sexta-feira, março 26, 2021

Sob o caminho uma rajada de ventos - Um olhar da quebrada para o mundo


A quebrada é um lugar muito em voga hoje em dia. Afinal, várias pessoas estão surgindo da periferia com suas vozes, suas identidades, suas percepções do mundo e, principalmente, suas histórias. Da quebrada surgem discursos da chamada "literatura marginal", contrapondo-se contra discursos dominantes, conservadores e homogeneizantes.

Karine Bassi é uma dessas vozes que emergem da quebrada. Uma autora jovem que assume em si a realidade do termo "escrevivência", onde uma voz encarna não uma idinvidualidade, mas uma identidade coletiva, muitas vezes silenciada. Como escritora, editora e agitadora cultural, Karine Bassi tem um percurso já longo. Agora, ela se lança com muita propriedade na publicação de seu primeiro romance, Sob o caminho uma rajada de ventos.

A narrativa fala de Sofia, uma jovem universitária que mora sozinha em uma periferia de Belo Horizonte. Escrito em primeira pessoa, o texto apresenta os receios, as esperanças e principalmente as estratégias de sobrevivência da jovem, enquanto ela discorre de suas esperanças, seus receios e amores. Há um tom de denúncia no texto, embora o mesmo não seja carregado ou revoltoso. Sofia tem um discurso equilibrado, calmo, apesar de toda a luta e sufoco que ela passa.

Poético, consciente e fluido na leitura, o romance de Karine Bassi nos envolve até o final. Um livro que se propõe aberto, apresentando um percurso difícil, mas não trágico. A história de uma mulher negra que luta, se revolta, mas não desiste e encontra beleza na sua quebrada. Ela não se conforma, continua lutando, mas não assume o discurso de superação que a sociedade branca e conservadora adora utilizar.


Ficha Técnica:

Sob o caminho uma rajada de ventos

Karine Bassi

ISBN-13: 9786586656077

ISBN-10: 6586656079

Ano: 2020 

Páginas: 160

Idioma: português

Editora: Venas Abiertas


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/sob-o-caminho-uma-rajada-de-ventos-11855495ed11854221.html

quarta-feira, março 24, 2021

Vídeo: A Cidade Suspensa - Capítulo III



Olá a todas as pessoas que estão acompanhando os vídeos do meu livro A Cidade Suspensa. Compartilho nesta quarta o vídeo da leitura do terceiro capítulo.


Até a semana que vem!

O precioso tesouro do príncipe encantado

Imagem de Andreas Fiedler por Pixabay

Como todo dia, o jovem e belo Príncipe acordou cedo. Vestiu sua armadura, colocou a capa e cingiu a espada. Montou em seu cavalo branco e cavalgou através do portão do castelo.

Atravessou campos verdejantes.

Subiu e desceu escarpas assustadoras.

Singrou desertos escaldantes.

Refrescou-se em oásis deslumbrantes.

Matou três dragões medonhos.

Salvou uma ou duas princesas lindíssimas. A primeira, adormecida. A segunda, presa em uma torre que ele escalou. Deixou cada uma delas em seus reinos de origem. Elas se despediram com suspiros e promessas de beijos.

Retornou pelos desertos, escarpas e campos.

Chegou, coberto de poeira e fuligem do fogo dos dragões, ao seu castelo. Adentrou os portões. Subiu as escadas da torre mais alta de seu castelo. 

O dia findava. O príncipe sentia um profundo alívio. A melhor parte do dia estava para chegar.

Entrou no único cômodo da torre mais alta do seu castelo. Trancou a porta. Retirou a capa, pendurou a espada e deixou a armadura num canto. Foi até a o parapeito da única janela. Pousou o cotovelo no parapeito e descansou o queixo, enquanto contemplava o belíssimo pôr-do-sol.

Para enfim, tranquilamente, tirar ouro do nariz.

terça-feira, março 23, 2021

Suka - Para Suzanna Medina Dias


Desde bem pequenina

Ela já era uma fortaleza

Com sua voz de menina

Esbanjava plena certeza.


Senhora, soberana rainha

Seu nome já proclamava

Quem diria, minha maninha

Um grande futuro aguardava


E fui testemunhando

A força dela crescer

Suzanna, desabrochando,

Mostrou que nasceu pra vencer!


Feliz aniversário, minha maninha. Amo você!


segunda-feira, março 22, 2021

Um sábado de poesia, memórias e saudades


No último sábado, dia 20 de março, estive em uma laive no perfil do Instagram do Sesc Palladium. Foi um momento muito agradável e descontraído. Dividi o espaço com pessoas especiais, como a Mariana (https://instagram.com/perolasdenana), uma artista-mirim cativante. Também conheci o Jorge (https://instagram.com/oprogramadojorge), um fantoche super engraçado e a palhaça (https://instagram.com/jacubira).

O tema do encontro foi o dia da poesia, comemorado em 21 de março. Já o dia do contador de histórias era naquele mesmo sábado, 20 de março. Recitei o poema "Tombo", da amiga e mestra Norma de Souza Lopes


Depois desse encontro virtual tão bacana, segui para o outro encontro. Esse era mais sério, embora igualmente proveitoso. Foi nossa laive de homenagem ao companheiro de histórias, Márcio Rodrigues, recentemente falecido. Fizemos uma transmissão ao vivo, onde trocamos histórias e lembranças de nosso amigo. Como ele era um grande contador de causos e piadas, as lembranças trouxeram saudosos sorrisos aos nossos lábios.

