segunda-feira, fevereiro 25, 2013

O Desespero e a Noite - Parte III de VI

Ir para O Desespero e a Noite - Parte II de VI


Denor, prefeito de Keraz, embora estivesse contrariado, pareceu sentir verdadeiro alívio quando ouviu que a Companhia auxiliaria prontamente nas defesas da aldeia. Assim, enquanto o mordomo se aproximava com taças de cobre cheias de água, o prefeito limpou a garganta e começou seu testemunho:
Muito nos satisfaz saber da disposição dos seus nobres guerreiros para auxiliar nossas famílias. Iniciarei, então, meu relato. Meus companheiros serão meu auxílio caso eu omita algo fundamental.
Há meses ouvimos depoimentos de homens-macaco que têm vagado por nossas terras, roubando gado e invadindo propriedades. Até algumas crianças desapareceram. Além desses incidentes, pescadores da região contavam que haviam visto luzes fortes ao norte, além do mar, na direção das ruínas de Quirite-Mon.
Até que então, há três semanas, recebemos pessoas que chegavam desesperadas, trazendo parentes seus, imersos em terrível febre, para serem tratados por Culliach, nosso sacerdote. Eram quinze doentes. Todos os encantamentos e preces foram em vão, de modo que os doentes pereceram. Mas logo após serem sepultados, voltaram à vida, com uma ferocidade cega e um irracional desejo de sangue. Perdemos bons moradores nesse surto de loucura e violência.”
Foram necessários nossos melhores homens para pará-los – o juiz Anfard, um homem ainda jovem e de sagazes olhos negros, interrompeu o relato do prefeito. – Não sabíamos que a doença era transmitida caso o infectado mordesse alguém saudável. Também tivemos que descobrir, por um preço muito alto, que o infectado reanimado só morre se for decapitado ou tiver sua cabeça destroçada. Perdi metade dos meus homens de confiança, guerreiros valorosos que compunham minha guarda. O senhor Denor perdeu pouco mais que eu. Os habitantes também ajudaram na luta, mas muitos foram feridos. Dos sessenta homens que guardavam nosso vilarejo, vinte e cinco estavam mortos ou infectados, além de quase o dobro de aldeões. Os doentes foram encerrados em algumas casas, enquanto víamos mais camponeses chegando de outros vilarejos, alguns fugindo como loucos, tendo os mortos em seu encalço.
O jovem Anfard olhou para Denor, como que esperando que o prefeito continuasse o relato.
Pois bem – o prefeito retomou a palavra –, esses últimos dias foram os mais difíceis para nós. Tínhamos que tratar e vigiar os doentes, cuidar daqueles que chegavam e estabelecer alguma defesa que impedisse que mais dessas coisas invadissem Keraz. Escolhemos nossos mais exímios carpinteiros e o mais fortes lenhadores para ajudá-los, e o juiz Anfard liderava os demais homens para resgatarem pessoas saudáveis e vigiarem os arredores.
Todos ajudavam, inclusive mulheres e crianças. Construímos a paliçada e cavamos o fosso em poucos dias. Enquanto isso, os doentes entre nós pioravam, alguns já haviam perecido e retornado à vida imersos em loucura. Por recomendação de nosso sacerdote, encerramos todos os infectados em suas casas e, que os deuses nos perdoem, as incendiamos. Os mortos se mostraram sensíveis à força do fogo e, por tal fato, nós os destruímos.”
O nobre baixou os olhos, entristecido, enquanto seus dois companheiros imitavam seu ato. Eram conhecidos seus que morreram de forma tão cruel. De fato, o preço pago por Keraz fora alto demais. Cuilliach, o sacerdote, talvez fosse do povo, mas era certo que Anfard deveria ser de origem nobre, como Denor. Apesar do bom nascimento de ambos, eram homens simples, que expressavam amor por aquelas terras e agora viam seu mundo ruir sob a degradante escuridão que se abatia sobre eles. Urso Pardo suspirou, decidindo que não era mais necessário a eles continuar seu relato.
Suplico a vós que perdoai nossa frieza, caros senhores – disse o andarilho, respeitoso –, pois sabemos que se trata de um assunto deveras penoso para todos. Mas vossas experiências foram de grande valia para nós. Os homens-macaco de que falais são criaturas que há muito não andam em grandes bandos e se exilaram justamente nas ruínas de Quiriath-Mon. Não são homens, nem macacos, mas seres peludos de dentes fortes e sede de sangue. São chamados argros pelos homens e gasnarzni pelos anões. Seus líderes tribais são fracos e facilmente manipuláveis pelas Trevas. São inimigos naturais dos anões, por motivos que desconhecemos. Se estão por estas bandas e agrupados, trata-se de algo que não devemos ignorar. Não será mais apenas uma ação sanitária, mas talvez presenciemos batalhas reais. O exército precisa estar pronto para essa nova circunstância. Voltaremos agora para junto de nossos homens.

