segunda-feira, setembro 30, 2013

A Cidadela - Parte II de IV


O último capitão exibia uma expressão que passeava entre a desagradável surpresa e o completo repúdio. Seridath imaginou também ter vislumbrado um lampejo de medo nos olhos do ruivo.
– Se você tá falando de usar essa coisa maldita aí, pode esquecer – disse Balgata, apontando para a espada.
– Não sei o que Aldreth te falou a respeito de Lorguth, mas é disso mesmo que eu estou falando – retrucou Seridath, friamente.
– Não quero saber, garoto. Se dependesse de mim, você já estava com essa espada no fundo de um poço, preso ou morto.
– Vamos ver então se essa é a vontade dos outros. Vamos expôr a situação a todos e as opções envolvidas. Vejamos se eles concordam com você.
– Pro inferno com eles! - rugiu Balgata. - Eu sou o capitão! Eu comando aqui!
Seridath ergueu as mãos, como em rendição, dando seu conhecido sorriso irônico, que tanto irritava Balgata. Os dois eram altos, embora Balgata fosse quase um gigante. Aos outros, que testemunhavam aquela discussão, parecia que dois titãs disputavam com suas forças catastróficas. Mas Seridath brincava. Sentia uma vontade mórbida de saber o quanto Balgata agüentaria as provocações antes de partir para cima do cavaleiro. Qual seria o último sentimento do capitão quando fosse atravessado por Lorguth? Contudo, ainda não era o momento. Tinha que controlar-se, minar a autoridade do outro e tomar seu lugar. Logo, aqueles homens veriam a fraqueza de seu líder e a única escolha para eles seria buscar refúgio junto ao guerreiro da espada negra.
Enquanto Seridath maquinava sua traição, Balgata já estava longe. Havia agradecido Lucan pelas informações e ordenado ao arauto que repousasse. Partiriam logo após o nascer do sol. Com sorte, levariam pouco mais que três horas para chegar a Arnoll, embora o plano fosse passar de largo pela cidadela. Era uma decisão difícil, mas teria que deixar os outros à própria sorte.
Aguardando as horas passarem, Balgata caminhou em silêncio até um grupo de árvores próximas. Não tivera tempo para respirar durante aquela fuga. Precisava de um pouco de ar. Aldreth aproximou-se do capitão, que apenas virou seu rosto para o arqueiro, fitando nele seus olhos cansados. O rosto abatido de Balgata, banhado pelo luar, parecia cadavérico. Ao longe, Seridath observava a cena, mas não estava a uma distância suficiente para que pudesse ouvir o que conversavam. Aldreth parecia o de sempre: com aquele patético olhar de desespero. Balgata, apesar de resistente, começava a mostrar sinais de estar cedendo à fadiga. O cavaleiro negro assentiu, enquanto suspirava. Isso mesmo, esperava que todos chegassem ao seu limite. "Testados," pensou ele, "estamos sendo todos testados, como antes da Montanha. Como ele falou, um teste antes e um depois. E vou vencer em ambos."
Nesse instante, o rapaz sentiu um tremor quase imperceptível abaixo de seus pés. Embora insignificante, essa sensação deixou-o alerta. Seridath fechou os olhos e foi imediatamente tomado pela estranha impressão de estar se expandido, estendendo-se pelo solo. Era como se estivesse correndo metros e metros sob o chão, para todos os lados. A cada momento, o tremor ficava mais forte. O rapaz pôde perceber que esse tremor repetia-se em um ritmo constante. Continuou a percorrer o solo até sentir o tremor retumbar, como se ele fosse esmagado de uma vez por dez mil pés.
Seridath abriu os olhos, assustado. Todo seu corpo era sacudido diante da tensão. O tremor ainda estava lá, tênue. Mas em breve ele retumbaria sobre todos, pois aproximava-se, tornando-se mais intenso a cada segundo. O rapaz partiu com rapidez na direção de Balgata.
– Capitão! – chamou ele – Capitão Balgata!
Balgata virou-se para Seridath, furioso, enquanto Aldreth alternava seu olhar assustado entre ambos. Parecia uma criança surpreendida fazendo em grande travessura e esperava um castigo severo. O cavaleiro percebeu e lançou, por um instante, seus olhos frios para o seu pajem. Em seguida passou a ignorar a presença do rapaz, enquanto pensava em uma forma de ser convincente.
– Capitão, temos problemas – disse o cavaleiro.
– Você é um sério problema, tenho certeza – reagiu Balgata. – E se não tiver uma justificativa, minha espada também será problema seu!
– Calma, capitão – Seridath ergueu novamente os braços, em tom apaziguador -, peço que venha comigo por um instante. Algo muito sério está acontecendo aqui perto e preciso que você mesmo o veja.
Balgata pôs a mão no cabo da espada, enquanto via Seridath afastar-se rumo à orla do bosque. Olhou para Aldreth, que parecia totalmente amedrontado.
– Não tenha medo, garoto – murmurou o capitão. – Eu cuido daquele traste. Se quiser vir conosco, não irei proibir.
– Tu-tudo bem, senhor – respondeu Aldreth. – Eu também vou.
Seguiram Seridath, que margeou a orla do bosque, na direção da campina. O cavaleiro quase corria, de forma que precisaram apertar o passo. Logo os três estavam juntos, usando como cobertura um capim alto, totalmente ressequido, que crescera naquelas matas. Passaram um córrego insignificante, infestado de juncos. Andaram por quase uma hora. Algo iluminava de forma lúgubre as colinas à frente. Seridath logo mudou o rumo, para o interior do bosque, corrigindo-o em seguida na direção original. Agora os três corriam por entre as árvores, rumo ao local de onde brotava a estranha luminosidade. O cavaleiro parecia ter um bom olho para ambientes escuros, pois traçava seu caminho evitando qualquer obstáculo. Os outros dois seguiam à risca o caminho por ele escolhido.
Balgata então começou a escutar um som ritmado que retumbava na noite. Rapidamente reconheceu o som de tambores de guerra. Sem dúvida guiavam a marcha de um exército que se aproximava. Venceram a colina, conquistando uma visão panorâmica. Do lado direito, a campina se estendia, banhada pela luz da lua cheia. Contaminando a campina, como um câncer, estava uma enorme e escura massa que se movia de forma disciplinada, avançando de acordo com o ritmo dos tambores. O exército quase não possuía tochas, pois seus soldados não precisavam de alguma iluminação para seus olhos sem vida. Eram sombras humanas que se moviam, embora fosse possível identificar os contornos do que pareciam ser homens gigantescos, carregando os tambores que marcavam a velocidade da marcha.
O capitão sentiu seu corpo estremecer, enquanto observava. A palavra "Tominaro" veio à sua mente. Uma lenda infantil; uma brincadeira comum entre as crianças pobres. Os mais velhos procuravam assustar os mais novos com histórias assim. Gigantes comedores de gente. Então eles existiam de verdade e estavam auxiliando os inimigos. Com um olhar resignado, Balgata comentou para Seridath:

– É, garoto, acho que vamos precisar usar mesmo essa coisa aí.

Continua...

sábado, setembro 21, 2013

Manhã Inesquecível



Agradeço a todo mundo que esteve hoje pela manhã lá no meu lançamento... Foi um momento maravilhoso e inesquecível. Estive muito ansioso nos últimos dias. As mãos suavam, o coração batia acelerado, a cabeça girava. Não conseguia dormir, a alergia me alarmou, a gastrite atacou, o refluxo voltou... 

Quando faltava uma hora para começar, levantei-me para andar pela Biblioteca e senti tudo girar. Tomei água, respirei fundo. A ansiedade estava a mil. Afinal, os personagens que tratei com tanto carinho durante estes últimos anos finalmente sairiam de meu controle e habitariam outras mentes, inspirariam outros sonhos. 


