início do ataque. Fora surreal demais assistir a campina de repente encher-se de criaturas hostis, enquanto eles escondiam-se atrás da paliçada e as pessoas da aldeia morriam. Por tudo isso, Aldreth temia ainda mais Seridath e procurava evitá-lo a todo custo. Ele era o único que sabia a verdade. O único que vira homens que ele mesmo havia enterrado levantarem-se como criaturas malditas. E não bastasse isso, aquele homem maligno o havia condenado a conviver com as imagens que o atormentavam.
Balgata também não alimentava os melhores sentimentos por Seridath. O capitão desprezava o insolente rapaz que portava aquela estranha espada e agia como se o mundo todo girasse ao seu redor. Algo dizia a Balgata que havia uma sinistra ligação entre as ações de Seridath e a misteriosa salvação em Keraz. Não havia provas disso, mas o capitão considerava que essa idéia vinha de sua "intuição de soldado", que raramente falhava. Mas o que deixava aquele grande homem fulo da vida era ver o rapaz agir como se fosse um herói, tomando a frente do grupo, sedento por mais lutas e sangue. Enquanto eles andavam cautelosos e estudando o terreno, Seridath adiantava-se, como se não houvesse problema em enfrentar todo um pelotão de zumbis.
Seguiram por uma trilha pouco usada, conhecida por um velho caçador que orientava o capitão. Lucan, o arauto, oferecera-se para atuar como batedor, alegando ser ágil e rápido. Balgata não ofereceu resistência. Pensara que esse papel seria disputado por Seridath, mas o cavaleiro manteve silêncio, postado ao lado do capitão. Lucan desapareceu durante toda a tarde. A marcha era lenta, penosa e ninguém ousava dizer uma palavra. Ainda estavam na zona de morte. A velha trilha abandonava a campina e cortava uma extensa floresta repleta de enormes pinheiros de troncos frondosos. As árvores estavam secas, por causa do início do inverno, mas sua cor era mais escura que o normal, como se houvesse uma camada de fuligem a cobri-las. O chão emanava um cheiro podre e úmido. Aquela terra já parecia morrer com a maldição que se espalhava. 


Continua...

sexta-feira, maio 10, 2013

História da água - o sinuoso percurso da memória

Fonte: divulgação

A vida é algo muito difícil de ser definido. Ainda assim, a humanidade busca, ao longo da História, transformar em palavras algo tão abstrato quanto vasto. Contudo, há certos fatos intrínsecos à palavra vida. Por exemplo, a vida na Terra só foi possível por uma série de fatores, entre eles a água. Ou seja, não podemos negar que a água é o elemento essencial à vida.

Algumas religiões utilizam-se das propriedades da água como alegoria da existência espiritual. Nada mais lógico. Afinal, a água pode assumir várias formas e estados, embora tenha uma mesma essência. Em muitas crenças o mundo teria começado com um grande mar e mesmo em algumas narrativas a água é usada pelas divindades para dar fim a toda a existência, seja humana ou não.

Outra bela alegoria é do rio, que representa a inexorável passagem do tempo, o correr das águas como as experiências que vivenciamos e nunca mais poderemos reviver, ainda que as busquemos pela memória. Além deste fato, as águas, sejam em rios ou mares, também demarcam fronteiras, territórios, constituindo-se num "espaço sem espaço", num entre-lugar.

Não tenho certeza se por acaso a Laura Cohen Rabelo pensou em tudo isso quando começou a escrever o magnífico História da água e na verdade não me importa saber. O fato é que a água está lá, com toda a sua potência, com a sua sugestão de vida e morte. 

A linguagem é cadenciada, musical. É um livro delicioso de se ler. Nele conhecemos a jovem Eira, acadêmica de literatura, cercada por grandes desastres que definiram sua alma, marcaram sua história. Filha de um grande escritor e pesquisador, Eira sente viver à sombra do pai. Seus dois irmãos, Lucian, o mais velho, e Anya, a caçula, são formados em música e alcançaram a idade adulta longe de Eira. Ambos falam alemão e possuem promissoras carreiras na área musical. Assim, Eira sente-se como que estrangeira de seus próprios irmãos, embora possua com cada um deles laços de amor bem fortes e peculiares.

