quarta-feira, agosto 22, 2012

Concerto

Ele havia dormido pouco na noite anterior. Como tudo na vida, havia pouco tempo para o sono. E principalmente na véspera do concerto. 

Preocupado com os preparativos, ele conferiu seu equipamento básico: partitura, terno azul risca de giz, camisa preta, sapatos e meias também pretos. A gravata prateada com a lâmina de uma boa espada, foi o último item conferido. A camisa preta, precisava ser passada. Colocou uma trilha sonora para embalá-lo enquanto ele deixava que vapor e metal transformassem a superfície irregular.

A noite foi passada em maio à apreensão. Estava pronto, sabia disso. Foram quase três meses de trabalho árduo, ensaios sobre ensaios. A música foi nascendo aos poucos, primeiro como sons esparsos e desconexos que aos poucos foram cerzidos pela hábil mão do Maestro. Agora, depois de tantas horas, chegava o momento tão esperado, quando subiriam ao palco.

Todo concerto é como uma batalha. Ele sorriu ante o pensamento tão clichê, enquanto conferia mais uma vez o teto untado de penumbra. Podia ser clichê, mas era uma verdade. Em um concerto, assim como em uma batalha, perder a concentração pode custar todo o trabalho empregado. Assim, buscando ao máximo essa concentração, ele adormeceu.

Dia seguinte, árduo e atabalhoado, quase cotidiano. Ele sabe o que o espera no fim do dia e cada segundo é como um ensaio mínimo, enquanto sua mente repassa sequências de notas e palavras cantadas em alemão. Ao final do expediente, parte rumo ao teatro: sua arena. 

Ao chegar, encontra os demais cantores já prontos, assim como a Orquestra. Enquanto ele veste seu uniforme, seu coração batuca num andamento bem mais veloz que aquele que o Maestro certamente aplicará

Mais um ensaio ocorre antes do concerto. O ensaio de palco é vital, deve ser rápido como o golpe de um guerreiro. Quanto mais tempo passado em um ensaio de palco, mais cansado o coro e a orquestra ficam. Tudo ocorre bem e o Maestro indica que tanto o Coro quanto a Orquestra estão prontos. Então todos deixam o palco.

Momentos correm lentamente em tensão e expectativa. Enquanto isso, ele está tão concentrado que parece nem ouvir o que se passa ao redor. A orquestra já retornou ao palco, afinando os instrumentos. É a vez dele e de seus companheiros. É a vez do Coro revelar sua presença ao público.

Eles chegam ao palco em maio a aplausos lançados da escuridão. A luz sobre eles impede que possam ver quem os aplaude. Assim é melhor, pois o único a ser visto é o Maestro.

E com a dignidade que lhe é devida, o Maestro assume as rédeas da realidade. Durante quase meia hora ninguém pensa, apenas sente. O silêncio toma conta do recinto. Naquela escuridão, todos são árvores, preocupados apenas na fruição descompromissada daquele momento. O tempo se expande e contrai, assume outras proporções. Enquanto as notas musicais adejam o espaço, palavras aladas, pedaços de sonho.

No momento em que o Maestro faz o último movimento e fecha as mãos num gesto poderoso, todos no teatro prendem a respiração. Num instante, o fôlego de todos está nas mãos de um único homem. É quando o Maestro abaixa os braços e todos sentem a tensão desaparecer, enquanto o público toma fôlego e explode em palmas entusiasmadas.

Então um pensamento atravessa a mente daquele corista, enquanto ele sente seus ombros relaxarem. Não haveria outro lugar onde desejaria estar.

4 comentários:

  1. Oi Nerito!

    Adorei, dá para imaginar toda a cena. Parabéns!

    Beijos!

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  2. Lourdinha Viana10:09 PM

    "Não haveria outro lugar onde desejaria estar".É essa mesma a sensação. Parabéns pelo canto e pelo texto.

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  3. Muito bom! Gosto muito dessas narrativas psicológicas. Tava lendo um livro sobre atividades físicas que dizia que o ser humano, desde os primórdios, se estressa porque, diante do perigo, libera energia demais, para ajudá-lo a lutar ou a correr. Antes, as batalhas eram com grandes animais selvagens, hoje, também contra tantas outras selvagerias, por exemplo, o olhar do outro, seus pensamentos a nosso respeito, os julgamentos que as pessoas fazem de nossos atos, de nossas competências e essas coisas todas.
    Teu personagem usa a energia para luta, mas sofre tanto!
    Que vida estranham, essa. Lutar, ou correr, lutar ou correr e , na maioria das vezes, sofrer.
    Eu juro que eu não queria rimar. rs

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  4. É, Si, as coisas são assim, as diversas labutas da vida que, geralmente não rimam!

    Continuamos gastando energia demais em físico de menos. A força fica acumulada em tensão. Vira sofrimento!

    Juro que não queria soar como auto-ajuda! rs

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