E no final, quando vi o auditório cheio de rostos amigos, uns de longa data e outros mais recentes, senti-me realmente recompensado. Minhas mãos tremiam, a boca estava seca e o peito parecia querer inflar até não mais poder. Dei autógrafos, tirei fotos, recebi tantas palavras de carinho! E pude ver meu livro nas mãos de tantas pessoas...

Recebi mensagens de carinho daqueles que foram impossibilitados de comparecer. Senti-me igualmente reconfortado. 

E por isso novamente agradeço a todos que estiveram comigo nesta manhã maravilhosa, dia 21 de setembro de 2013. Este dia ficará para sempre em minha memória!

segunda-feira, setembro 09, 2013

A Cidadela - Parte I de IV

Ir para A retirada - Parte V de V

O arauto ainda respirava. Havia alguns cortes em seu lado esquerdo, um deles bastante profundo, e hematomas no rosto e pescoço. A haste escura de um virote partido estava cravada logo abaixo da omoplata direita. Era um milagre que ele estivesse vivo. Os ferimentos indicavam que havia escapado de um combate atroz.
Deram água ao jovem, embora Balgata olhasse desconfiado. Todos os feridos pelos inimigos já estavam mortos... duas vezes. Talvez fosse melhor acabar logo com seu sofrimento. O rapaz pareceu adivinhar as desconfianças de seus companheiros.
Foram bandidos, senhor – disse ele, olhando para Seridath. – Eles tomaram Arnoll.
O jovem tinha mais respeito por Seridath, e Balgata tentava dissimular sua irritação diante desse fato. Havia coisas mais urgentes, como a informação que o rapazinho acabava de fornecer.
Quer dizer, então, que Arnoll foi tomada!? – grunhiu o capitão, furioso.
Exatamente, senhor – respondeu Lucan.
Diga, rapaz, como conseguiu sobreviver? – perguntou Balgata, propositalmente mantendo um tom de desconfiança em voz.
Lucan suspirou, deixando escapar um gemido e um sorriso resignado de alguém que não entende a hostilidade de seus próprios aliados. Balgata cedeu e ordenou que tivessem uma pausa até que Lucan recebesse os primeiros socorros. Também convocou dois ajudantes para carregar o arauto até uma das carroças onde ele poderia ser tratado devidamente por duas senhoras de Keraz. Os últimos feridos pelos zumbis haviam morrido na noite anterior. As duas senhoras, que arriscaram suas vidas oferecendo-se para cuidar dos feridos, ficaram animadas ao verem um paciente que não definharia diante de seus olhos, se fosse tratado devidamente. Não havia clérigos ou cirurgiões entre eles, mas as duas senhoras eram capazes de fazer uma sutura no corte profundo tratar adequadamente as outras feridas. Balgata pediu para ser chamado logo que os cuidados com Lucan fossem concluídos. O capitão também distribuiu ordens para manter seguro o acampamento.
Após cerca de uma hora e meia, um dos camponeses aproximou-se do capitão, comunicando que Lucan já não corria risco. Balgata aproximou-se dele, apreensivo.
E então? perguntou. – Ainda está inteiro ou as velhas arrancaram algum pedaço do seu fígado?
Estou bem, capitão – respondeu Lucan. – Obrigado por perguntar.
Mas você nos disse que Arnoll foi tomada – inquiriu Balgata, já completamente esquecido da frase que Lucan havia dito. – Dominada por bandidos.
Sim. Homens bem vivos. Os malditos estavam rondando a cidade faz um tempo, mas agiram quando as pessoas começaram a aparecer, fugindo dos mortos. O senhor feudal havia decretado alerta e não deixava ninguém entrar ou sair. Parece que alguém escalou o muro e abriu o portão após matar os guardas.
Quer dizer que eles possuem homens de qualidade murmurou Balgata. Talvez um assassino rastejante. Mas como você sabe disso tudo, garoto?
Eu topei com um grupo montando guarda nesta noite. Lucan deu um sorriso maroto Pude ouvir muito do que eles conversavam. Parece que as coisas deste lado estão piores do que pensávamos.
Como assim, piores?
Aquele exército que enfrentamos em Keraz era só uma parte de uma grande força que está marchando desde o mar, a nordeste daqui. Isso significa...
Quiriath-Mon! murmurou Balgata, rangendo os dentes.
Isso mesmo, capitão. Essa força gigantesca engoliu os vilarejos ao redor, mas muitos deles já estavam tomados. Os camponeses mortos só engrossaram as fileiras dos amaldiçoados.
Por Nibala e suas cabeças! – blasfemou Balgata.
Todos ao redor estremeceram. A madrugada ia pelo meio, e a lua cheia ainda brilhava forte no céu, concedendo às árvores um aspecto surreal. Seridath aproximou-se, parecendo interessado no relato do arauto. Balgata tentou manter o controle.
E os nossos homens? – inquiriu o capitão, evitando alimentar o assunto dos mortos. – Riderth e os outros, que escoltavam os camponeses?
Acho que foram levados para Arnoll. Eu ouvi eles comentando sobre um grande número de pessoas no calabouço. Falaram de um bando que era guiado por um sacerdote.
Culliach... – comentou o capitão.
Isso. Também penso assim. Parece que eles vão querer usar os homens para lutar se os mortos chegarem até aqui.
Me conte como ganhou essas feridas perguntou o capitão, embora fosse impossível dizer se ele ainda desconfiava da habilidade de sobrevivência do rapaz.
Eu os estava espreitando. Ouvi muita coisa mesmo, já que eles não imaginavam que eu estava por perto. Eram três e dois deles já estavam meio bêbados. Mas eu não previ que poderia haver um quarto, que tentou me pegar pelas costas. Nós brigamos, chamando a atenção dos outros. Lutei com todas as minhas forças e acho que matei um deles, o que estava mais bêbado. O bandido que me atacou primeiro era muito bom com sua adaga e conseguiu fazer em mim este corte aqui. Percebi que iria morrer. Ele nem estava lutando a sério, mas os outros dois partiram pra cima com suas espadas. Na confusão, consegui tomar distância e correr, mas fui na direção oposta à nossa. Um deles devia ter uma besta, mas só senti a fisgada do virote quando já estava longe. Tive que fazer uma volta enorme para retomar o caminho que vocês tomaram. Perdi as forças quando percebi que estava novamente na rota e acabei relaxando...
Acha que eles seguiram você?
Não creio. Na verdade, duvido que acreditem que eu esteja vivo. Se é que eles achavam que eu não era um zumbi.
E você faz idéia de quantos são? – inquiriu Seridath, evitando o olhar irritado de Balgata.
Não tenho certeza, mas acho que ouvi eles falando sobre isso, dizendo que era difícil manter uma cidadela do tamanho de Arnoll com pouco mais que sessenta homens.
Se tivéssemos mais homens, pelo menos mais vinte, não hesitaria em atacá-los – suspirou Balgata.

Creio que nós temos esses homens, capitão – respondeu Seridath, fitando Balgata com seu sorriso sombrio. – Talvez até mais.