Composto por uma narrativa não-linear, o romance usa da linguagem para delimitar territórios ou espaços narrativos, sejam eles simbólicos ou  físicos. "Demônios Acadêmicos", por exemplo, é narrado por Lucian e relata muito cuidadosamente os percalços intelectuais e amorosos de Eira. É interessante como o narrador por vezes assume o papel de irmão mais velho, por vezes o papel de amigo confidente. Já "A Casa de Odisseu" é narrado por Anya e relata com muita delicadeza a busca de Eira por reconfigurar sua vida, desvinculando-se do passado, ou melhor, dos passados que a assombram.


Todavia, nenhum personagem é tão fascinante quanto Eira. Seu nome, se buscado no dicionário, significa um lugar que tem profunda relação com a água, embora um dos significados seja justamente "Terreiro em que se junta o sal ao lado das marinhas", ou seja, um lugar drenado. E podemos ver uma certa secura na protagonista, justamente por ser uma ex-nadadora, obrigada a abandonar o esporte por conta de um acidente. Esta secura, inclusive, evidenciaria a sombra de uma outra vida, abortada. Como se por seu nome, Eira, a personagem principal sofresse a água que perdeu, a vida que se esvaiu, mesmo sendo tão jovem. Sua tristeza é bela, não apenas pela estética no uso da linguagem, mas pelo elemento fáustico que evoca. Eira sabe que não pode escapar de seu destino, mas luta contra ele, embora a cada embate ela inexoravelmente reforce esse mesmo destino, pois suas limitações também são parte de si.

Finalmente, declaro que História da água foi uma deliciosa viagem, um percurso sinuoso por uma história singela, profunda e forte. Sendo o romance de estreia de Laura Cohen Rabelo, esta obra assinala com veemência a sobriedade, a competência e sobretudo o talento desta jovem escritora.

Ficha Técnica

Edição: 1
Editora: Impressões de Minas
ISBN: 9788563612076
Ano: 2012
Páginas: 183


Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/287055-historia-da-agua

PS: Eu desejava escrever muito mais sobre o livro. Foi a leitura mais prazerosa de 2013 e uma das melhores que já tive. Há diversos aspectos presentes na narrativa que me fazem passar horas e horas pensando. E continuo vivendo com Anya, Eira e Lucian. Suas palavras continuam ecoando em mim. E creio que ecoarão perpetuamente, como o perpétuo ciclo da água.

