quarta-feira, outubro 09, 2013

Bem maior que o mundo

Cheguei em casa moído. O cansaço me envolvia como uma velha roupa. Meus olhos, desbotados, pousavam sobre um ponto qualquer da parede do quarto. Sentado em minha cama, eu era visitado pelas lembranças.

Fazia um ano que ele partira. Meu gigante, minha montanha negra, o senhor de todas as minhas palavras. Fazia um ano que eu não escutava a sua voz, grave e potente, dando conselhos quase nunca pedidos. Um ano sem olhar sua face austera, sempre grave, mas sempre tão cheia de amor. A face de um homem que não se envergonhava de chorar qual criança quando sensibilizado por alguma melodia. Homem sempre sério, mas que sabia sorrir nos momentos mais singelos, para a minha constante surpresa infantil.

Lembro-me da véspera de sua partida. Um dos últimos a vê-lo no hospital, ainda não conseguia assimilar a ideia que eu não o teria mais comigo. Não mais poderia receber suas lições de inglês, nunca mais seria testemunha de seu caminhar claudicante, fruto de toda uma vida de árduas andanças.

Então uma lembrança ainda mais antiga e intima me assaltou. Vou à escola e ele me acompanha, mesmo sem conseguir manter meu ritmo de impossível criança de cinco anos. Entre a ousadia e o temor, eu me adiantava, mas logo em sobressalto me virava para conferir se ele ainda estaria lá, observando à distância minha ousadia. E eu o avistava logo atrás, velando por mim, tão grande que parecia ser maior que o mundo.

E agora lá estava ele, o meu gigante, deitado em uma cama de hospital, perdido em meio a lençóis e travesseiros, tão frágil, mas ainda assim tão belo. Eu sabia que não o teria para sempre. Ainda assim, continuava mentindo para mim mesmo, silenciosamente repetindo "tá tudo bem, vai ficar tudo bem" enquanto conversava com ele, sem saber aquela seria a última vez que eu ouviria sua voz.

Tomei suas mãos nas minhas. Sim, parte de mim sabia que aquela era uma despedida. Talvez minha parte mais secreta. Segurando suas mãos, levei um susto. Eram enormes, muito maiores que as minhas. E então desejei ter mãos como aquelas, para que, ao olhar para elas, pudesse ver um pouco dele em mim.

E segurando aquelas enormes mãos, descobri que sempre estivera certo. Ele era mesmo um gigante. Um colosso. Mesmo frágil, enfraquecido, deitado naquela cama de hospital, ele ainda era maior que o mundo.

De volta ao meu quarto, um ano depois, percebi que realmente nunca mais poderia segurar aquelas mãos. Não mais poderia passear em suas lembranças, ou escutar seus conselhos. E as lágrimas correram soltas, livres, depois de um ano represadas.

Naquele momento, a parte de mim que nunca aceitou sua partida finalmente se encontrava com aquela outra parte, a mesma que sempre soube do poder das despedidas. E que elas nunca são definitivas. Nesses ecos do luto, descobri também que ele, meu gigante, havia crescido ainda mais. Não era apenas maior que o mundo. Ele era o mundo inteiro.

Em memória a Nestor Antônio Medina.

10 comentários:

  1. emocionante, desses que faz a gente chorar mesmo...

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  2. Olá.

    Nem preciso dizer que é lindo não é?
    Adorei o texto de hoje e nesta semana vou ver se acompanho os que postou aqui rsrs.

    Abraço.

    Tamires C.

    http://de-tudo-e-um-pouco.blogspot.com.br/

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    1. Obrigado, Tamires. Faz tempo que eu não acesso o seu blog...

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  3. Respostas
    1. Pois é, Norma. Ainda sinto tanta falta de meu gigante!

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  4. Amor, me emocionei com a saudade e o amor que seu texto expressa. Senti falta do seu avô mesmo sem tê-lo conhecido. Suas palavras tristes, sinceras, Bonias e verdadeiras tocaram o mau íntimo do meu coração que sabe o que é o amor pelos avós. Amei. Amei. Amei. Te amo.

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