Continua...

segunda-feira, setembro 02, 2013

A retirada - Parte V de V

Ir para A retirada - Parte IV de V


Logo pela manhã, Balgata acordou os demais energicamente. Seridath já estava de pé, pronto, do lado de fora da gruta. Não dormira de tanta euforia. Era primeira vez que ele meditara sobre os acontecimentos em Keraz. Pelo que acontecera na noite da batalha, ele era senhor de forças mais sombrias do que imaginava.
Nesse instante, Aldreth despontou da entrada da gruta. Os olhares de ambos se cruzaram e o arqueiro desviou rapidamente o seu, baixando a cabeça. Havia sido mandado por Balgata para buscar água. Seridath seguiu o outro com o olhar. Havia percebido algo naquele rosto amedrontado. Não sabia dizer ao certo, mas era um olhar diferente, quase desafiador. Seridath então lembrou-se de que somente o arqueiro sabia seu segredo. Seria seguro manter Aldreth vivo? Essa pergunta tornava-se uma sutil interrogação na mente do cavaleiro. Afinal, uma morte a mais não faria tanta diferença.
Com todas as bestas de Nibala! Vamos, bando de molengas! – gritava Balgata com os camponeses – Parecem mais lerdos que os zumbis que enfrentamos! Andando! Andando!
Seridath mantinha-se de costas para a entrada da gruta, enquanto sentia aquela estranha euforia permear seu corpo. Estava mais disposto do que nunca. Olhava as árvores e pedras ao redor, sentindo quase como se pudesse tocá-las, pegá-las, mesmo à distância. Desembainhou Lorguth e olhou para sua lâmina negra. Alguma coisa também havia acontecido com a espada. A bainha não comportava mais a lâmina que parecia ter crescido. A parte serrilhada também estava mais comprida e o gume, mais afiado. As duas esporas pareciam maiores e mais agudas. Lorguth mais uma vez provava o seu poder. Ela estava evoluindo e Seridath não percebera isso antes. Aquela arma magnífica desenvolvia-se lentamente, acompanhando o crescimento do seu senhor. O cavaleiro sentiu o orgulho inundar seu peito.
Quando teriam começado essas mudanças? O rapaz ponderou que, de alguma forma, a espada havia despertado na noite de batalha, quando o cavaleiro tomara a decisão de subjugar a lâmina negra.
Eu estou falando com você, seu idiota! – gritou Balgata, tentando chamar a atenção de Seridath.
O sombrio rapaz encarou o capitão, que manteve seu tom de desafio. Estava claro que Balgata já chegava a seu limite. Lorguth começou a vibrar nas mãos do cavaleiro, como se implorasse pelo sangue daquele homem insolente. Mas Seridath não queria pôr tudo a perder. Embainhou novamente sua maligna companheira, enquanto encarava Balgata.
O que quer? – perguntou.
Não tá vendo que estamos partindo?! Vá para a vanguarda, já que você gosta tanto de aparecer!
Seridath quase se arrependeu em ter embainhado sua espada. Mas seu sangue frio impediu que ele retrucasse e começasse uma nova disputa com o capitão. Os nervos afloravam naquele momento crítico. Uma briga com certeza iria selar o destino de todos, e Seridath ainda acreditava que poderia usá-los. Sem lançar outro olhar para Balgata, o rapaz cumpriu suas ordens, enquanto comandava os demais para abrirem caminho pelo interior do bosque. Lucan continuava desaparecido, talvez em algum lugar à frente, ninguém saberia ao certo. O capitão comandava a retaguarda. Seridath teve um mau pressentimento e observou-o, furtivamente. Viu num relance Balgata marchar ao lado de Aldreth.

No final do dia, o grupo já alcançava os limiares do bosque. A rota prosseguia em campo aberto, oferecendo mais perigo para os fugitivos. Balgata afirmava que mais uma noite de viagem e eles chegariam à cidadela fortificada de Arnoll. Bastava resistirem mais um pouco. Marcharam durante toda a noite. No início da madrugada, os guerreiros que formavam a vanguarda encontraram o corpo de Lucan estendido na campina. 

Continua...

quarta-feira, agosto 28, 2013

Selos: The Versatile Blogger Award

Selos

Fui indicado pelo Vitor, do blog O Guardião da Muralha, para dois selos.



Bem, para simplificar, vou responder tudo junto.

Regras do primeiro:

 - Agradecer a pessoa que lhe deu o selinho e colocar o link dela;
 - Escolher 15 blogs com menos de 200 seguidores;
 - Avisar os blogs que você indicar;
 - Escrever 7 coisas que você gosta.

Do segundo:

 - Postar o selinho e dizer quem o indicou;
 - Presentar outros blogs;
 - Dizer 7 coisas sobre você:

Vou escrever 7 coisas que eu gosto, o que atende às regras dos dois selos...
1. Ler, principalmente literatura de fantasia, mas gosto também de mangás e tirinhas;
2. Namorar;
3. Assistir animes;
4. Assistir seriados;
5. Ir ao cinema;
6. Fazer carinho em algum cachorro;
7. Milkshake de Ovomaltine;
8. Açaí com paçoca, leite condensado e leite em pó (^_^);
9. Escrever;
10. Nadar;
11. Contar histórias, ou ler, principalmente se for para crianças;
12. Viajar para a roça ou para a praia;
13. Cantar, sozinho ou em coral;
14. Devanear;
15. Abraçar as pessoas.

Blogs indicados:

 Obrigado, Guardião da Muralha!

segunda-feira, agosto 26, 2013

A retirada - Parte IV de V

Ir para A retirada - Parte III de V

A marcha prosseguiu, quase ininterrupta, durante os dois dias seguintes. Os homens revezavam-se, descansando dentro das carroças mais vazias. As paradas eram rápidas, duravam no máximo dez minutos. Todos estavam em situação deplorável, principalmente Balgata. O capitão já não usava mais seu elmo e tinha o rosto abatido, com a barba por fazer e o cabelo ruivo desgrenhado. Seridath era o único que se mantinha quase impecável. Estava barbeado, bem disposto e quase não fazia questão da ração distribuída entre os homens. Durante a viagem ele e Aldreth não haviam trocado palavra. Mas Seridath sentia-se em uma situação confortável. Era respeitado por Balgata, talvez temido, e isso o agradava. Mas havia outra questão importante para o rapaz. Sentia-se mais disposto após ter matado aqueles argros. A espada alimentava-se de sangue fresco, como Urso Pardo mesmo dissera. Aos poucos aprendia algo novo sobre sua companheira.
Enquanto o cavaleiro perdia-se em seu deleite, Balgata atravessava questões muito mais sérias. Para ele, a coisa toda só estava piorando a cada segundo. O ataque a Keraz, a fuga e agora a marcha forçada. Sem falar nos feridos e doentes, que pareciam já estarem nas últimas. O capitão hesitava em simplesmente deixá-los para trás. Mas o que mais o preocupava era a forma como os inimigos estavam atuando. Balgata pensava perplexo em como os mortos-vivos haviam ficado "inteligentes" dentro de pouco tempo, com organização militar apta a assaltar uma cidade, a ponto de reduzi-la a escombros. Lembrou-se então de uma reunião que ocorrera antes do início daquela expedição. O Conselho de andarilhos os havia advertido de que zumbis organizados indicavam a presença de um líder, alguém de imenso poder que pudesse orientar os mortos-vivos através de sua aura maligna. Balgata queria ter podido confirmar essa suposição durante o interrogatório do argo prisioneiro, que o maldito Seridath matara covardemente.
Ao fim do terceiro dia, a caravana alcançou uma gruta escondida no meio do bosque. O habitantes da região a chamavam de "Gruta do Sapo", pela forma da entrada, que lembrava a boca escancarada do anfíbio. Era um bom lugar para ser usado como esconderijo, pois as árvores cerradas ocultavam a entrada e o interior tinha espaço o suficiente para guardarem as carroças. Cansados, os sobreviventes penetraram na gruta e foram se jogando ao chão, como trapos puídos.
Descansem, aproveitem – advertiu Balgata –, pois logo cedo iremos seguir viagem.
Mas, e os outros? - inquiriu um jovem aldeão. – Estarão bem?
Os outros estão por contra própria. Estamos seguindo este caminho com a esperança de terem sobrevivido. Não adianta acumular preocupações com eles. Já temos com o que nos preocupar.
Os demais aldeões baixaram os olhos. Eram pessoas que perderam seus parentes, mas que enviaram alguns deles nos outros grupos, com esperança de que se salvassem. Mas agora a incerteza tomava conta dos corações. Foram perseguidos, interceptados, mas sobreviveram. Ainda assim, nada garantia que os outros dois grupos não tivessem sido atacados. Um punhado de crianças sem pais estavam com entre os temerosos sobreviventes, sem ninguém para olhá-las. O desamparo dos idosos também era visível. Os feridos já apresentavam os estágios finais da contaminação. Alguns deles talvez morressem ainda naquela madrugada.