segunda-feira, maio 06, 2013

Lorguth - Parte IV de IV

Ir para Lorguth - Parte III de IV


A vertigem tomou conta do último capitão, enquanto ele buscava apoio na parede ao lado. Seridath não moveu um dedo para amparar o guerreiro. Apenas observava, respeitoso. Murrough era um homem honrado e um bom capitão. Era uma fatalidade a sua morte, assim como a de Urso Pardo. Balgata permaneceu parado por alguns instantes, tentando fazer seu mundo voltar a girar. Da porta da mansão surgiu um homem baixo e robusto, de cabelos e barbas escuros e crespos. Sua cota de malha estava rasgada na altura do ombro direito, deixando à mostra o braço repleto de cicatrizes.
Riderth – reconheceu Balgata. – Então é verdade...
Sim, meu capitão.
A aquela resposta selou o fato no peito do último capitão. Balgata voltou-se para Seridath.
Não podemos deixar que os mortos manchem os corpos de nossos líderes. Riderth e eu vamos cuidar de Murrough e dos outros companheiros. Eu... por favor, encontre o corpo do Andarilho.
Pode deixar, capitão – respondeu Seridath, resoluto.
Era quase manhã. Uma boa parte de Keraz ainda ardia. Balgata e seus homens espalharam-se pelas ruínas da aldeia, à procura dos corpos de seus companheiros. Alguns camponeses uniram-se silenciosamente ao grupo, em busca de seus próprios mortos. Todos ostentavam uma tristeza resignada.
Seridath foi encontrar o corpo de Urso Pardo no mesmo lugar em que fora deixado, embora estivesse coberto pelos pedaços da paliçada e pisoteado. Apenas a mão e o pé esquerdos do velho estavam visíveis. Ao longe as colinas se desdobravam, desoladas. Não havia sinais dos invasores, apenas os corpos abatidos e as setas negras cobriam a campina enegrecida e semi-oculta pela neblina da madrugada, adensada pela fumaça do incêndio que agonizava.
Quer ajuda aí, parceiro? – soou uma voz áspera às costas do rapaz.
Seridath virou-se e viu um anão desconhecido. O arauto estava ao seu lado. Ostentava aquele mesmo sorriso jovial. Era quase irritante.
Mestre Uri era da divisão de Aleigh, senhor – disse o garoto. – Ele se apresentou para ajudar no preparo da pira funerária do Senhor Andarilho.
Seridath assentiu e em seguida perguntou:
Qual o seu nome, garoto?
Lucan, senhor. A seu dispor.
O garoto não escondia seu contentamento pelo interesse de Seridath. Pôs o punho em frente à boca e pigarreou.
Senhor – disse Lucan –, tenho mais outra questão para tratar.
Qual questão? – inquiriu Seridath, desconfiado.
No início do ataque, logo ao ver o Mestre Andarilho morto, acreditei que estaríamos perdidos, mas então ponderei que pelo menos um jeito de fugir deveria existir. Foi aí que pensei em preservar os comboios de mantimentos da Companhia...
Garoto... – murmurou o cavaleiro – quer dizer que você...
Isso mesmo, senhor. Os dez carros de boi estão intactos, escondidos no armazém anexo à casa do prefeito. Consegui com os camponeses mais umas três carroças. O armazém do prefeito estava quase vazio, mas vai dar pra levar alguma coisa nas carroças adicionais, sem falar que podem carregar os velhos e crianças que ficaram. Tomei a liberdade de deixar vinte homens guardando a carga.
Seridath estava admirado com a competência daquele arauto. Aquela cabeça trabalhava com rapidez, mantendo a calma enquanto os outros se desesperavam. O guerreiro bateu no ombro do garoto, em sinal de aprovação. Virou-se em seguida para terminar o resgate ao corpo de Urso Pardo.
Após toda a equação que fora a batalha pela defesa de Keraz, Seridath descobriu-se com um saldo considerável. O destacamento perdera mais da metade dos seus homens, mas as pesadas baixas não importavam para o cavaleiro negro. Em toda aquela luta desastrosa, ele saíra vitorioso.


Continua...

sexta-feira, maio 03, 2013

A Cadeira de Prata - Quando as palavras são mais do que aparentam

Fonte: divulgação.
Este foi o primeiro livro de C.S. Lewis com que tive contato. Lembro-me muito bem quando, aos onze anos, vaguei pelas prateleiras de uma livraria evangélica, deparando-me com um livro que de forma alguma parecia evangélico. Um casal de crianças, o menino empunhava uma espada, enquanto a menina mantinha seu olhar ao longe, como se vislumbrasse um importante destino. Atrás do casal, dominando a paisagem ao fundo, está um imponente cavaleiro negro, de armadura completa.

Já era apaixonado por literatura. E por histórias de fantasia medieval. Não preciso dizer mais nada para ficar claro que meu deslumbramento foi total. Queria aquele livro pra mim. Queria olhar através dos olhos daquelas crianças, ter minha mente invadida por seus pensamentos, perfazer os seus caminhos.

O que eu não contava, porém, era que o livro seria considerado "demoníaco". Afinal, que livro evangélico teria criaturas mitológicas como anões, faunos e centauros? Por isso, o livro me foi negado.

