Em um bonde estranho, num itinerário sombrio e revelador, Kain descobre alguns segredos sobre a Cidade Suspensa. Diante de um curioso companheiro de viagem, teme dizer mais do que deveria...
O viajante virou-se para Salomão, a fim de dar qualquer resposta, tentar inventar alguma coisa e desviar a atenção de seu companheiro, mas viu que o rapaz dormia, recostado ao vidro sujo. Fazendo um muxoxo, Kain cruzou os braços e relaxou os ombros, enquanto fechava os olhos, buscando o auxílio do sono. O bonde de repente rangeu de forma assustadora e deu um solavanco, quase lançando Kain de seu assento.
Os primeiros raios de sol venceram as silhuetas dos prédios e atravessaram o vidro fosco das janelas do bonde. A Cidade Suspensa destacou-se, ainda mais escura ante os raios dourados e o céu azul. O solavanco violento parou e Kain constatou que estava tudo bem, seu aparente cochilo se arrastara pelas horas da noite. Salomão, seu companheiro de viagem, continuava adormecido.
O bonde fez sua primeira parada e Kain desembarcou. Enquanto o viajante observava a fachada de pedra do prédio à sua frente, o bonde retomava o movimento, em seu tortuoso caminho por trilhos que surgiam e desapareciam logo em seguida.
O prédio era gigantesco, destacando-se das demais construções. Era uma estrutura cilíndrica que subia vertiginosamente, dando a impressão de uma altura infindável. Acima do portão, como se dominasse toda a fachada, Kain reconheceu a insígnia que estava gravada na medalha que recebera de Scarlate. Então aquele rapaz, Salomão, estava realmente certo. Aquele símbolo representava a Biblioteca.
Ao aproximar-se do portão, Kain avistou um homem muito alto, vestido de um uniforme cinzento e carregando um bastão. Era o porteiro, que estendeu a mão em sinal proibitivo para o viajante. Kain estacou e retirou a medalha do bolso do capote. O homem, sem dizer uma palavra, olhou com interesse para Kain. Em seguida, tocou com seu bastão onde os dois lados do enorme portão se encontravam. Com um rangido, a entrada abriu-se para Kain, que distinguiu apenas um caminho reto a perder de vista.
Sem vacilar, o viajante penetrou na Biblioteca. O portão se fechou logo às suas costas. Candeias iluminavam o caminho de forma parca. Kain continuou a seguir em linha reta por algum tempo, até que chegou a uma outra porta, bem menor e feita de madeira. Um velho vestido de uma longa túnica e com a cabeça coberta por um capuz cumprimentou-o com uma reverência, para em seguida empurrar a porta de madeira, abrindo o par da direita. Kain seguiu aquele que, ao que parecia, seria seu guia na visita à Biblioteca.
Além da porta de madeira, o ambiente era outro. Estantes dispunham-se de forma aleatória, todas abarrotadas de livros de todos os tipos e datas. Sujeitos vestidos de longas túnicas passeavam silenciosamente entre as estantes, lendo e meditando nos livros que carregavam. Alguns deles murmuravam entre si as impressões de suas leituras. O guia de Kain levou-o entre as estantes e os murmuradores até uma outra porta, que dava em um segundo corredor em linha reta. No fim do corredor, mais uma sala, com estantes e murmuradores. O viajante percebeu que em cada sala a disposição aleatória dos móveis sugeria a complexidade de um labirinto.
Kain e seu guia seguiram por mais diversas salas e corredores, de modo que o viajante já não sabia se orientar naquele ambiente. Chegaram por fim em um outro portão, guardado por outro guia. Acima, havia uma plaqueta de madeira onde estava escrito "Bibliotecário" logo abaixo da insígnia da Biblioteca. Kain em segundos estaria diante do homem que dominava toda aquela estrutura. Sua jornada se aproximava de um momento crucial.