O ouvido colado ao fone aguarda na linha enquanto escuta apenas uma melodia inútil. A mudez e o descaso se escondem por trás de uma acordes musicais solapados. Vozes mecânicas repetem mentiras, enquanto o tempo se esvai, medido pelo compasso dessa melodia cíclica, ou pela soma de tudo que poderia ser feito durante o tempo perdido nessa enganosa chamada.
A tecnologia parece zombar de nós, interrompendo o contato sem qualquer aviso. Nosso problema não é novo; nunca o é. De fato, essa tecnologia existe para solucionar problemas que nos inquietam desde a fundação do mundo.
Quando uma voz atende do outro lado da linha, é impessoal e fria, quase eletrônica. Nosso problema é coletado por uma voz sem rosto, que ostenta ares de incredulidade. "Não, dona, não estou falando de Saci-pererê ou da Mula-sem-cabeça..."
O cliente se torna então o problema em si, um inimigo da normalidade, do bom desempenho do sistema, da imagem de eficiência da Empresa. Ele recebe um número, é agraciado com um protocolo e advertido quanto ao perigo de suas palavras com a ironia de que tudo o que ele falar será gravado "para sua segurança". Ele sabe que sua paciência será testada, assim como sua resistência, mental e física. O corpo ficará desconfortavelmente imóvel, enquanto a mente estará sujeita a diversos mantras, sejam eles eletrônicos ou não. Deverá repetir o número do protocolo tantas vezes que será capaz de decorá-lo. A cada novo atendente, deverá repetir suas informações pessoais a ponto de duvidar de si mesmo. Afinal, uma pessoa real não precisaria convencer tantas outras da relevância de seus problemas.
Seria venturoso dizer que como recompensa por sua persistência o cliente alcançaria êxito, veria seu problema solucionado. Seria também uma mentira. A tirania da tecnologia não prevê vencedores; apenas escravos. Cada efêmera vitória será apenas o prenúncio de uma nova, labiríntica e cansativa cruzada.
Sabe aquela história perdida, que pode estar no livro guardado na estante mais escondida da Biblioteca, ou da locadora de vídeo, da plataforma de "streaming", ou até mesmo numa página obscura da Internet; aquela história que, quando você a conhecer, fará toda a diferença em sua vida? Enquanto não chega o dia de encontrá-la, espero poder guardá-la para você.
Nerito, posso perguntar uma coisa? Como vc fez pra õ seu conto participar da seleção para a publicação no livro?
ResponderExcluirOi Fefa, foi bem tranquilo. Eu fiquei sabendo pelo site da editora que havia várias coletâneas aguardando textos a serem enviados. Preenchi o formulário e o texto foi selecionado. Foi bem simples. Abraço!
ResponderExcluirem tempos antigos, os ritos de passagem e/ou desafios para provar que eram fortes envolviam subir montanhas, ficar dias sozinhos na selva, domar um animal selvagem, encontrar seu eu interior. Hoje, é simplesmente nao perder a paciência em uma ligação de telemarketing. Tempos modernos.
ResponderExcluirVerdade, Dora. E não adianta esbravejar com uma pessoa que está a quilômetros de distância, uma pessoa que faz parte apenas de uma ínfima parcela do sistema inteiro...
ResponderExcluir