Alguns anos depois, visitamos uma família da mesma igreja que frequentávamos. Foi incrível descobrir que esse livro fazia parte de uma coleção e que o dono da casa tinha quase todos. Ele prontamente permitiu que eu levasse um deles emprestado e ficou surpreso que eu pedisse logo o livro seis A Cadeira de Prata. Expliquei que sabia que O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa era o primeiro, embora não o fosse para mim. A Cadeira de Prata havia sido meu primeiro livro e eu precisava o quanto antes descobrir quem eram aquelas duas crianças na capa.

Foi assim que conheci Jill e Eustáquio. Soube que ambos eram internos numa escola terrível e Jill parecia ser quem mais sofria as agruras de ter colegas maliciosos e violentos. Eustáquio havia sido um deles, mas seu comportamento no último ano tinha mudado completamente. Era intrigante mudança tão radical, de forma que a menina ficou desconfiada. Ainda assim, permitiu que Eustáquio tentasse explicar o que havia acontecido com ele.

A melhor explicação, com certeza, foi uma demonstração prática. Nárnia aconteceu na vida de Eustáquio. E ele acidentalmente fez com que o mesmo ocorresse com Jill. Tentando de alguma forma fugir de uma turma de perseguidores, os dois acabam por passar por uma porta que, ao invés de levar para a campina que havia fora do colégio, lança os dois em uma incrível aventura. Sim, em Nárnia.

A princípio, era para Eustáquio sentir-se em casa. Contudo, muita coisa mudou. Passaram-se vários anos desde a aventura narrada em A viagem do Peregrino da Alvorada, de forma que o menino está tão perdido quanto Jill. Para piorar, ele descobre que o Rei Caspian estava tão velho que poderia morrer a qualquer momento, mas seu filho, Rilian, estava desaparecido.

As duas crianças se lançam em uma jornada perigosa e angustiante em busca do paradeiro do príncipe. Um narniano viaja com os dois. Seu nome é Brejeiro, uma criatura dos pântanos, ou paulama. Os três seguem para o norte, encontram gigantes, escapam de perigos e por diversos momentos são levados a esquecer sua missão. A única forma de manter-se no caminho é não esquecer as palavras de Aslam, que Jill conheceu logo ao receber a missão. Anda assim, a cada momento, o grupo é levando de infortúnio a infortúnio para que as palavras do Leão sejam esquecidas.

Esta é uma das aventuras que mais amei durante minhas viagens pelo vasto mundo de Nárnia. Foi uma jornada de crescimento, pois este é um dos livros mais bem costurados de Lewis. Há uma trama por trás do desaparecimento do príncipe Rilian e muito do que os meninos encontram em sua jornada sugere vários desdobramentos que poderiam resultar em vários outros livros. O universo de Lewis é rico e inventivo. A magia está o tempo todo lá, em cada virada de página. E o desfecho do livro não deixa de ser comovente.

Não podemos negar que Lewis sempre buscou dar a sua literatura uma carga simbólica que expressasse sua filosofia de vida. Como um pregador cristão, este autor sempre deixou claro que sua obra tinha um compromisso também cristão. Acredito que esse compromisso tinha mais um espírito ético que moral. Seus personagens são imperfeitos, passam por crises, brigam e falham. E ainda assim o que conta não é a culpa, mas sim o poder de fazer de novo, tomar novas decisões, traçar outros caminhos. As palavras que Jill precisa lembrar podem muito bem simbolizar uma postura ética, de não se deixar levar, de ter em mente que nossa alma vale mais do que decisões impensadas visando atalhos escusos.

A Cadeira de Prata foi o livro que me despertou para o mundo mágico de C.S.Lewis. Esta afirmação parece um tanto clichê, assim como esta resenha tem mais afeto que rigor crítico. Mas não posso negar que a literatura de Lewis é uma das bases de minha formação, não apenas como leitor, mas como escritor também, assim como Monteiro Lobato, José de Alencar e Jorge Luis Borges. Estes escritores são como ancestrais destas mesmas palavras que deixei aqui registradas. Vida longa a Nárnia e vida longa a Aslam!