E foi realmente uma noite dura. Cinco homens ficaram de vigia na entrada, enquanto outros cinco velavam os doentes. Logo que alguém expirava, o corpo era silenciosamente carregado até o lado de fora, onde era tratado de forma que não se levantasse mais. Naquela noite, seis dos oito doentes foram sepultados dessa maneira. 

Continua...

quinta-feira, agosto 22, 2013

Lançamento do livro O Medalhão e a Adaga



Finalmente, depois de quinze anos de reescrita, momentos de solitário devaneio, transpirações e conspirações, vou lançar meu primeiro romance juvenil, O Medalhão e a Adaga, pela Editora Multifoco (www.editoramultifoco.com.br).

Data: 21 de setembro, sábado, às 11h30.
Local: Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte.
Rua Carangola, 288, Santo Antônio. Belo Horizonte - MG.

Mais informações: (31) 3277-8658
educativo.bpijbh@pbh.gov.br

Sinopse:

Bildan é um jovem que perdeu seus pais ainda na infância, tendo crescido sem saber muita coisa sobre suas origens. Porém, tudo muda quando ele encontra uma misteriosa garota e um livro mágico, com uma mensagem secreta. Assim, o rapaz deverá atravessar uma terra repleta de magia e perigos, numa jornada desafiadora, rumo a grandes revelações sobre seu passado e sobre o sentido de sua existência.


Texto da orelha, por Simone Teodoro:

Esta história de Samuel Medina que o leitor tem em mãos poderia ser apenas mais uma narrativa sobre o tortuoso percurso de um herói em formação: Bildan, órfão desde os sete anos de idade, que parte para uma difícil jornada em busca da resolução do mistério relacionado à sua origem. Mas não, caro leitor. A história de Samuel Medina nos oferece muito mais.
De fato, já na primeira cena, que antecede a estranha e trágica morte de seus pais, o protagonista é fulminado por um forte sentimento de angústia, cujo correspondente externo é um inquietante e paradoxal sol que emite raios sombrios. Tal sentimento, sempre acompanhado do signo da escuridão, é uma constante no livro. E é partindo de elementos como o escuro e o Vazio que o autor, com admirável originalidade, tece toda uma mitologia moderna, com sua cosmologia e simbologias, na linha de Tolkien. 
Em suma: esta história que o leitor terá o prazer em ler, embora nos fale de um mundo que não é o nosso, está bem afinada com ele, pois é uma história sobre solidão e a orfandade, sobre luzes e sombras, sobre o medo, sobre o amor e a amizade.
Para mim foi uma ótima leitura.
Que seja também para todos vocês!

Ficha Técnica:
O Medalhão e a Adaga
Samuel Medina
Editora Multifoco
196 páginas

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/341451

quarta-feira, agosto 21, 2013

Em casa, uma vez mais


Era para ter sido uma visita monitorada rotineira. Bem, nem tanto. Foi com muita surpresa e certa dose de apreensão que avistei a turminha de 25 crianças da Escola Integrada, chegando às 13h, uma hora e meia antes do horário tradicional de visita. 
Diria que o suor escorreu frio, mas isso é um recurso ficcional. Minha concentração maior era receber aquelas crianças e buscar mostrá-las, ainda que minimamente, quão maravilhosa uma biblioteca pode ser.
O percurso pelas estantes, entre os amplos espaços da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil, foi também um momento de afeto. Serenas e atentas, aquelas crianças seguiam a cadência de minha voz, que ora se elevava, ora tornava-se quase um sussurro. Era como se eu estivesse compartilhando um segredo a todas elas.
E foi logo depois do momento da leitura que uma menininha de dois anos, que não fazia parte da turma e visitava a Biblioteca com sua mãe, abordou-me quase imperativa. Ela sacudia graciosamente, naquele jeito belo e descuidado que toda criança tem, um exemplar do livro "O Bonequinho Doce", de Alaíde Lisboa. "Lê essa história pra mim?" ela disse. Impossível negar tal pedido.
Ajoelhei-me ao lado dela e comecei a leitura. E ficava encantado a cada momento que a menina, chamada Letícia, soltava uma gargalhada a meio tom, de um jeito sapeca, como se a risada fosse quase uma transgressão.
De repente, Letícia pulou no meu colo. Senti-me como se estivesse lendo para um de meus sobrinhos. Senti-me em casa em pleno trabalho, uma vez mais.
Terminada a leitura, Letícia saiu correndo pela Biblioteca, atrás de sua mãe. E eu continuava lá, parado, desmanchando igual ao Bonequinho Doce.