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Quimera: contos fantásticos



Fonte: Divulgação.
Há duas semanas atrás, postei aqui uma resenha sobre um livro de contos. Para ser mais preciso, uma antologia, com a qual contribuíram vários autores. Não quero ser repetitivo, apresentando minhas dificuldades em resenhar obras assim organizadas, da mesma maneira que não quero que esta resenha se pareça com a anterior. 
Por isso, resolvi passar logo para os contos que tenham se destacado em minhas leituras. Ressalto que mencionar e comentar os contos em questão não os torna melhores que os demais. Apenas significa que precisei fazer uma seleção para que esta resenha não ficasse extensa.
Começo pelo conto "Fim do Mundo", de Melissa Barbosa. Um texto que eu considero uma das melhores expressões do gênero fantástico, na acepção kafkiana do mesmo. O conto nos mostra uma situação cotidiana desconstruída pelo absurdo. Assim, o texto de Melissa Barbosa joga com a metaficção e dialoga com grandes autores da literatura, como Kafka e Borges.
Em seguida, temos o conto "Quando as almas foram trancafiadas", de Lara Luft, que usa da ironia e do humor para flertar com a metafísica, como também o faz o conto "O Cargo", de Tauan G. Gomes, mas de forma bem diferente.
Ainda na vertente do humor irônico, mas puxando para o grotesco e homenageando o gênero zumbi, encontramos o conto "Pensão", de Danilo Souza Pelloso, que utiliza uma linguagem claudicante, fazendo o leitor cambalear como o protagonista.
Na vertente da fantasia, fazendo uma interessante referência ao folclore brasileiro, está o conto "O menino negro", de Raony, que aborda o racismo de uma forma inusitada.
Já "Humano de estimação", de Thais Pampado, homenageia uma das criaturas mais fantásticas da história humana: o dragão. Este conto dialoga com outro: "A caçada", de Davi Paiva, que dá um tratamento praticamente contrário ao mesmo tema.
Por último, mas não menos importante, gostaria de falar dos contos que se definem através do terror. Num tom levemente jocoso, encontramos o "Polícia kármica", de Alex Mir, que também é o organizador da antologia. Temos ainda os inesquecíveis e claustrofóbicos "Fobias" da Melissa Barbosa, e "Fera", do Zórdic.
Todos esses contos comprovam a força de uma nova geração de escritores, que mostram personalidade, talento e, sobretudo, que eles têm muito a dizer.

Ficha Técnica
Autor: Alex Mir (organizador)
Edição: 1
Editora: Andross
ISBN: 9788599267684
Ano: 2013
Páginas: 238

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/296617-quimera

Da mesma forma que no outro post, peço aos autores que mencionei aqui e que não foram linkados, se quiserem compartilhar seus blogs, páginas pessoais, perfis de twitter etc., basta comentarem no fim desta postagem que logo que puder atualizarei!