Ficha técnica
Edição: 1
Editora: Martins Fontes
ISBN: 8522616198
Ano: 1997
Páginas: 208

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/1104

segunda-feira, abril 29, 2013

Lorguth - Parte III de IV

Ir para Lorguth - Parte II de IV


Os grunhidos e rumores de luta foram cessando. Seridath quase não acreditava que eles foram salvos dos zumbis por outro tipo de mortos-vivos, aqueles derrubados por sua espada.
O silêncio entre os guerreiros era profundo. Tudo indicava que eles foram de fato salvos, mas ninguém parecia querer comemorar. Enquanto os sons do incêndio se propagavam na noite, todos se perguntavam se não seria uma armadilha.
Balgata deu ordens rápidas a seus homens para que continuassem de guarda, enquanto ele e Seridath se dirigiam ao casarão. O cavaleiro olhou ao redor, em busca de Aldreth, mas o garoto havia desaparecido. Dando de ombros, Seridath continuou a seguir o capitão. A sala de estar estava apinhada de gente, em sua maioria velhos e crianças. Culliach andava para todos os lados, atarefado em curar feridas e consolar camponeses desesperados. Seridath e Balgata conseguiram identificá-lo devido ao longo manto sacerdotal que o destacava. Não havia sinal de Anfard ou Denor.
Mestre Culliach – chamou Balgata, respeitosamente –, como vão as coisas?
Nada bem, caro capitão – suspirou o sacerdote. – Rheena não parece favorável esta noite e por isso clamo a Nisia e Talman. Temo que as feridas dessas setas tragam maldição para os que foram atingidos. Agora é cedo para qualquer afirmação. Alguém teve a ideia louca de incendiar as casas e por isso tenho muitos tocados pelo fogo, alguns em estado grave, mas creio que tenha sido a plácida escolha de Nereth. Por outro lado, não fosse por essa ação impensada, talvez todos nós já teríamos nos tornado vítimas des...
Seridath cortou o monólogo do religioso:
Olha, padre, não quero parecer rude, mas precisamos ser rápidos. Preciso falar com o Senhor da vila. O nome dele é Denor, estou certo?
O sacerdote estremeceu de uma maneira que Seridath entendeu tudo. Pelo visto, não iria ficar com as cobiçadas botas. Balgata também pareceu entender. O capitão bufou, cerrando os punhos com tal força que chegava a tremer. Ante a fúria daquele homem gigantesco, o sacerdote encolheu-se mais ainda. Olhando para um Balgata totalmente diferente, Seridath ficou maravilhado ao ver como aquele almofadinha havia mudado tanto em apenas algumas horas.
O capitão estendeu a mão direita na direção do sacerdote, que encolheu-se ainda mais, soltando um gemido quase inaudível. Ele parecia ter pouco mais de trinta anos, era magro e de estatura mediana. Tinha olhos grandes e caídos, numa expressão de constante desamparo. Culliach era um dos muitos sacerdotes plebeus que gastaram o mínimo de seu tempo em seminários estudando a parte teórica da religião e passavam a exercer seu ministério nas regiões mais remotas do reino. Mas ele nunca tivera tanto trabalho como agora. Muitos dentre os sobreviventes haviam sido feridos pelo incêndio, outros pelas setas malignas. E justamente nessa noite sombria ele estava diante do único capitão sobrevivente de um exército desesperado.
Balgata tocou de leve o ombro de Culliach, que ergueu os olhos, surpreso. O capitão falou, calma e pausadamente:
Padre, com o perdão da palavra, estamos todos na mesma merda. Eu posso ser um mercenário, mas depois de tudo que vi nesta luta, estou aqui por convicção e não por pagamento. Eu quero ver as pessoas em segurança. Denor e o Juiz fugiram, não é?
Si-sim... – suspirou o sacerdote. – Fo-foram logo depois que as setas começaram a cair.