segunda-feira, agosto 19, 2013

A retirada - Parte III de V

Ir para A retirada - Parte II de V

Para evitar qualquer desastre, caso fossem alcançados por perseguidores, Balgata dispôs dois terços do grupo de vanguarda para reforçar a retaguarda da caravana. Era um remanejamento precário, mas o capitão procurava não pensar na grande quantidade de pontos vulneráveis do grupo.
Na manhã seguinte, os fugitivos sofreram as conseqüências de terem eliminado a patrulha de argros. O primeiro a perceber foi Seridath, que de repente sentiu vontade de deixar a vanguarda e dar uma espiada em Aldreth. O cavaleiro avistou-o na retaguarda, com aquele mesmo olhar desenxabido, chutando pedras pelo caminho, logo atrás do último comboio. O guerreiro achou graça. Era um garoto miserável, aquele. Um menino que nunca chegaria a lugar nenhum. Mas então algo chamou a atenção do cavaleiro para as árvores atrás do ombro esquerdo de Aldreth. Parecia que alguns troncos escuros moviam-se. Apressando o passo, o cavaleiro desembainhou Lorguth, enquanto constatava que na verdade não eram troncos e sim homens. Humanos degradados, sem pele, vestidos com aqueles mesmos uniformes escuros, tendo a caveira desenhada no peito. Um pelotão inteiro deles.
– Ataque! berrou Seridath, a plenos pulmões. Ataque inimigo!
O cavaleiro passou os últimos homens que compunham a retaguarda e meteu-se entre as árvores. Os inimigos estavam espalhados pelo bosque, de forma que era impossível determinar seu número. Seridath podia somente presumir que eram vários. Os demais sobreviventes repetiram os gritos do cavaleiro, de forma que logo a vanguarda sabia da situação. Balgata pigarreou, enquanto puxava a espada da bainha e a jogava da mão direita para a esquerda. Esse era o preço. Não faria sentido se os inimigos não fossem atrás da isca.
O capitão gritou ordens aos homens, orientando-os a agruparem as carroças. Os comboios moviam-se lentamente, de forma que não adiantava tentar fugir de um inimigo mais veloz que eles. Ordenou que a tropa que compunha a retaguarda fizesse uma formação em linha cerrada. A maior parte da tropa da vanguarda deveria recuar e reforçar a linha, deixando a parte dianteira da caravana praticamente exposta, contando com apenas 10 homens. Lucan não havia voltado, de forma que era menor a chance de inimigos chegarem pela frente, mas o arauto poderia já estar morto. Balgata decidiu arriscar. Seridath havia sumido. A fileira de 35 homens, formada por guerreiros e aldeões inexperientes, era mais do que precária. Não havia como evitar que os inimigos os flanqueassem, isolando-os das carroças que se agrupavam. O capitão gritou:
– Homem contra homem! Arqueiros, escolham seus alvos, linha longa no flanco direito!
Os guerreiros obedeceram, enquanto os camponeses atrapalhavam-se com as armas, sem coordenação. Aquilo seria um massacre. Balgata nunca fizera preces a deus algum, mas naquele momento ele fez uma oração a Nereth, um dos Deuses da Morte. Pediu que eles ao menos não se transformassem naquelas coisas contra as quais lutavam. Os guerreiros se espalharam, usando as árvores como apoio na escaramuça. Dois aldeões morreram logo no embate, sendo mutilados a golpes de martelos de guerra. A diferença era de três para um, mas o capitão procurava não pensar em números. Ergueu o braço esquerdo e bradou:
Avante, Companhia! Vamos vender nossas vidas caro!
Como um demônio, o capitão lançou-se entre as árvores, brandindo sua lâmina. Equilibrando força e agilidade, Balgata já havia derrubado quatro zumbis, quando ouviu um som agudo sibilando rente ao seu ouvido direito. Um dardo cravou-se no tronco de árvore mais próximo. Aqueles malditos cuspidores de setas também estavam por lá, escondidos no interior do bosque. "E o cachorro covarde sumiu..." pensou Balgata, referindo-se a Seridath, enquanto desviava a trajetória de um machado de guerra e lançava um contra-golpe, arrancando o maxilar do zumbi que o enfrentava. A criatura tombou após o capitão arrebentar sua testa, deixando o cérebro à mostra, putrefato e repleto de vermes. O fedor dos mortos-vivos começava a subir naquele bosque frio.
Os anões, orientados a não usar explosivos, lutavam com maças e machados. Uri era de longe o mais habilidoso, usando de seu tamanho como vantagem para mutilar os adversários. Um dos anões foi morto com uma seta no alto da cabeça. Eles usavam pouco equipamento de guerra, apenas peitorais de couro, sendo que alguns nem dispunham de elmo, apenas gorros com cores escuras. Mas eram lutadores mortais, velozes e de grande agilidade. Dizia-se que também tinham talento nato para o arco, embora nos últimos anos tivessem considerado o manuseio de tal arma uma prática desonrosa.
Naquela manhã cinzenta, os únicos sons que enchiam o bosque eram os canglores de metais, gritos de desespero e o som de carne sendo cortada. A esses sons logo uniram-se os berros excitados de meia dúzia de argros, que acompanhavam o pelotão de zumbis e buscavam vingança por seus companheiros mortos. Balgata caçava os cuspidores de setas, que estavam espalhados de forma estratégica em torno dos humanos e anões. Por três vezes o capitão esteve por um triz de ser alvejado por uma das setas. Um ferimento daqueles poderia significar uma morte lenta, dolorosa e a posterior zumbificação. O grande guerreiro nem sabia mais as condições da sua tropa. Havia entrado demais no interior do bosque, apenas ouvia os sons da luta em algum lugar à esquerda. O capitão localizou mais um daqueles monstros cinzentos e bizarros, com os dardos a tamparem a bocarra sem lábios. Estava quase escondido atrás de um grande tronco morto. Antes que o oponente notasse, Balgata decepou sua cabeça, que rolou pouco sobre o chão ressecado.
O capitão virou-se por instinto, ouvindo o som da madeira podre ser estraçalhada. Com habilidade, um argro de tamanho médio lançou-se sobre o grande guerreiro, brandindo um machete. Balgata golpeou a cara da criatura com o escudo, enquanto girava o braço esquerdo, brandindo a espada, que partiu o machete e penetrou fundo na carne peluda do inimigo, à altura do ombro direito. O argro uivou, mas Balgata deu um forte chute em sua barriga e o homem-roedor bateu suas costas no que havia restado tronco morto, mas a lâmina continuou presa. Mais setas sibilaram perto do capitão, que girou o oponente, usando-o como escudo. Os dardos foram penetrando em seqüência nas costas do argro, que dava berros curtos e estridentes a cada vez que era atingido. Balgata o empurrou, obrigando o inimigo a correr de costas, diminuindo a distância entre ele e o lançador de dardos, ainda usando o argro como escudo. O rosto do roedor estava bem próximo ao de Balgata, que por um relance pôde observar como aquele inimigo era diferente do prisioneiro executado por Seridath. Ainda parecia um râmster, embora os dentes da frente fossem mais pontudos, como se tivessem sido limados. Os olhos estavam brancos de ódio e loucura. Era um inimigo robusto e que ainda estava vivo, mesmo com uma espada presa em sua clavícula e com pouco mais de dez setas cravadas em suas costas. Mesmo assim, ele ainda berrava, espumava e tentava morder Balgata, que tinha dificuldades em contê-lo.
Em um instante o argro calou-se, soltando um gorgolejo. Surpreso, Balgata viu uma ponta negra surgir do pescoço do inimigo, que amoleceu logo em seguida. O argro tombou, revelando Seridath, que rapidamente tirou Lorguth do morto. Os dois, o capitão e seu subalterno, olharam-se por meros instantes. Desprezo e indignação trafegaram por aqueles dois fortes que fitavam um ao outro. Em silêncio, Seridath agitou Lorguth, para retirar o sangue da lâmina. Ainda sem embainhá-la, o guerreiro cruzou com o capitão.
– Onde você estava? inquiriu Balgata.
– Aqui, lutando respondeu Seridath. Não se preocupe, capitão. Nossos homens estão em segurança. Parece que alguém matou mais da metade de nossos inimigos.
– Alguém? perguntou Balgata.
– Sim, alguém.
Seridath falava a verdade. Ele também estava perplexo. Havia matado um bom número de argros e mais um punhado de cuspidores de flechas. No meio das árvores, vira vultos movendo-se com grande rapidez, mas apenas encontrou zumbis e argros despedaçados pelo caminho. Estava tão intrigado quanto Balgata, embora tivesse fortes suspeitas de que as mesmas criaturas aniquilaram os inimigos em Keraz atuavam novamente e sabiam, de alguma forma misteriosa, quem deveria ser eliminado. O rapaz continuou seu caminho rumo à caravana, enquanto o capitão permanecia ainda parado, em silêncio. Parecia chocado com a facilidade que Seridath matara o argro que havia lutado tanto para viver.
– Está esquecendo sua espada, capitão Seridath interrompeu os pensamentos de Balgata, falando sem virar-se.
O capitão resmungou algo ininteligível, enquanto punha o pé esquerdo sobre o corpo do argro morto, liberando sua espada com um puxão violento. Balgata não limpou o sangue da espada nos pêlos do inimigo. Ainda estava impressionado, de forma que chegou a pensar em enterrar aquele oponente. Mas não havia tempo para honras e gentilezas de guerra. O capitão logo retornou à caravana. O saldo da batalha fora pesado para um grupo tão pequeno. Ao todo 8 mortos, sendo quatro aldeões, três guerreiros e um anão. Os demais não estavam sequer feridos. A luta durara poucos minutos, de forma que todos estavam impressionados por terem vencido.

Lucan ainda não havia retornado, mas nenhum inimigo os abordara pela retaguarda, e por isso Balgata acreditava que o arauto continuava fazendo seu trabalho de vigiar o caminho à frente. O capitão deu ordens rápidas para que os comboios estivessem em movimento o mais rápido possível. Seguiram no mesmo ritmo durante o dia inteiro e por toda a noite.