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

O Desespero e a Noite - Parte II de VI

Ir para O Desespero e a Noite - Parte I de VI


Chegaram a Keraz no quinto dia após o primeiro confronto. Era pelo meio da tarde, embora a neblina tornasse a atmosfera mais sombria. Os homens estavam extenuados pelos intensos combates e pelas precárias condições de repouso. Keraz era um aglomerado de casas estabelecido no alto de uma colina, onde os pescadores e fazendeiros das redondezas costumavam fazer seus negócios. A aldeia era, portanto, mais próspera e populosa que as demais. Todos temiam ver outra uma cena brutal, e ficaram surpresos ao descobrirem que Keraz resistia. Os próprios moradores cortaram grossos troncos de árvores e os dispuseram, enfileirados, ao redor da aldeia. O resultado foi uma sólida paliçada de uns quatro metros de altura. As toras de madeira tinham pontas bem afiadas e ao redor da paliçada um fosso razoável havia sido cavado, para completar as defesas.
Logo que a Companhia aproximou-se, o portão da paliçada foi aberto e alguns homens armados de espadas, foices e forcados surgiram. Não eram guerreiros, apenas simples camponeses, mas via-se, pelos seus rostos, mais alívio do que desafio. De forma gradativa, mais gente foi surgindo do portão. Todos tinham uma expressão de um desgaste que beirava o desespero. Um exército desconhecido, justamente naquele momento de crise, tornava ainda mais crítica a situação daqueles camponeses. Mas ter um exército à sua porta, com homens armados e bem equipados, soava-lhes mais como uma ajuda de Rheena do que uma ameaça.
O prefeito da cidade pôs-se à frente. Se aquele exército viera tomar Keraz, que o fizesse, pois era melhor estarem nas mãos de inimigos de que permanecerem à mercê dos mortos. Urso Pardo pareceu entender a atitude do prefeito e, por isso, ordenou que o destacamento parasse. Sozinho, o andarilho partiu ao encontro do líder de Keraz, que aparentava ter por volta de cinqüenta, talvez quase sessenta anos. Era alto, tinha uma avantajada barriga e a barba bem aparada, que descia por seu queixo com uma ponta curiosa. Após as devidas apresentações, Urso Pardo soube que o prefeito se chamava Denor de Keraz e também era um nobre, senhor de algumas terras naquela região e parente afastado do Conde de Arnoll. À distância, Seridath olhava com cobiça para as boas botas de couro que o homem calçava.
Ao saberem o motivo que trouxera a Companhia para o norte de Dhar, os moradores da aldeia acolheram os guerreiros com verdadeiro júbilo. Keraz não era um povoado pobre, mas não tinha construções de pedra. Embora algumas das residências fossem espaçosas e construídas com madeira de boa qualidade, a grande maioria constituía-se em um conjunto de casebres ordinários e com teto de palha. As construções mais ricas eram, evidentemente, dos homens importantes da aldeia, como o sacerdote, o juiz e o prefeito. A moradia do último era um casarão esplêndido, construído sobre um sólido fundamento rochoso, quase no centro da aldeia.
Foi para o casarão que Urso Pardo e os três capitães da Companhia se dirigiram, para uma conversa reservada com o prefeito, que estava acompanhado do juiz e do sacerdote da aldeia. Os demais ficaram sabendo da conversa quando Murrough e os os outros capitães retornaram.
O prefeito, muito solícito, os convidara a descansar nos aposentos de hóspedes.
– Não há tempo para confortos ou formalidades, bondoso senhor – replicou Urso Pardo, com polidez , pois o tempo urge. Temos enfrentado mortos durante os últimos cinco dias e precisamos saber qual a situação real desta região.
– Si... Sim, concordo - replicou, surpreso, o senhor Denor –, embora eu insista que os senhores devessem refazer-se da viagem primeiro.
– Estamos bem, caro senhor, novamente o digo. Meus homens são os mais duros e lutam pelo bem. Não se importarão de ouvir as cruciais informações que vós tendes para fornecer-nos. Em breve, retornarão às fileiras para reforçarem as defesas.
Ouvir que a Companhia estava pronta para auxiliar nas defesas da cidade deixou o prefeito mais tranquilo. Denor fez o convite para que Urso Pardo e seus auxiliares se assentassem, para que ele pudesse relatar como nos últimos dias Keraz havia mergulhado no mais profundo desespero.

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Uma Voz Que Se Cala



Quarta-feira de cinzas. Na estrada, eu estava ansioso pelo retorno a Belo Horizonte. Não sabia que me aguardava uma terrível notícia: Maria Lúcia dos Santos Miranda, incomparável colaboradora da Biblioteca onde trabalho, havia morrido naquela madrugada, vitimada por um crime hediondo.

Acredito que nunca uma quarta-feira havia sido tão cinzenta. O fim do carnaval prenunciava também o fim de uma voz que por tanto tempo encheu de vida e alegria as histórias de tanta gente.

