No dia 20 de Auluman, no ano 823
da Era dos Reinos, de acordo com os registros da Companhia, um
destacamento de 284 almas partiu da cidade real de Sathal. Seridath e
seu servo, Aldreth, estavam entre esses homens. O Senhor de Dhar deu
o salvo-conduto para que uma força militar de natureza
particular pudesse cruzar seu território. Desse destacamento,
contavam-se cento e cinqüenta guerreiros, setenta e cinco
arqueiros, trinta artilheiros, todos anões, um andarilho, três
capitães e um arauto. Os restantes eram cozinheiros e
guiadores dos dez carros de bois, que levavam mantimentos e flechas
sobressalentes, além de lonas de barracas e outros
equipamentos necessários.
Seguiam pela estrada real rumo ao
norte. Os anões compunham a artilharia pesada. Conhecedores
antigos de feitiços próprios do seu povo, eram peritos
em explosivos. Sempre andavam com parafernálias que usavam
para fabricação de esferas que explodiam ao serem
lançadas. Para manterem o segredo, somente anões usavam
esses aparatos. Carregavam jarros escuros, cheios de um líquido
por eles criado que, ao ser misturado a outros ingredientes,
produziam esse poderoso explosivo. Naquelas terras, era senso comum
que procurar briga com um anão seria uma coisa pouco sensata
de se fazer.
A infantaria marchava em blocos de
vinte e cinco homens, perfilados e bem organizados, flanqueando os
carros com os suprimentos. Seridath marchava entre eles, um simples
soldado, coberto por uma cota de malha rude e uma túnica
branca feita de lã de péssima qualidade e infestada de
pulgas. A espada negra, Lorguth, pendia ao seu lado, embainhada,
coberta pelo largo escudo onde a insígnia da Companhia, uma
torre cinza encimada por uma chama de azul intenso, estava estampada.
O elmo de ferro era simples, aberto, tendo uma fina placa de metal
como proteção nasal. As
espadas dos outros soldados não eram mais compridas que a de
Seridath, embora nenhuma delas tivesse a aparência amaçadora
de Lorguth.
Havia
três capitães encabeçando a infantaria, embora
Seridath não se lembrasse sequer dos nomes deles. Como os
escudos tivessem retoques em cores vermelhas nas bordas, isso bastava
para identificá-los. Nenhum daqueles homens, nem mesmo o velho
Urso Pardo, tinha montaria. Os quatro cavalos que Seridath havia
conseguido na luta contra os bandidos foram todos vendidos em Sathal,
na véspera da partida.
Os
arqueiros ladeavam o exército, vinte e cinco em cada flanco,
estando divididos em grupos de cinco. Aldreth, apesar de seu
temperamento tímido, deu-se muito bem com os outros arqueiros.
Seridath, por sua vez, permanecia em seu isolamento arrogante. Evitou
conversas triviais entre os seus companheiros de armas e negou-se
participar de seus jogos de dados ou cartas. A marcha foi forçada,
estavam no meio do outono e chovia com certa freqüência, o
que dificultava o avanço do destacamento. Apesar das condições
adversas, seria errado afirmar que não foi uma viagem
agradável.
Dhar era um reino belo, com
vilarejos pitorescos. Era uma região de planícies
cercadas por montanhas aprazíveis e repleta de bosques
tranqüilos ladeando a estrada real. Tanto ao norte quanto oeste,
o terreno se tornava mais acidentado, com as colinas tornando-se
montanhas de vales profundos, porém largos e apinhados de
ricos vilarejos. A oeste, o terreno ficava cada vez mais montanhoso
até formar uma cordilheira que demarcava a fronteira entre
Dhar e Belgamon. No inverno, as montanhas agora cinzentas ficavam
brancas. A leste, a planície estendia-se, repleta de fazendas,
até uma extensa depressão pantanosa, onde começava
o reino alagado de Marzan. A região limítrofe ao
pântano delimitava os dois reinos.
Passavam por aldeias que recebiam
alegres os homens da Companhia. Os meninos eram sempre os primeiros a
encontrar o exército e voltavam correndo com a notícia.
As moças bonitas largavam seus afazeres à beira dos
rios ou fogões e corriam, juntando-se em bandos risonhos,
gracejando com os soldados. Se a noite já estava próxima,
Urso Pardo ordenava que as tendas fossem estendidas em alguma campina
adjacente às casas dos camponeses. Uma trupe de artistas e um
bando de mercadores haviam aproveitado a viagem do exército,
ganhando proteção de graça. Montavam então
uma pequena feira no centro da aldeia e à noite era certo que
haveria alegres apresentações e danças animadas.
Os soldados enchiam a única taverna do lugar, alguns já
gastando em bebida o soldo que não haviam sequer recebido.
O
exército seguiu assim durante seis dias. Almejavam chegar a
Arnoll, a última grande cidade do norte, ainda no décimo
dia. Mas, tendo vencido mais da metade do caminho, foram penetrando
em um território que parecia pertencer a outro mundo.
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