Continua...

quarta-feira, agosto 14, 2013

Ressurreição?

Depois de estar relativamente desconectado (é quase impossível utilizar o blogger do celular), retorno a este espaço. Finalmente, resolvi o problema da falta de computador. Assim, peço desculpas a todos por tanto tempo de ausência.

Meu primeiro esforço será em retribuir cada visita e comentário recebido. Em seguida, irei também responder às tags e campanhas. Por último, retornarei com as resenhas e, posteriormente, com a narrativa "O Viajante Cinzento". 

Amigos, mais uma vez peço desculpas pela ausência. Prometo que será compensada!

segunda-feira, julho 01, 2013

A retirada - Parte II de V

Ir para A retirada - Parte I de V

Lucan retornou no fim da tarde. O arauto ofegava, por ter corrido durante um trecho considerável.
Eles estão vindo, senhor – reportou ele a Balgata. – Um bando daqueles bichos peludos. Parecem que estão patrulhando a região.
Sei... – respondeu o capitão. – Estão realmente recebendo ordens. Não duvidava disso, mas até agora não sabemos ao certo com o que estamos lidando. Eles estão seguindo em nossa direção?
Creio que sim.
Então temos que interceptá-los – intrometeu-se Seridath.
Não creio que isto aqui seja um conselho de guerra – respondeu Balgata, com rispidez.
Eu sei, capitão, mas é melhor usar o elemento surpresa.
Agora era o que me faltava! – rugiu o capitão. – O garoto querendo dar aulas a um oficial!
Seridath calou-se. Aquele brutamontes já estava começando a irritá-lo. Mas Balgata não demorou a concordar. Contrariado, admitiu:
Tudo bem. Faremos um assalto. Deve ser rápido e sem baixas de nosso lado. Nenhum deles pode fugir, mas eu quero um prisioneiro a quem possa fazer perguntas. Fui claro?
Sim, senhor – respondeu Seridath, com um sorriso divertido.
Segundo Lucan, eram vinte homens-macaco, todos portando clavas ou lanças rústicas. Balgata levou metade do grupo de vanguarda. Avistaram a patrulha após meia hora de marcha. Esconderam-se atrás dos troncos secos, enquanto observavam as criaturas aproximando-se. Era a primeira vez que olhavam os inimigos tão de perto e à luz do dia. O capitão já havia acertado os gestos de ordem. Seridath e Lucan estavam próximos a ele, bem como o anão Uri, portando um machado repleto de runas. Os argros, como Urso Pardo os havia definido, eram mesmo humanóides, embora andassem curvados e não usassem roupas, exceto uma tanga que lhes cobria a cintura. Eram criaturas feias, embora inspirassem mais pena que medo. Sua feiúra denotava decadência e abandono. Pareciam quase desprotegidos. Apenas Uri trilhava os dentes diante da visão dos inimigos, murmurando impropérios na língua do seu povo.
Balgata acenou para os guerreiros. Era a hora. Lançaram-se sobre os inimigos como uma torrente silenciosa e mortal. Nenhum deles sentiu-se animado a dar berros de guerra. Os argros caíram na emboscada, soltando uivos de dor e desespero, enquanto eram golpeados pelas armas da Companhia. Somente Seridath, com sua rapidez e habilidade, degolou três deles, que sequer esboçaram reação. Mais uma vez, o cavaleiro recebeu as sensações dos inimigos mortos, sentiu o calor de suas mortes. O bando de argros foi espremido entre os atacantes, mas um deles, mais magro e baixo, conseguiu escapar do cerco, largando sua clava. Seridath foi em seu encalço, derrubando-o com um chute nas costas. A criatura tropeçou e rolou pelo chão pedregoso, soltando ginchos de dor.
Garzinb nïgh atmarihr! – gemeu o argro. – Não mata! Garzinb nïgh! Pedir perdão!
Agora ele estava cercado pelos homens da Companhia e olhava, aterrorizado, para todos os lados, tentando proteger a cabeça com os braços curtos.
Vamos logo matar esse verme desgraçado! – rugiu Uri.
Espera! – interviu Balgata. – Ele deve responder umas perguntas primeiro. Se ele souber nossa língua, é claro.
Uri baixou o machado, antes pronto para esmagar a cabeça do homem-macaco. Mas, numa segunda olhada, era possível concluir que se tratava de um menino argro, quase um filhote. Era um milagre que ele soubesse falar mais de duas palavras na língua dos homens.
Anão, você fala a língua desta criatura? – perguntou o capitão.
Garznirni não têm língua própria, senhor – respondeu Uri, entredentes. – Essa escória usa nossa língua. Nossa língua!
Pois converse com ele na sua língua, anão. Arranque da criatura qualquer informação útil.
Uri, contrariado, voltou-se para o argro. Começou com algumas frases isoladas, que o prisioneiro respondia timidamente. Logo, o anão passou a fazer perguntas mais longas, que o argro respondia com a cabeça baixa. Enquanto o interrogatório prosseguia, Lucan aproximou-se e examinou melhor o prisioneiro.
Mas ele não se parece com um macaco... – comentou o arauto. – Parece mais um râmster. O que é medonho é essa falta de orelhas...
Ninguém respondeu, mas, de fato, o argro tinha o rosto dócil e os dentes avantajados de um roedor. Os olhos eram um pouco menores, quase humanos. Poderia se passar por um esquilo gigante, mas não possuía orelhas. Balgata comentou:
Uma vez alguém me disse que essas criaturas têm as orelhas arrancadas em seu nascimento. Parece ser um ritual desse povo.
Medonho... – sussurrou Lucan.
Nesse momento, começou uma confusão. Uri partiu para cima do argro, golpeando-o com o cabo do machado. Quatro homens, além de do capitão, foram necessários para arrancar o anão de cima da criatura, que guinchava e choramingava.
Pelos abismos! – praguejou Balgata. – Segurem esse anão!
Pedaço de merda, eu te mato, porcaria! – gritava Uri.
Os quatro homens seguraram o anão com força, mas o argro aproveitou a confusão para escapar entre as pernas de seus captores.
Todos se alarmaram. Se o argro chegasse ao seu destino, estariam perdidos. Mas a perseguição ao fugitivo sequer começou. Seridath interceptou o caminho da criatura, surgindo de trás de uma árvore. O argro brecou, ergueu os braços e estava para abrir a boca quando o cavaleiro perfurou-o com Lorguth. A criatura choramingou e tombou num átimo.
O que você fez!? – esbravejou Balgata.
Eliminei um inimigo, capitão – respondeu o cavaleiro. - Creio que o anão já deve ter conseguido alguma informação... "útil".
Você é um maldito covarde, isso sim! – gritou o capitão. – Matar um inimigo desarmado, quando ele ia suplicar por sua vida!
Deixe os cavalheirismos de lado, capitão Balgata – aconselhou Seridath, friamente. – Esse animal nem é humano e mantê-lo como prisioneiro seria dar uma constante chance para sua fuga. Eliminar um prisioneiro inútil é o mais acertado na situação crítica em que estamos.
Balgata murmurou uma praga, mas deixou como estava, desistindo de discutir com Seridath. Todos voltaram-se para Uri, que ainda era mantido pelos próprios companheiros. Os homens fizeram menção de soltá-lo e ele mesmo se desvencilhou, girando os ombros com violência. Nenhum deles protestou ante o gesto do anão. Todos aguardaram o que ele tinha para dizer.
Não tinha nada de útil – resmungou Uri.
Como assim? – inquiriu Lucan.
Nada. Aquele pedaço de bosta ficava repetindo que não sabia nada, que era a primeira "caça" dele e que eles tinham migrado para morar nas terras que foram prometidas. Não sabia quem prometeu. Também disse que não sabia pra que lado ficava o acampamento do seu povo. Era uma porcaria inútil.
Então estamos na mesma – respondeu Balgata, resoluto. – Vamos apressar os comboios. Também vamos tomar um desvio e tentar apagar nossos rastros. Logo eles saberão da patrulha que não retornou.