Sem aviso aparente, Balgata esmurrou a parede às costas de Culliach. O sacerdote, sobressaltado, deu um ligeiro pulo e emitiu um grito estridente e abafado.
Maldição! – bufou Balgata. – Filhos da puta! Nos deixaram para retardar sua fuga!
De-desculpe... – gemeu Culliach.
Não precisa se desculpar, padre – Balgata pareceu acalmar-se diante da fragilidade do sacerdote. – O senhor somente estava obedecendo as ordens do seu amo, conforme mandam os deuses. Eu também não estou em condições de querer acertar as contas.
Já estava tudo preparado – informou Culliach, um pouco mais animado com a simpatia do capitão. – Sabiam que as terras estavam perdidas, que os mortos já começavam a lutar em bandos organizados. A passagem leva a sudeste, rumo a Arnoll. Denor tem uma amante na cidadela e usava a passagem com... bastante frequência. Mas sua esposa e filhas estão com ele, talvez sigam direto para o sul.
Balgata olhou de relance para Seridath, que tinha um sorriso de escárnio no rosto e encolhia os ombros, como se dissesse: "Não vá esperar que eu não busque acertar as contas!". O capitão suspirou e voltou-se novamente para Culliach.
O senhor sabe onde fica essa passagem? – perguntou o guerreiro.
Si-sim. Fica atrás da adega.
E quantas pessoas podem passar por vez?
Nã-não sei... Acho que po-poucas.
Balgata suspirou mais uma vez, enquanto se virava para Seridath.
Vamos dividir os sobreviventes em três grupos – disse o capitão, ainda sem conseguir disfarçar o quanto estava contrariado. – O terceiro grupo vai ser uma isca. Colocamos a maior parte dos velhos e crianças no segundo grupo, que tem mais chance de sobreviver. Queria Anfard ou Denor para fazerem isso, mas você vai ter que liderá-los.
Nem pensar – respondeu Seridath. – Eu vou no terceiro grupo. Vai você, que quer protegê-los.
Não entendeu o que eu disse, orgulhoso de merda? As vidas desses camponeses estão em jogo. Não é hora para brincadeiras!
É isso mesmo, capitão. Você é um oficial de verdade e eu não passo de um soldado raso. O velho Urso Pardo não aprovaria que você me desse qualquer liderança.
Dobre essa língua em vez de falar do Andarilho, maldito! – rosnou Balgata. – Honre a memória dos mortos.
Eu não desonrei ninguém. Só disse o que acredito que o velho faria. A propósito, fui o último a estar com ele na hora de sua morte. Não confunda as coisas, capitão.
Tudo isso foi dito com o máximo de sarcasmo por parte de Seridath. Balgata deu de ombros, deixando evidente todo seu cansaço.
Faça como quiser. Não te considero guerreiro da Companhia. Padre, por favor, reúna os camponeses e divida os três grupos.
Ma-mas... – hesitou Culliach. – E os feridos?
Faça o que puder, padre. Você é o representante dos deuses. Fazer milagres é um trabalho seu, não meu.
O sacerdote baixou novamente a cabeça, enquanto Balgata silenciosamente deixava o recinto, seguido por Seridath. O capitão ardia em ira, mas tentava manter seu autocontrole diante da situação crítica. Não queria provocar baixas por causa de seu orgulho ferido. A prioridade era tirar as pessoas daquela aldeia condenada.
Seridath olhava para ele, divertido. Adorava aquela situação, como se estivesse vendo um espetáculo na primeira fila. Andaram até o salão comunal, onde haviam sido acomodados os feridos mais graves. O capitão Aleigh estava entre eles, ardendo em uma sinistra febre, dizendo coisas sem sentido. Do seu peito as hastes de duas setas negras despontavam. Haviam sido quebradas pela metade, na tentativa de serem arrancadas. Naquele momento, a realidade veio a Balgata. Murrough não fora visto, não estava entre os feridos. Murrough estava morto.


