Seridath arregalou os olhos,
surpreso com a declaração do velho. Teria que aceitar
as suas condições se quisesse lutar. Deu um gole no
copo de cerveja e engasgou. Por fim, pigarreou e voltou a falar,
resignado:
– Velho,
me inscreva essa "força". O rapaz aqui ao lado
também irá participar. Ele é um excelente
arqueiro.
Seridath vira Aldreth usar seu
arco enquanto caçavam, durante a viagem a Dhar.
– Transmitirei
teus interesses aos meus superiores – respondeu o velho, com um
suspiro. – Estou ignorando o protocolo por tua causa... Amanhã
terás tua resposta. Se admitido, deverás passar pela
prova de habilidade. Será necessário conferir se
conheces as vozes de comando.
Dando a conversa por encerrada e
sem esperar a concordância de Seridath, Urso Pardo levantou-se.
Parecia cansado e saiu da taverna com um andar vagaroso, apoiado em
seu rústico bordão. Seridath dispensou Aldreth,
deixando com o garoto duas moedas de cobre, para que ele desse um
jeito de arranjar o jantar, mesmo com aquela quantia miserável.
Enquanto o cavaleiro se acomodava em seu cubículo, para mais
uma noite sob os cobertores, seu pajem enfrentava o clima outonal no
estábulo.
No dia seguinte, quando a noite
caía, Urso Pardo compareceu ao novo encontro, como prometido.
Dessa vez, não havia cerveja e Aldreth estava silencioso ao
lado de seu amo.
– E
então? – perguntou Seridath, enquanto o velho tomava seu
lugar na mesa.
– O
Conselho decidiu encerrar o recrutamento.
Seridath não escondeu sua
consternação.
– Não
entendo – disse. – Já falei que tenho experiência.
Não haverá necessidade de gastar tempo comigo em
treino. Apenas com o rapaz, e ele aprende rápido.
– Mas já
é muito para arriscarmos – advertiu o velho. – A situação
mudou. Recebemos hoje um mensageiro. Há rumores de ameaças
maiores, correm boatos de que Quiriath-Mon está sendo
reerguida. Deveremos partir o quanto antes.
– Vocês,
dessa "Companhia", sempre correndo atrás de rumores
e boatos! Pelo que eu sei, caro andarilho – Seridath fitou Urso
Pardo com raiva. – Essas histórias não passam de
lendas. Sei muito bem o que a palavra Quirite-Mon faz o populacho
daqui estremecer. Mas para mim, os Ascos podem nunca ter existido,
bem como Helena e seu Império de Gridsmar!
O velho andarilho ergueu os olhos
em censura na direção de Seridath, como se o jovem
cavaleiro tivesse proferido uma grande blasfêmia.
– Cautela,
rapaz, cautela! – advertiu em voz baixa. – Estamos longe do reino
de Renandart, mas mesmo aqui neste país os homens veneram
Helena como uma deusa!
– E alguns
também veneram os Ascos – rebateu Seridath.
– Por
pura loucura, meu jovem, ou imprudência. As forças da
Luz já provaram seu poder sobre as hordas das Trevas.
– Mas,
se os boatos sobre essas "hordas das Trevas" estiverem
certos, não serão burros para desperdiçar uma
espada que seja.
– Não
zombes de minha paciência, estrangeiro – o olhar antes
amigável do velho deu lugar a uma expressão implacável.
– Tua impertinente acidez me irrita. É loucura zombar de
quem carrega o Orgulho em seu nome. Lembra-te
disso.
Seridath calou-se, empertigado.
Olhou para ambos os lados. Nem mesmo ele conseguia entender o porquê
de tanta obstinação por fazer parte daquele grupo de
lunáticos.
– Olha, velho
– retornou o cavaleiro, inclinando-se levemente sobre a mesa –,
eu só quero um lugar no exército e um uniforme. Não
me importa se vocês querem andar na campina caçando
fantasmas ou o quê. Quero apenas lutar. Peço que ao
menos não me negue isso.
O andarilho inclinou o corpo para
trás, apertando mais as sobrancelhas, seu rosto cada vez mais
sério. Por fim ele suspirou.
– Tudo bem,
rapaz. Procurarei mais uma vez ir contra o protocolo e convencer os
membros do Conselho. Advirto contudo que não há como
contrariar o Grande Andarilho, Serpente Flamejante. Caso ele permita,
tu e teu pagem serão membros da Companhia, mas não
haverá espaço para essa tua altivez. Aceitarás o
mais humilde posto que o Conselho delegar-te.
– Quando
o exército partirá? – perguntou Seridath, como se já
fosse um empregado da Companhia.
– Em breve.
Estamos nos preparativos finais. Creio que no dia 19 estaremos
prontos, no mais tardar dia 20. Caso sejas admitido, é bom
estares pronto em nossos alojamentos antes da data.
Ao ouvir as últimas
palavras do andarilho, Seridath assentiu, taciturno. Era verdade que
o pagamento era escasso, mas o rapaz tinha toda certeza que aquele
iria ser dinheiro fácil. O negócio, afinal, teria que
valer a pena. Para todos os efeitos, ele era agora um dos guerreiros
da Companhia.
Ir para Aqueles que não morrem - parte I de IV.
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