Os homens se puseram a caminho e chegaram à caravana em poucos minutos. Foi penoso guiar os bois para fora da estrada. Sabiam que era um recurso quase infrutífero e que lhes renderia horas extras de marcha, mas Balgata estava decidido a não condenar o grupo por negligência, ainda que mínima. Seguiram por sendas tortuosas e estreitas, entre troncos secos de árvores que pareciam já mortas. Anoitecia e eles continuavam em marcha. Não acamparam, pois a falta de abrigo deixava-os vulneráveis a ataques furtivos e aos possíveis perseguidores. Durante a noite, a caminhada foi bem mais lenta e penosa, pois não poderiam acender fogo para iluminar o caminho. Por sorte, o luar crescente forneceu iluminação suficiente para que pudessem prosseguir.

Continua...

sexta-feira, junho 07, 2013

Chapeuzinho Amarelo e o Medo do Medo



Uma menina paralisada pelo medo um dia dá de cara com a materialização de seus temores e descobrirá muito sobre si mesma, aprendendo uma forma criativa de tornar se próprio medo em brincadeira.

Esse é o mote para a deliciosa história criada por Chico Buarque e ilustrada por Ziraldo, o eterno maluquinho.
Chapeuzinho Amarelo é uma menina que, de tão medrosa, mantém sua vida em suspenso, na eterna expectativa de encontrar o famigerado lobo e ser por ele devorada, como ocorrido com aquela outra menina, também Chapeuzinho, só que de cor diferente.

Nessa história, tão curta e ao mesmo tempo tão poderosa, Chico lança mão de todo o seu talento de compositor e poeta, mostrando sua intimidade com as palavras e concedendo ao texto uma musicalidade ímpar.
A menina não precisa de um herói, de um valente caçador para enfrentar aquele lobo. Afinal, o vilão é capaz de comer "duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa". Assim, não há caçador que possa contra esse famigerado monstro. A única pessoa capaz de enfrentá-lo é a própria Chapeuzinho Amarelo, pois foi o seu medo que trouxe o lobo, antes tão longe, para perto. 

E o que poderia ser um terrível encontro logo se revela a oportunidade de brincadeira e de autoconhecimento. Chapeuzinho Amarelo é uma história marcante, poderosa e repleta de poesia. Uma bela alegoria, capaz de tocar a alma de crianças de todas as idades.


Ficha Técnica
Edição: 30
Editora: José Olympio
ISBN: 9788503006156
Ano: 2011
Páginas: 36

Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/11396

quarta-feira, maio 15, 2013

Alma Quebrada - Parte Final

Com seu único olho são, ele fitava o teto do quarto de hóspedes. Procurava organizar seus pensamentos, mas sua mente era preenchida apenas por sons e imagens. Recortes esparsos da experiência de uma noite passada em claro, vomitando sangue, sendo costurado, examinado, reparado. Como se fosse de fato possível reparar aquilo que estava quebrado para sempre.

Um médico constantemente havia parado diante de sua maca, para perguntá-lo quem era, quantos anos tinha, onde morava, dentre outras perguntas. Nelas, buscando responder corretamente ao médico, ele tentava redescobrir-se, como se fosse possível recuperar a peça para sempre perdida dentro de sua alma.

Agora, passado o pior daquele pesadelo, o rapaz olhava para o teto e revia infinitamente a mesma cena do acidente, procurando descobrir onde ele errara, onde tomara uma decisão equivocada, desviando para sempre o curso de sua vida. Agora era um brinquedo quebrado, um inválido na tarefa de ser alguém de fato. Retornava à casa dos pais, amparado como criança, sua maioridade revogada.

Tentou deixar o leito, firmar pé, até descobrir que sua visão não era mais a mesma. Jamais seria. Seu passo agora seria eternamente trôpego, vacilante. O que era circunstancial tornara-se um fato. Antes titubeava por indecisão, agora era por condição.

Talvez tudo isso fosse mentira. Ou ao menos um equívoco passageiro. Talvez sua alma estivesse apenas trincada. Ou talvez, mesmo em estilhaços, fosse possível restituir à sua alma uma integridade anterior. Quem sabe essa infância forçada fosse a condição necessária para um outro eu, para o surgimento da potência oculta, antes aprisionada nas formas da alma.

Uma coisa era certa: essa alma, já tão comprometida, tão desarranjada, agora jazia irreparável, transformada em estilhaços invisíveis, encerrados em seu peito.

