Há muitos anos vinha desejando ler Um defeito de cor, obra épica de Ana Maria Gonçalves. Adiei por tempo demais. Até que o destino nos colocou juntos: fui escalado para mediar uma mesa com a Ana Maria e com Marcelino Feire no terceiro FLI-BH.
Assim, o desafio de ler essa obra de centenas de páginas era algo do qual não poderia mais fugir. Afinal, essa é a obra de referência da autora e o motivo de sua escolha para a mesa com o tema que unia a vivência e a escrita.
Foi com essas questões em mente que dei início à leitura de Um defeito de cor. E o que a princípio seria uma leitura técnica se tornou um percurso selvagem e apaixonado, através da voz de uma africana, chamada Kehinde, que confidencia em uma longa carta sua vida, suas escolhas e lutas.
De fato, Kehinde é, antes de tudo, uma lutadora. Vítima e testemunha de uma abjeta violência ainda em sua terra natal, a ainda menina vai desenhando aos olhos dos leitores suas experiências com uma grande carga de inocência. Mesmo quando, mais tarde, ela e a irmã são sequestradas e levadas como escravas, a menina mantém essa pureza que a faz forte, capaz de superar as violências.
A partir do percurso feito para atravessar o Atlântico, tem início o que eu considerei a parte mais difícil do livro. Ter consciência quase gráfica das violações suportadas pelos africanos escravizados é algo diante do qual é impossível ficar indiferente. O sofrimento é visceral, implacável, repleto de crueza, não poupando idosos ou crianças. Na travessia, todas as dignidades foram estupradas das pessoas e, para mim, é impossível não pensar em reparação.
O enredo prossegue, assim como as violências, já em solo colonial. A narrativa, porém, assume um pouco mais de leveza, a partir da inteligência e tenacidade de Kehinde, que busca assumir o leme da própria vida, mesmo em condições tão adversas. A resistência e inventividade de Kehinde por vezes lhe garantem consequências desastrosas.
Outro ponto a se destacar na narrativa é a profunda curiosidade espiritual de Kehinde. Ela tem memórias de ritos e cultos realizados em África e na medida que pode, vai expandindo seu conhecimento na tradição de seus antepassados.
É preciso destacar que o livro de Ana Maria Gonçalves busca em fatos históricos ancorar sua narrativa. Sendo assim, somos apresentados a personagens e acontecimentos que marcaram a história da Bahia do século XIX, bem como de outros lugares, como a Costa de Mina, na África.
É importante destacar também que a vida de Kehinde, nomeada no Brasil como Luísa Gama, se entrelaça à vida de uma pessoa fundamental para o movimento abolicionista. Fazer tal descoberta, enquanto lia o prefácio, trouxe-me lágrimas aos olhos.
Com uma narrativa densa, mas nem um pouco enfadonha, repleta pelo esmero em detalhes históricos e na profundidade de suas personagens, Um defeito de cor é um épico imperdível para quem quer conhecer mais sobre sua história e seu povo.
Ficha Técnica
ISBN-13: 9788501071750
ISBN-10: 8501071757
Ano: 2006
Páginas: 952
Idioma: português
Editora: Record
ISBN-10: 8501071757
Ano: 2006
Páginas: 952
Idioma: português
Editora: Record
Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/um-defeito-de-cor-2192ed2906.html
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