segunda-feira, junho 18, 2012

A Galinha


Tudo começou numa cidadezinha bem pequena, onde os frangos não eram vendidos congelados no açougue (mas vivos!) e os ovos não eram encontrados nas cartelas de papelão do supermercado. Aliás, nem supermercado havia nessa cidade.
Ovos eram vendidos em galinheiros fedorentos, onde galinhas brancas e silenciosas comiam e botavam. Algumas também chocavam pintinhos bem amarelos que logo viravam franguinhos e franguinhas brancos. As franguinhas eram destinadas à produção de ovos, fechando o interminável ciclo de exploração. Já os franguinhos tinham um destino bem pior: a panela.
Naquele dia o Menino havia ido ao galinheiro com o dinheiro contado para comprar o frango do almoço. Ele foi atendido por uma mulher esquálida, com um avental contendo um bolso dianteiro, de onde retirava maquinalmente maços de notas e as contava e recontava. Sem olhar para o Menino, disse o preço e esperou que o cliente escolhesse o frango que iria levar.
Com ares de especialista, ele olhou, examinou, ponderou. Até que bateu os olhos em uma galinha já velha, meio capenga, que não botava mais ovos e por isso tinha sido “rebaixada” de posto. O Menino viu aquela galinha no meio de tantos frangos e compreendeu. Sem pensar duas vezes, pediu para levá-la e deixou seu dinheiro com a mulher esquálida.
Ao chegar em casa, o Menino levou uma bronca. A Mãe tinha mandado comprar frango novo e não galinha velha! O Menino fez que nem era com ele. Disse que a galinha não iria para a panela. Ela era da família agora e ponto final. Naquele dia, por causa de tanta teimosia, todos comeram ovo, frito ou cozido. A nova integrante da família foi batizada de Camila.
O Menino e Camila passavam muito tempo um com o outro. Às vezes, depois do almoço, ela chegava a entrar casa adentro, sempre silenciosa, em busca do seu salvador. O Menino ficava feliz ao ser procurado e pegava sua amiga no colo. Passava horas conversando com ela, que retribuía as palavras de afeto com seu habitual silêncio, mas com um olhar tão profundo que quase parecia carinhoso.
Seria legal dizer que essa história nunca acabou, mas todos sabemos que tudo acaba. Camila um dia não foi vista no quintal. O Menino procurou sem descanso por dias a fio, sem descobrir o que fora feito da galinha. Andou pelas ruas de terra, inquiriu vizinhos, chorou e até pediu a Deus que lhe devolvesse a amiga. Ainda assim, em seu peito sabia. Camila havia partido e não voltaria mais.


Conto produzido durante a oficina Clarice para crianças, realizada por Simone Teodoro.

2 comentários:

  1. Eu tinha uma gata que se chamava Camila... Acho que é assim: a gente vai melhorando na escrita quando começa a olhar mais para os bichos e para os homens e mulheres....

    ResponderExcluir
  2. É, Si, valeu... A escrita me ensinou muito a prestar mais atenção ao redor.

    ResponderExcluir