Maria Lúcia nem aparentava a idade que tinha. Era enérgica, combativa e extremamente independente. Sem mencionar seu talento para a culinária. Tanta energia nunca foi desperdiçada. Advogada, cantora seresteira, atriz, contadora de histórias. Tinha inúmeras formas de ser atuante, voluntariando-se em diversas causas e participando não apenas da história de seu bairro, o Carlos Prates, mas também ajudando a construir a história da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, onde fazia parte do Grupo de Contadores de Histórias.

Demonstrava seu cuidado com grupo até mesmo no lanche, pelo qual sempre zelou, contribuindo diversas vezes com seus famosos quitutes. Além disso, Maria Lúcia continuamente prestigiava seus colegas contadores, comparecendo em suas apresentações no evento semanal da Biblioteca Infantil e Juvenil, chamado "Era Uma Vez...", além de estar presente nas diversas atividades da Biblioteca.

Queria ter estado mais tempo com a Maria Lúcia. Ainda tinha muito a aprender com ela. Sua partida foi prematura, traumática. Ela deixou um vazio e um profundo silêncio.

Cabe a nós clamar por justiça. Cabe a nós não deixar que a voz de Maria Lúcia seja silenciada.

E que nossas vozes perpetuem seu legado.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O Desespero e a Noite - Parte I de VI

Ir para Aqueles que não morrem - Parte IV de IV


Na primeira noite após o confronto, Seridath decidira isolar-se ainda mais dos demais guerreiros da Companhia. Estava sentado nos limites do acampamento e observava a escuridão entre as árvores. Seu capitão, chamado Murrough, aproximou-se em silêncio, postando-se à frente do rapaz. Num misto de vergonha e indignação, o jovem não quis fitá-lo. Sem dizer palavra, Murrough lançou uma espada aos pés de Seridath, afastando-se em seguida. Era uma lâmina velha e quase cega, que talvez se quebraria se fosse afiada novamente. Não era um presente de primeira, mas com certeza seria suficiente para lidar com aqueles camponeses mortos.
Ofendido, o primeiro ímpeto de Seridath foi lançar longe aquela espada. Mas afinal ponderou em seguida que talvez fosse melhor mantê-la consigo. Não iria substituir a sua preciosa Lorguth, mas talvez fosse útil em uma emergência.
E aquele presente precisou ser utilizado logo no dia seguinte, no segundo confronto. Com Lorguth amarrada às costas, Seridath usou a velha espada muito bem, enfrentando e matando, como os demais, os inimigos que encontrava. Mas a cada oponente que abatia, o rapaz sentia-se mais angustiado por não poder empunhar a jóia preciosa de sua alma, Lorguth.
Depois daquela manhã sangrenta, em que a Companhia teve seu primeiro confronto com os mortos-vivos, muitas outras lutas ocorreram. Havia fazendas e inúmeros vilarejos espalhados por toda aquela região, próximos a Arnoll, mas o exército ora encontrava esses povoados desertos, ora repletos de mortos para recepcioná-los. Com isso, o destacamento envolvia-se em conflitos esparsos, embora sempre mais camponeses contaminados surgissem para atacar os homens. Dentre a infantaria, trinta feridos teriam se tornado zumbis, não fosse pelos conhecimentos antigos de Urso Pardo e seus poderes de cura. Com poções feitas de raízes de diversas plantas medicinais, o andarilho conseguia recuperar os ferimentos, mesmo aqueles infeccionados com a maldição. Se a vítima ainda estivesse viva, era possível impedir que a doença continuasse sua degradação. Ainda assim, os soldados estavam cada vez mais desmotivados e o próprio andarilho enfrentava dificuldades, pois o trabalho se mostrava excessivo para aquele velho corpo. Não conseguiam vislumbrar um resultado real, pois sempre havia mais bandos de seres sedentos de sangue para lançar-se contra as lâminas da Companhia.
A cada zumbi destruído, dois surgiam. Urso Pardo começava a temer que o norte de Dhar já estivesse totalmente comprometido. Para piorar, como o Conde e Senhor de Arnoll havia negado apoio à Companhia, o velho andarilho não pôde seguir seus planos e teve que deslocar suas forças com cautela redobrada, principalmente ao montar acampamento no território amaldiçoado e infestado de mortos.
Em Aldreth, as lutas estavam causando uma profunda comoção. O rapaz sentia-se transtornado, abalado com o que testemunhava. Aquelas pessoas, que eles agora rechaçavam como se fossem monstros, tiveram uma vida, sorriram, choraram, casaram-se e morreram. Mas agiam como criaturas malignas, sanguinárias, e era preciso que fossem eliminadas para não causarem o mesmo mal a outros. O jovem arqueiro ouvia esse discurso continuamente, mas ainda era impossível aceitar. Não conseguia tirar da cabeça a imagem de crianças zumbis, correndo ensanguentadas na direção deles, sua flecha penetrando entre os olhos de uma delas, o pequeno corpo inerte estendido na campina. Essas visões o sobressaltavam, pois vinham à sua mente com uma nitidez surpreendente, como se ele tivesse acabado de vê-las.
Enquanto Aldreth sofria por sua consciência, Seridath parecia mergulhar em frustração. Era desprezado pelos companheiros e sua altivez habitual havia sido substituída por um rosto cada vez mais sombrio e taciturno. Se não estivessem envolvidos em constantes escaramuças, o desprezo dos homens seria mais forte e talvez insuportável. Mas o medo pelo dia seguinte e a ameaça que pairava sobre eles tornava-os mais preocupados em manterem suas espadas erguidas e as bordas dos escudos acima das orelhas.