Continua...

sexta-feira, abril 26, 2013

O Espadachim de Carvão - Quando ser Deus não é o bastante

Fonte: divulgação
A passagem da adolescência para a vida adulta é um grande desafio, um verdadeiro problema, principalmente em nossa sociedade, que demanda cada vez mais de nossas crianças uma postura diferenciada, individual, assertiva, enquanto busca proteger nossos "jovens" da responsabilidade que desaba sobre eles quando da chamada "maioridade". Assim, a criança hedonista e ultrapoderosa subitamente se vê novamente indefesa, quando percebe que precisa desbravar o mundo por conta própria, que seus pais não são deuses de fato, que ele na verdade está sozinho e, para viver, deverá ultrapassar os limiares de seu mundo particular - sua casa - e enfrentar o mundo real, com todos os seus absurdos.

Pois é assim mesmo que Adapak, protagonista de O espadachim de carvão, romance de estreia de Affonso Solano, sente-se o tempo todo. Filho de Enki'När, um dos Quatro Que São Um, deuses de Kurgala, o jovem de pele negra como carvão é presa de uma implacável caçada, sendo perseguido por todo o continente, sem ao menos saber o porquê. Adapak foi criado na Casa de Enki'Nar, tendo recebido toda a instrução necessária, inclusive no manejo de armas, embora sua perícia não seja suficiente para que ele não se sinta o tempo todo acossado, perdido, vagando no escuro. 

Numa terra repleta das mais bizarras criaturas, com diversas espécies inteligentes, Adapak terá em seu caminho os mais diferentes personagens, sejam eles honrados ou trapaceiros, sensatos ou loucos. Tendo seu conhecimento e principalmente sua inocência como guias, o jovem guiará o leitor pelo tortuoso caminho do mundo de Kurgala, um caminho sangrento, enigmático e sobretudo revelador.

É importante destacar que a narrativa de Solano tem um ótimo ritmo e adquire um equilíbrio excelente nas cenas de ação. O universo de Kurgala, com suas espécies e sua cultura, é enorme e rico. O autor expande ainda mais esse universo quando, ao início de cada capítulo, insere como epígrafe um trecho retirado de algum dos inúmeros livros que Adapak leu, ou então uma citação das tábuas Dingirï, as escrituras sagradas daquele universo.

É interessante como Solano busca dar um aspecto realístico à sua narrativa, tentando afastar-se do tom fantasioso e do lugar-comum dos elfos e dragões, para desenhar toda uma mitologia própria, que mostra referências claras com as obras de H.P.Lovecraft e outros textos, como a Cabala.

A narrativa é fragmentada. O leitor começa conhecendo Adapak já em sua situação de presa, perseguido por guerreiros implacáveis de diversas espécies. De forma intercalada, os capítulos então recuam para o passado, reconstruindo a vida do jovem, de forma que o leitor lentamente possa descobrir como essa perseguição começou, enquanto o próprio Adapak, confuso e amedrontado, lentamente caminha rumo a uma terrível revelação.

E como afirmei no início deste texto, a jornada de Adapak serve também de alegoria para o amadurecimento do jovem, sempre traumático, pois amadurecer é também perder um pouco da inocência. O status de filho de um deus não lhe confere garantias de que será bem-sucedido em sua empreitada. Sua divindade é posta em prova a todo o momento, não apenas no campo físico, mas também  no emocional. E talvez seja justamente sua parte menos divina seja aquilo que garantirá alguma possibilidade de sucesso.

Repleto de personagens dinâmicos, com cenas ricas em detalhes, O espadachim de carvão mostra-se o trabalho árduo de Solano na busca de configurar um universo amplo, capaz de vários atravessamentos. Assim, arrisco dizer que o romance de estreia de Affonso Solano é de longe uma das melhores produções de fantasia e ficção científica que tenham surgido nos últimos anos.

Ficha técnica

Edição: 1
Editora: Fantasy - Casa da Palavra
ISBN: 9788577343348
Ano: 2013
Páginas: 256


Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/307603/