segunda-feira, maio 13, 2013

A retirada - Parte I de V

Ir para Lorguth - Parte IV de IV


A manhã chegou em Keraz sem a presença do sol. Balgata deixara a cargo de Riderth organizar a fuga dos dois grupos pela passagem da adega. O terceiro grupo estaria a cargo do último capitão e sairia a campo aberto. Mesmo após a divisão, algumas crianças e idosos ainda ficaram para trás, fazendo parte do grupo que cumpriria o papel de isca. Seridath, Balgata e os demais estavam parados no centro da aldeia, diante uma pilha de madeira onde os corpos das vítimas estavam dispostos. Urso Pardo, coberto por um manto de peles, havia sido colocado ao lado de Murrough, cujo corpo já estava parcialmente queimado e fora identificado por Balgata pela espada que segurava. Lá também estava Aleigh, que morrera poucos minutos antes. Seridath, Lucan e o anão Uri foram os únicos a verem o corpo dilacerado do velho andarilho. O cavaleiro havia providenciado para que ninguém mais visse o estado deplorável que estava o corpo de Urso Pardo.
Ao redor dos três líderes, os cadáveres dos demais guerreiros e camponeses estavam dispostos de forma assimétrica. Foi tudo feito às pressas, pois todos temiam que os mortos entre seus próprios companheiros pudessem despertar. Seridath sentia esse medo permeando o fôlego de todos os vivos ali presentes. Os arqueiros prepararam as flechas incendiárias. Balgata daria a ordem de disparo que poria em chamas aquela gigantesca pira fúnebre. O capitão ainda hesitou. Nesse instante, um gemido forte e sofrido surgiu dentre os corpos. Aleigh gemia e ao seu gemido foram acrescidos outros. O capitão recém-falecido levantou-se de chofre, com o rosto desfigurado. Olhou ao redor e deu um berro irracional.
Disparar! – gritou Balgata, com a voz engasgada.
As flechas incendiárias atingiram os corpos, que estavam encharcados de uma substância especial, fabricada pelos anões. Instantaneamente, a pira incendiou-se, cessando os gemidos daqueles que deveriam estar em paz. Os vivos permaneceram em silêncio, observando fixamente os corpos a arderem. Pareciam fascinados pelo fogo. Balgata quebrou o silêncio.
Andem, seus cães de Nibala! – bradou o último capitão. – Querem ficar nesta fossa podre pra sempre!? Vamos dar início à retirada!
Até mesmo ele estava surpreso com seu linguajar. Parecia que o sangue de seus antepassados começava a despertar nele um outro homem. "Que seja!" pensou ele, cuspindo no chão, como se expulsasse de si mesmo o último resquício de nojo.
Logo o grupo de sobreviventes pôs-se em marcha. Os comboios eram guiados por três auxiliares, remanescentes da comitiva de guiadores e cozinheiros que saiu de Sathal, quase um mês atrás. Duas carroças levavam os mais debilitados. Alguns, feridos pela maligna maldição, já mostravam sinais de fraqueza e da doença que lhes tiraria a vida, transformando-os em mortos-vivos. Bem à frente do comboio ia o grupo de defensores, escalados para o primeiro embate caso o inimigo surgisse em alguma emboscada. Balgata guiava o grupo, formado por 6 anões, 9 arqueiros, 18 guerreiros e 20 aldeões assustados. Na retaguarda havia um grupo menor, composto somente por 5 arqueiros e 7 camponeses. Exceto crianças e velhos, os outros foram obrigados pelo capitão a carregar algum tipo de arma. Todos que pudessem deveriam lutar pela sobrevivência do grupo. O resto dos homens da Companhia estavam entre os outros dois grupos, que escaparam pela passagem particular do prefeito Denor.
Aldreth era um dos arqueiros destacados para ficar na retaguarda. Tentava distanciar-se de Seridath, mas não se considerava digno de escapar com os outros, pela passagem. Merecia arriscar a vida, fazendo parte do grupo de isca. O jovem ainda não conseguia entender como ele e os outros arqueiros de vigia não conseguiram ver os cuspidores de dardos antes do início do ataque. Fora surreal demais assistir a campina de repente encher-se de criaturas hostis, enquanto eles escondiam-se atrás da paliçada e as pessoas da aldeia morriam. Por tudo isso, Aldreth temia ainda mais Seridath e procurava evitá-lo a todo custo. Ele era o único que sabia a verdade. O único que vira homens que ele mesmo havia enterrado levantarem-se como criaturas malditas. E não bastasse isso, aquele homem maligno o havia condenado a conviver com as imagens que o atormentavam.
Balgata também não alimentava os melhores sentimentos por Seridath. O capitão desprezava o insolente rapaz que portava aquela estranha espada e agia como se o mundo todo girasse ao seu redor. Algo dizia a Balgata que havia uma sinistra ligação entre as ações de Seridath e a misteriosa salvação em Keraz. Não havia provas disso, mas o capitão considerava que essa idéia vinha de sua "intuição de soldado", que raramente falhava. Mas o que deixava aquele grande homem fulo da vida era ver o rapaz agir como se fosse um herói, tomando a frente do grupo, sedento por mais lutas e sangue. Enquanto eles andavam cautelosos e estudando o terreno, Seridath adiantava-se, como se não houvesse problema em enfrentar todo um pelotão de zumbis.
Seguiram por uma trilha pouco usada, conhecida por um velho caçador que orientava o capitão. Lucan, o arauto, oferecera-se para atuar como batedor, alegando ser ágil e rápido. Balgata não ofereceu resistência. Pensara que esse papel seria disputado por Seridath, mas o cavaleiro manteve silêncio, postado ao lado do capitão. Lucan desapareceu durante toda a tarde. A marcha era lenta, penosa e ninguém ousava dizer uma palavra. Ainda estavam na zona de morte. A velha trilha abandonava a campina e cortava uma extensa floresta repleta de enormes pinheiros de troncos frondosos. As árvores estavam secas, por causa do início do inverno, mas sua cor era mais escura que o normal, como se houvesse uma camada de fuligem a cobri-las. O chão emanava um cheiro podre e úmido. Aquela terra já parecia morrer com a maldição que se espalhava. 


Continua...

sexta-feira, maio 10, 2013

História da água - o sinuoso percurso da memória

Fonte: divulgação

A vida é algo muito difícil de ser definido. Ainda assim, a humanidade busca, ao longo da História, transformar em palavras algo tão abstrato quanto vasto. Contudo, há certos fatos intrínsecos à palavra vida. Por exemplo, a vida na Terra só foi possível por uma série de fatores, entre eles a água. Ou seja, não podemos negar que a água é o elemento essencial à vida.

Algumas religiões utilizam-se das propriedades da água como alegoria da existência espiritual. Nada mais lógico. Afinal, a água pode assumir várias formas e estados, embora tenha uma mesma essência. Em muitas crenças o mundo teria começado com um grande mar e mesmo em algumas narrativas a água é usada pelas divindades para dar fim a toda a existência, seja humana ou não.

Outra bela alegoria é do rio, que representa a inexorável passagem do tempo, o correr das águas como as experiências que vivenciamos e nunca mais poderemos reviver, ainda que as busquemos pela memória. Além deste fato, as águas, sejam em rios ou mares, também demarcam fronteiras, territórios, constituindo-se num "espaço sem espaço", num entre-lugar.

Não tenho certeza se por acaso a Laura Cohen Rabelo pensou em tudo isso quando começou a escrever o magnífico História da água e na verdade não me importa saber. O fato é que a água está lá, com toda a sua potência, com a sua sugestão de vida e morte. 

A linguagem é cadenciada, musical. É um livro delicioso de se ler. Nele conhecemos a jovem Eira, acadêmica de literatura, cercada por grandes desastres que definiram sua alma, marcaram sua história. Filha de um grande escritor e pesquisador, Eira sente viver à sombra do pai. Seus dois irmãos, Lucian, o mais velho, e Anya, a caçula, são formados em música e alcançaram a idade adulta longe de Eira. Ambos falam alemão e possuem promissoras carreiras na área musical. Assim, Eira sente-se como que estrangeira de seus próprios irmãos, embora possua com cada um deles laços de amor bem fortes e peculiares.

Composto por uma narrativa não-linear, o romance usa da linguagem para delimitar territórios ou espaços narrativos, sejam eles simbólicos ou  físicos. "Demônios Acadêmicos", por exemplo, é narrado por Lucian e relata muito cuidadosamente os percalços intelectuais e amorosos de Eira. É interessante como o narrador por vezes assume o papel de irmão mais velho, por vezes o papel de amigo confidente. Já "A Casa de Odisseu" é narrado por Anya e relata com muita delicadeza a busca de Eira por reconfigurar sua vida, desvinculando-se do passado, ou melhor, dos passados que a assombram.


Todavia, nenhum personagem é tão fascinante quanto Eira. Seu nome, se buscado no dicionário, significa um lugar que tem profunda relação com a água, embora um dos significados seja justamente "Terreiro em que se junta o sal ao lado das marinhas", ou seja, um lugar drenado. E podemos ver uma certa secura na protagonista, justamente por ser uma ex-nadadora, obrigada a abandonar o esporte por conta de um acidente. Esta secura, inclusive, evidenciaria a sombra de uma outra vida, abortada. Como se por seu nome, Eira, a personagem principal sofresse a água que perdeu, a vida que se esvaiu, mesmo sendo tão jovem. Sua tristeza é bela, não apenas pela estética no uso da linguagem, mas pelo elemento fáustico que evoca. Eira sabe que não pode escapar de seu destino, mas luta contra ele, embora a cada embate ela inexoravelmente reforce esse mesmo destino, pois suas limitações também são parte de si.

Finalmente, declaro que História da água foi uma deliciosa viagem, um percurso sinuoso por uma história singela, profunda e forte. Sendo o romance de estreia de Laura Cohen Rabelo, esta obra assinala com veemência a sobriedade, a competência e sobretudo o talento desta jovem escritora.

Ficha Técnica

Edição: 1
Editora: Impressões de Minas
ISBN: 9788563612076
Ano: 2012
Páginas: 183


Página do livro no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/287055-historia-da-agua

PS: Eu desejava escrever muito mais sobre o livro. Foi a leitura mais prazerosa de 2013 e uma das melhores que já tive. Há diversos aspectos presentes na narrativa que me fazem passar horas e horas pensando. E continuo vivendo com Anya, Eira e Lucian. Suas palavras continuam ecoando em mim. E creio que ecoarão perpetuamente, como o perpétuo ciclo da água.