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Névoa: Contos sobrenaturais de suspense e de terror

Fonte: divulgação
Considero particularmente difícil resenhar livros de contos, mais ainda quando se trata de uma antologia composta por vários autores. Um dos principais motivos é que sinto que deveria resenhar conto a conto, como unidades narrativas únicas que eles são. Assim, o livro de contos pode apresentar uma diversidade de textos que, ainda sob organização, preservam sua individualidade textual de tal forma que tornam o livro uma experiência de múltiplas leituras. E essa experiência é ainda mais forte em uma obra que se constitui num conjunto de muitas outras. 
Sendo assim, a resenha, que normalmente já se apresenta desafiadora, assume dimensões ainda maiores quando me proponho a escrever sobre livros como o Névoa. Esta é uma antologia que reúne contos de autores muito diferentes, de vários lugares do Brasil, versando sobre o mesmo tema: o terror. Devo assumir logo de início que as diferentes visões desses autores revelavam-se não apenas no campo da linguagem, mas também na escolha da abordagem feita por cada um. Os contos vão do terror macabro ao psicológico, em alguns casos mesclando o maravilhoso ao banal. E nessa inusitada fusão, quem ganha é o leitor, que tem contato com diferentes tipos de narrativas, subtemas, vozes e pontos de vista. 
Vale ressaltar que a organização de Cristiana Gimenes foi interessante, pois demonstrou o cuidado de manter um balanceamento nos textos, tanto nos temas quanto na linguagem. Com tantos textos e autores diferentes, não seria de se estranhar que alguns acabassem chamando minha atenção.  São eles: 
O beijo da noite, de G. Lamounier, com suas virtuoses linguísticas, descrevendo uma inusitada relação amorosa; 
Uma noite no sanatório de Waverly Hills, de Mandy Porto, que constrói de forma muito competente uma narrativa no gênero "casa assombrada"; 
Devoradores: tributo aos grandes antigos, de Felipe T.S, delineado com bases no fantástico lovecraftiano; 
A garota que tinha medo da luz, de Thais Pampado, um texto que mais uma vez realça a genialidade dessa moça tão jovem e tão talentosa; 
A Invasora, de Lily Silva, que mantém um clima sóbrio, de puro realismo, criando assim um conto de terror excelente com fortes doses de ironia; 
Marcha Fúnebre, de Mateus Mourão, que explora os recursos da linguagem de forma genial; 
A seita macabra, de Gabriella Lara Silva, com imagens vívidas e palavras fortes, utilizando-se de um tema precioso aos filmes clássicos de terror; 
Fogo, de Victor Lopes, que mostra que a ficção científica e o terror podem formar um excelente casamento; 
O último apóstolo, de Gabriel Réquiem, com uma narrativa primorosa e uma excepcional homenagem a H.P.Lovecraft. 
Ressalto que há ainda outros contos excelentes. Esta é a minha seleção, um pequeno recorte, mas a sua pode ser diferente e essa é a potencialidade das antologias. Por isso, não hesito em convidar você para embarcar nessa misteriosa viagem rumo à Névoa.

