segunda-feira, abril 16, 2012

O Sapinho


Foi por acaso que me dei conta de que ele estava ali, fitando-me com aqueles olhinhos pretos e redondos. Ergui a cabeça. "Que lagartixa engraçada", pensei, "parece aleijada". De fato era como se fosse meia-lagartixa. Pele verde-clara quase transparente, mostrando o aparelho digestivo, patinhas dianteiras estendidas para frente, sempre exploradoras, patinhas traseiras bem recolhidinhas, como se nem existissem. Sem cauda nenhuma. Uma lagartixinha bem estranha. Mas segundos depois concluí que não era nada disso. Era um sapo, bem pequenino, grudado à parede do banheiro, perto do teto. Achei-o engraçadinho logo de início. Ele também me olhava, estudava este gigante com igual atenção. Fiquei ali, à mercê daquele olhar que misturava inocência, inconsciência mas também algo misterioso que eu não podia explicar. Era como se houvesse uma comunicação silenciosa e ancestral entre nós. Como se ele já soubesse quem eu era, como se estivesse lá para me encontrar. Intrigado, quase esqueci de escovar os dentes. 
Durante várias noites foi assim, com esses encontros pitorescos ocorrendo com maior freqüência. Eu escovando os dentes, meus olhos passeando por sobre o armário do banheiro, perscrutando, encontrando meu estranho hóspede. Ficava me perguntando: De onde viera? Seria do ralo do esgoto? E porque decidira ficar? O que o ligava à minha casa? Ou melhor, ao meu banheiro? Idéias loucas começaram a surgir. Talvez fosse um alienígena buscando uma forma melhor do que a de um sapo, um corpo melhor. Só poderia ser um alienígena, para parecer tão inteligente e sensível. Estava esperando um momento de distração minha para se lançar sobre minha cabeça e implantar seus ovos subversores que me tornariam em habitação para esse ser. Eu então escovava os dentes com rapidez, temendo um ataque surpresa. 
Com os dias passando, já que o suposto alien não tentava nenhuma abordagem, abandonei essa suposição. Passei a olhá-lo com maior simpatia. Certa noite sofri ao pensar que o teria machucado quando fui levantar a tampa do vaso. Mas meu amigo, esperto, previu o acidente e esquivou-se a tempo. Eu estava feliz, tinha um colega de banheiro. Não desperdiçava palavras com ele, somente essa comunicação silenciosa que alguns seres vivos ainda mantêm entre si. Estava quase completo, observado, importava-me saber se o sapinho estava lá. E sentia que ele também se importava. 
Até que, uma noite, dei falta de meu amigo. Onde estaria? Procurei-o ligeiramente com meus olhos, sem encontrá-lo. Na manhã seguinte, enquanto me arrumava em frente ao espelho do banheiro, uma mancha cinza sob a pia chamou minha atenção. Era escura, amassada, e tinha dois olhinhos bem pretos e redondos. Olhinhos já sem vida. Alguém de minha casa havia esmagado o sapinho. O meu sapinho. 
Amargurado, encenei um pequeno funeral, onde eu empurrei com a ponta do pé meu finado companheiro, como que dizendo Adeus. 

5 comentários:

  1. rsrsrsrs Poxa, isso me lembra todas às vezes que vou para o sítio de meu avô. Lá sempre tenho companhia de sapinhos, sapinhas, rãs e tantas coisas mais! Meu filho é que apronta o maior escândalo quando precisa tomar banho e lá se encontram esses seres que adoram pregar peças e sustos, afinal... Não dá para conter o grito quando estamos com o corpo quente e eles pulam alegres para nos abraçar ;)

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  2. Oi CMachado, não li Versos Satânicos. Tenho uma grande amiga que já leu e adorou. Prometo que vou dar uma conferida e falo o que achei!

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  3. Uma das coisas mais encantadoras da vida é saber se surpreender e inventar.Que nem criança. Não era um sapo, era um alien. Ou não,era um amigo.Quem matou o coitadinho, viu só o sapo. Texto mais gostoso.

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  4. Fiquei na expectativa de q a qqr momento vc o beijasse, ou ela, e se tornasse um principe, ou uma princesa, quem sabe?... mas nao, era apenas um sapinho mesmo: nem alien, nem principe...Bju!

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  5. CMachado,
    É pura verdade quando digo que eles/elas pulam alegres para nos abraçar! Ao menos é assim que os vejo, pois se não fosse na atenção da alegria de uma amizade ou na Sapequice de amigos que adoram dar sustos, acho que esses pequenos seres pulariam para longe da gente ;)

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