segunda-feira, setembro 09, 2013

A Cidadela - Parte I de IV

Ir para A retirada - Parte V de V

O arauto ainda respirava. Havia alguns cortes em seu lado esquerdo, um deles bastante profundo, e hematomas no rosto e pescoço. A haste escura de um virote partido estava cravada logo abaixo da omoplata direita. Era um milagre que ele estivesse vivo. Os ferimentos indicavam que havia escapado de um combate atroz.
Deram água ao jovem, embora Balgata olhasse desconfiado. Todos os feridos pelos inimigos já estavam mortos... duas vezes. Talvez fosse melhor acabar logo com seu sofrimento. O rapaz pareceu adivinhar as desconfianças de seus companheiros.
Foram bandidos, senhor – disse ele, olhando para Seridath. – Eles tomaram Arnoll.
O jovem tinha mais respeito por Seridath, e Balgata tentava dissimular sua irritação diante desse fato. Havia coisas mais urgentes, como a informação que o rapazinho acabava de fornecer.
Quer dizer, então, que Arnoll foi tomada!? – grunhiu o capitão, furioso.
Exatamente, senhor – respondeu Lucan.
Diga, rapaz, como conseguiu sobreviver? – perguntou Balgata, propositalmente mantendo um tom de desconfiança em voz.
Lucan suspirou, deixando escapar um gemido e um sorriso resignado de alguém que não entende a hostilidade de seus próprios aliados. Balgata cedeu e ordenou que tivessem uma pausa até que Lucan recebesse os primeiros socorros. Também convocou dois ajudantes para carregar o arauto até uma das carroças onde ele poderia ser tratado devidamente por duas senhoras de Keraz. Os últimos feridos pelos zumbis haviam morrido na noite anterior. As duas senhoras, que arriscaram suas vidas oferecendo-se para cuidar dos feridos, ficaram animadas ao verem um paciente que não definharia diante de seus olhos, se fosse tratado devidamente. Não havia clérigos ou cirurgiões entre eles, mas as duas senhoras eram capazes de fazer uma sutura no corte profundo tratar adequadamente as outras feridas. Balgata pediu para ser chamado logo que os cuidados com Lucan fossem concluídos. O capitão também distribuiu ordens para manter seguro o acampamento.
Após cerca de uma hora e meia, um dos camponeses aproximou-se do capitão, comunicando que Lucan já não corria risco. Balgata aproximou-se dele, apreensivo.
E então? perguntou. – Ainda está inteiro ou as velhas arrancaram algum pedaço do seu fígado?
Estou bem, capitão – respondeu Lucan. – Obrigado por perguntar.
Mas você nos disse que Arnoll foi tomada – inquiriu Balgata, já completamente esquecido da frase que Lucan havia dito. – Dominada por bandidos.
Sim. Homens bem vivos. Os malditos estavam rondando a cidade faz um tempo, mas agiram quando as pessoas começaram a aparecer, fugindo dos mortos. O senhor feudal havia decretado alerta e não deixava ninguém entrar ou sair. Parece que alguém escalou o muro e abriu o portão após matar os guardas.
Quer dizer que eles possuem homens de qualidade murmurou Balgata. Talvez um assassino rastejante. Mas como você sabe disso tudo, garoto?
Eu topei com um grupo montando guarda nesta noite. Lucan deu um sorriso maroto Pude ouvir muito do que eles conversavam. Parece que as coisas deste lado estão piores do que pensávamos.
Como assim, piores?
Aquele exército que enfrentamos em Keraz era só uma parte de uma grande força que está marchando desde o mar, a nordeste daqui. Isso significa...
Quiriath-Mon! murmurou Balgata, rangendo os dentes.
Isso mesmo, capitão. Essa força gigantesca engoliu os vilarejos ao redor, mas muitos deles já estavam tomados. Os camponeses mortos só engrossaram as fileiras dos amaldiçoados.
Por Nibala e suas cabeças! – blasfemou Balgata.
Todos ao redor estremeceram. A madrugada ia pelo meio, e a lua cheia ainda brilhava forte no céu, concedendo às árvores um aspecto surreal. Seridath aproximou-se, parecendo interessado no relato do arauto. Balgata tentou manter o controle.
E os nossos homens? – inquiriu o capitão, evitando alimentar o assunto dos mortos. – Riderth e os outros, que escoltavam os camponeses?
Acho que foram levados para Arnoll. Eu ouvi eles comentando sobre um grande número de pessoas no calabouço. Falaram de um bando que era guiado por um sacerdote.
Culliach... – comentou o capitão.
Isso. Também penso assim. Parece que eles vão querer usar os homens para lutar se os mortos chegarem até aqui.
Me conte como ganhou essas feridas perguntou o capitão, embora fosse impossível dizer se ele ainda desconfiava da habilidade de sobrevivência do rapaz.
Eu os estava espreitando. Ouvi muita coisa mesmo, já que eles não imaginavam que eu estava por perto. Eram três e dois deles já estavam meio bêbados. Mas eu não previ que poderia haver um quarto, que tentou me pegar pelas costas. Nós brigamos, chamando a atenção dos outros. Lutei com todas as minhas forças e acho que matei um deles, o que estava mais bêbado. O bandido que me atacou primeiro era muito bom com sua adaga e conseguiu fazer em mim este corte aqui. Percebi que iria morrer. Ele nem estava lutando a sério, mas os outros dois partiram pra cima com suas espadas. Na confusão, consegui tomar distância e correr, mas fui na direção oposta à nossa. Um deles devia ter uma besta, mas só senti a fisgada do virote quando já estava longe. Tive que fazer uma volta enorme para retomar o caminho que vocês tomaram. Perdi as forças quando percebi que estava novamente na rota e acabei relaxando...
Acha que eles seguiram você?
Não creio. Na verdade, duvido que acreditem que eu esteja vivo. Se é que eles achavam que eu não era um zumbi.
E você faz idéia de quantos são? – inquiriu Seridath, evitando o olhar irritado de Balgata.
Não tenho certeza, mas acho que ouvi eles falando sobre isso, dizendo que era difícil manter uma cidadela do tamanho de Arnoll com pouco mais que sessenta homens.
Se tivéssemos mais homens, pelo menos mais vinte, não hesitaria em atacá-los – suspirou Balgata.

Creio que nós temos esses homens, capitão – respondeu Seridath, fitando Balgata com seu sorriso sombrio. – Talvez até mais.

Continua...

Um comentário:

  1. Mais um para acrescentar rsrs.
    Como estava meio perdida eu estou lendo dois a cada fim de semana,mas estou adorando ler e curiosa.
    Abraço.
    Tamires C.
    http://de-tudo-e-um-pouco.blogspot.com.br/

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