Ficha Técnica:

Edição: 1
Autora: Cristiana Gimenes (organizadora)
Editora: Andross
ISBN: 9788599267660
Ano: 2013
Páginas: 224

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/292213/


Atenção, peço aos autores que mencionei aqui e que não foram linkados, se quiserem compartilhar seus blogs, páginas pessoais, perfis de twitter etc., basta comentarem no fim desta postagem que logo que puder atualizarei!

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Aqueles que não morrem - Parte IV de IV

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O primeiro sinal de disparo soou na trompa do arauto. Os arqueiros rapidamente entesaram seus arcos e permitiram que as flechas tomassem o céu. Segundos depois, uma chuva mortal caía sobre o campo à frente do exército. Aldreth observou espantado a figura de um camponês que corria na sua direção. Uma flecha havia se enterrado fundo no seu pescoço, o que garantiria uma morte rápida ao sujeito. Mas o homem continuava correndo, rosto contorcido e braços abertos, mãos como garras na direção dos homens.
As cabeças! – gritava o andarilho Urso Pardo – Acertem na cabeças!
Mas a violenta turba já estava perto demais para que os arqueiros pudessem fazer um novo disparo. Instantaneamente, os guerreiros entraram em ação, unindo as bordas dos seus escudos, formando uma parede onde os camponeses quebraram-se como uma onda contra uma sólida represa. Com os escudos, os guerreiros empurravam os cadáveres vivos, enquanto as lâminas desciam, para darem àquelas almas atormentadas um fim mais digno.
A linha de frente era formada por um dos três blocos de soldados, enquanto os demais blocos davam cobertura, empurrando seus companheiros para frente e procurando estocar por sobre seus ombros. Seridath não estava na linha de frente, mas aguardava ansioso o momento de entrar em ação. Logo que o primeiro bando chocou-se com a fileira de homens, um segundo agrupamento de mortos surgiu de um pequeno bosque próximo, atravessando a campina em uma corrida desenfreada, para flanquear a infantaria pela esquerda. Outro bloco de guerreiros ofereceu resistência, fazendo frente aos mortos-vivos. Então um terceiro bando, três vezes maior que o segundo, surgiu de alguns casebres que não haviam sido tocados pelo fogo. Iriam atacar o flanco da direita, mas Urso Pardo, antecipando esse movimento, ordenou aos anões que fizessem seu trabalho.
Uma dúzia de pequenas esferas foram arremessadas contra aquele novo bando. Eram esferas do tamanho de um punho fechado, de um cinza escuro. Logo que a primeira espatifou-se no chão, explodiu violentamente, assim como as demais. Os camponeses foram despedaçados e o bando reduzido à metade. Os remanescentes logo tornaram-se alvo dos disparos dos arqueiros. Os poucos que restaram foram eliminados ao se aproximarem da infantaria.
A princípio, os camponeses pareciam ter seguido um plano, mas aquele ataque fora uma mera coincidência. Não havia inteligência entre aquelas pessoas, vítimas da maldição que as levara à morte e agora as reanimara. Mais mortos surgiam da fumaça ou da campina, amontoando-se sobre os escudos dos guerreiros e pressionando-os para trás. Urso Pardo procurava cobrir o flanco direito com a artilharia, enquanto a linha de frente havia se dobrado, assumindo definitivamente a forma de uma esquina. Onde homens e zumbis se encontravam não havia espaço para movimentos com a espada e mais camponeses se aproximavam com rapidez.
Com brados de ordem pausados e coordenados, os três capitães comandaram uma investida para empurrar os mortos-vivos e permitir que o espaço entre eles fosse alargado, para que os guerreiros pudessem manejar suas armas. Os que estivessem atrás fariam uma força adicional, empurrando os companheiros à frente para que eles tivessem um maior impulso contra os inimigos.
No terceiro brado, houve um estrondo forte das bordas dos escudos estalando umas contra as outras. Os zumbis foram empurrados para trás e os guerreiros puderam golpeá-los com facilidade. Mantendo-se bem próximos e com os escudos erguidos, os homens da Companhia avançaram. Mesmo sendo dizimado, o inimigo não aliviou o ataque. Os camponeses pulavam sobre as espadas como alucinados e só paravam se um ferimento fatal fosse feito no topo de suas cabeças. Mas a força coordenada da Companhia abriu espaço para que os homens das fileiras de trás pudessem também tomar a frente e fazer parte da carnificina.
Seridath estava pronto para isso. "É agora!" pensou. Quando o espaço se abriu, ele foi um dos primeiros a ganhar a frente, enquanto atacava com Lorguth em riste. Deparou-se com um zumbi alto, com ombros avantajados e braços bem robustos. Devia ter sido um bom lenhador quando vivo. O cavaleiro deu um golpe certeiro, fazendo a espada descer contra a testa do morto. A lâmina bateu na pele esbranquiçada e não causou nada mais que um leve arranhão. O morto, em contrapartida, revidou com violência, lançando o guerreiro contra o chão. Os demais homens haviam conseguido golpear seus oponentes, procurando exterminar o máximo de zumbis restantes, sem qualquer empecilho. Seridath ergueu-se, olhando perplexo para seu agressor. Aquele golpe deveria ter destroçado a cabeça da criatura.
Confuso, o jovem observou os outros guerreiros fazendo seu trabalho, os demais zumbis de forma eficaz. Com um grito de fúria, Seridath lançou-se novamente contra o zumbi adversário, que permanecia de pé. A ponta da espada penetrou na garganta do monstro e lá ficou agarrada. O rapaz tentou puxá-la, sem sucesso. Sentindo uma onda crescente de frustração e desespero, Seridath largou o escudo e, segurando o cabo da espada com ambas as mãos, pôs o pé esquerdo na barriga do inimigo e puxou com toda sua força. A espada foi liberada, junto com um jorro de plasma apodrecido que sujou todo o rosto do jovem.
Esforçando-se para segurar o vômito, enquanto recuava por instinto, escapou por um triz dos braços que tentaram agarrá-lo. Uma mordida poderia selar seu destino. Cansado, arfando, Seridath golpeou com um giro horizontal. A lâmina de Lorguth atingiu a têmpora do zumbi, sem causar dano. O morto-vivo segurou com força o pulso do rapaz, tentando mordê-lo, até que uma espada alheia decepou o braço do monstro na altura do cotovelo. Seridath virou o rosto para a direita e viu um jovem guerreiro que agarrou-o pelo ombro, puxando-o para longe do perigo. Esse rapaz terminou o que Seridath tentara começar, dando um fim ao morto-vivo. E esse era o último. 
O jovem cavaleiro sentou-se desfalecido na relva suja de cinzas e sangue negro. Alcançaram a vitória, sem nenhuma baixa. E ele não havia derrubado um único inimigo.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Codinome: Duda


