segunda-feira, maio 21, 2012

A Grande Chuva – Parte Final


Ainda pela manhã, fiz uma breve visita à estranha firma Cerqueira César. Fui atendido por uma secretária irritadiça, que me levou a Walter Cerqueira César, o mais velho de dois irmãos. A moça nos deixou a sós, sem abster-se de lançar-me um estranho olhar de medo.
– Bom dia, senhor Firenze  – saudou-me o advogado.
– Bom dia. Creio que o senhor conheça meu irmão Alberto.
– E o que faz o senhor pensar assim? – O homem lançou-me um olhar apreensivo.
– Encontrei um de seus cartões entre os pertences de meu irmão. O incidente passaria despercebido se não fosse a descrição do variado ramo em que esta firma atua. Meu irmão está desaparecido justamente por seu louco interesse em assuntos ligados ao ocultismo.
– Bem, somos conhecedores de certos mistérios, senhor Firenze. – O velho Cerqueria remexeu-se, inquieto, em sua cadeira. – E não deixamos de usar esse conhecimento. Mas o caso do seu irmão...
– O sonho – atalhei.
– Sim, o sonho... – Cerqueira parecia cada vez mais desconfortável. – Não era caso que poderíamos assumir. Somos médiuns, mas não feiticeiros, meu irmão e eu; apenas iniciados. Resolvemos pequenos problemas, espíritos familiares, removemos maldições e expulsamos demônios menores. O caso do seu irmão, porém, tratava-se de um conhecimento antigo demais...
De repente, Walter Cerqueira César ficou rígido, enquanto suas feições se tornavam cada vez mais vermelhas e suas mãos se crispavam, agarrando os braços da cadeira. Ele apertou os olhos com força e, ao abri-los, estavam amarelados e diabólicos.
– Oiê, eu achei você! – disse ele, com um acentuado ar infantil na voz. – Seu irmão bobão parou de brincar. Mas agora você é meu. Meu. Vou te buscar. Vou sim. Estou te esperando hoje, no mesmo lugar!
E Walter Cerqueira César soltou um berro medonho, hediondo, simulacro de uivo, enquanto tombava ao chão. Permaneceu imóvel e, quando o socorro médico chegou, nada puderam fazer para salvá-lo. O diagnóstico posterior foi infarto fulminante.
Não consegui encontrar o outro irmão, Benjamim. Nem ao menos a secretária quis aproximar-se de mim, como se algo maligno estivesse agarrado aos meus ombros. Deixei o escritório, abrindo caminho entre a multidão curiosa. Voltei para casa abalado. Pela primeira vez, um homem havia morrido na minha frente. Pela primeira vez, via fora do sonho aqueles olhos amarelados. 
Ainda estava com aquela imagem quando me deitei. O sonho me visitou logo que peguei no sono: a mesma ladeira íngreme, a mesma esquina. Ao dobrá-la, percebi que algo não ia bem. O menino não estava de costas. Ele me fitava. E sorria. Senti algo como o terror sacudir meu espírito e virei-me, descendo em correria a ladeira. Pela primeira vez o sonho tomava outro rumo. Corri como um louco. Afinal ele havia cumprido o que prometera. Ele me aguardava.
Fui arrancado do sonho por meu próprio berro de terror. Percebi que estava de volta ao meu quarto. Não estava, entretanto, tranquilo. Afinal, eu teria que dormir de novo. Teria que encontrar o meu destino. E o menino estaria lá.
É por isso, doutor, que permaneço aqui, entre estas paredes acolchoadas. É por isso que eu não devo dormir, doutor. Por favor, não posso dormir. Preciso, preciso muito de algo para afastar o sono. Pois ele está lá, no barulho da chuva estalando no telhado. Ele está em cada dobra do escuro, doutor. E ele me espera. Eu sei.


Este conto foi produzido com o inestimável auxílio do grande Amigo e Mestre  Sérgio Fantini, durante a oficina de produção literária por ele ministrada.

7 comentários:

  1. menino.. eu tenho medo do escuro! Ficarei com mais medo de dormir agora... =/

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  2. só pra esclarecer: os primeiros posts, eu ME acho engraçada. Não vá com muitas expectativas ;).

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  3. Oi Dora, não se preocupe, você não disse que precisava de tempo pra terminar sua dissertação? :p

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  4. Que bom, Fefa! E obrigado pelos elogios, viu? rs Abraço!

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  5. Oficina literárias não são ótimas? Meu caro amigo, seu conto foi espetacular, curto, mas espetacular! Você deveria trabalhar mais vezes no ramo do suspense, sabia?
    Beijos,
    Tyr.

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  6. Oi Tyr, tenho que concordar com você. Adoro as oficinas literárias, que me despertam muitas ideias e me forçam a escrever sob demanda. Tem gente que não gosta dessa demanda, dessa pressão, mas eu gosto, pois me vejo produzindo e ainda me divirto!

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