Duda é um menino como qualquer outro, adora futebol, tem uma preguiça saudável em relação aos estudos e acha todas as meninas incompreensíveis, opinião esta que se torna mais forte depois que ele conheceu Cláudia, sua nova vizinha. Além disso tudo, como qualquer garoto, é extremamente curioso, a ponto de desejar se tornar detetive particular. Assim, quando seu vizinho, Seu Antônio, após receber com freqüência um estranho visitante, é espancado por supostos assaltantes, Duda resolve dar início a seu desejo de ser detetive. Para ajudá-lo nessa empreitada, ele conta com a ajuda da impossível Cláudia, ainda que no fundo ele tente de todas as formas afastá-la.
O livro, de autoria de Marcelo Carneiro da Cunha, dispõe de uma narrativa leve, descontraída, com boa dose de humor. Além de protagonista, Duda é também o narrador, mantendo sempre um tom irreverente, repleto de maneirismos. Ao invés de tramas mirabolantes, a força do enredo está justamente nas situações reais que pertencem ao dia-a-dia de cada adolescente, como a descoberta do eu e o entendimento do outro. Isso tudo de uma forma bastante jovial, o que torna o texto delicioso.
Altamente indicado para o público juvenil, "Codinome: Duda" é diversão garantida para todas as idades.

Ficha Técnica
Autor: Marcelo Carneiro da Cunha

Edição: 4
Editora: Projeto
ISBN: 8585500026
Ano: 1007
Páginas: 97

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/5146