Deixo aqui registrado meu agradecimento à equipe do Sesc Palladium, em especial à Vivi e à Gizele. E agradeço também ao grupo de Contadoras de Histórias da Biblioteca Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, à Beatriz Myrrha e ao Rodrigo Teixeira.

Quem quiser conferir minha conversa no programa #Tem Todo Sábado, pode acessar o link aqui (https://www.instagram.com/tv/CMprGyNFHew/?igshid=cmuvq6gfdj22

O encontro em homenagem ao Márcio pode ser conferido abaixo:




sexta-feira, março 19, 2021

As lendas de Dandara - Uma heroína nas bordas da História



Dandara é uma figura misteriosa. Descrita como a companheira de Zumbi dos Palmares, pouco se sabe dela. A partir dessa escassez de informações, a escritora e cordelista Jarid Arraes resolveu cercar a heroína de magia e dar-lhe o caráter épico que ela merece. Assim, nascem As lendas de Dandara.

Com um ar mítico, a narrativa nos leva pela vida de Dandara, desde seu nascimento até sua "morte", ou melhor, seu retorno à essência divina. A protagonista desse romance juvenil é uma mulher determinada, destemida e cercada de um poder transcendente. Dandara é uma figura de muita força e com um talento nato para a guerra.

Ao ler a obra de Jarid Arraes, encontrei elementos muito interessantes. O primeiro é a origem de Dandara. Filha de Iansã, Dandara foi concebida pela iabá* como enviada para a libertação do povo negro, que se encontrava escravizado. Assim, a personalidade de Dandara foi sempre a de guerreira, de mulher questionadora e inventiva. A ausência da figura masculina na concepção de Dandara é emblemática, pois assim ela se coloca como uma figura divina, da encarnação da vontade de Iansã, da personalidade guerreira da poderosa iabá.

É importante destacar que a narrativa não assume uma perspectiva histórica. Apesar de haver um elemento biográfico, marcado por fatos históricos (afinal, é a vida de uma pessoa histórica), a autora e narradora faz questão de construir uma trama épica, com heroísmo e fantasia. Um dos pontos de destaque nessa construção está na própria personalidade de Dandara, como uma enviada divina, com a missão de liderar o povo negro na luta contra os escravocratas e na proteção do poderoso quilombo de Palmares.

Outro elemento que me chamou atenção foi como Dandara foge aos padrões físicos que cercam o imaginário contemporâneo. No lugar de uma figura esguia e esbelta, temos uma mulher de quadris largos e membros grossos. Uma mulher que no seu corpo também desconstrói os padrões dominantes.

Não posso deixar de comentar também que há uma pitada de romantismo no livro. Apesar de coadjuvante, Zumbi dos Palmares recebe algum destaque, principalmente em suas conversas com Dandara, nos encontros amorosos dos dois e na exigência da guerreira pelo merecido reconhecimento de suas capacidades como líder do exército de Palmares.

Com muita ação e heroísmo, apresentando uma Dandara que, embora divina, também não deixa de ser humana, As lendas de Dandara aparece como uma obra seminal, importante para a construção de um outro imaginário, com a importante mensagem de que um outro mundo é possível. E que uma outra História também precisa ser contada.

* Feminino de orixá.


Ficha Técnica:

As lendas de Dandara

Jarid Arraes

ISBN-13: 9788529301945

ISBN-10: 8529301943

Ano: 2016 

Páginas: 128

Idioma: português

Editora: Editora de Cultura


Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/as-lendas-de-dandara-517636ed639273.html

quinta-feira, março 18, 2021

Live ao vivo no Instagram do Sesc Palladium

Neste próximo sábado, dia 20 de março, estarei no perfil do Instagram do Sesc Palladium para falar de Literatura. Vem comigo?



Dia Mundial da Poesia, com Samuel Medina

📍Data: 20 de março

📍Horário: 15h

📍Transmissão ao vivo aqui pelo Instagram: @sesc.palladium


quarta-feira, março 17, 2021

Vídeo: A Cidade Suspensa - Capítulo II

 


Olá a todas as pessoas que visitam este humilde espaço literário. Compartilho nesta quarta o vídeo da leitura do segundo capítulo do meu livro A Cidade Suspensa.

Até a semana que vem!

Um encontro com o Capeta do Vilarinho


Era um rapaz muito bonito. Seu cabelo crespo era bem curtinho, cortado à máquina. Sua pele negra tinha uma textura fascinante. Ele tinha uma voz ainda em transição, que variava do barítono ao tenor. Tinha um porte físico já proeminente. Um pouco baixo para a idade, reconheço. Mesmo com 15 anos, tinha a minha altura, embora eu fosse 3 anos mais novo.

Naquela noite, ele tinha uma confissão a fazer. Estava no baile em que o Capeta do Vilarinho apareceu. 

Contou que todo mundo parou de dançar quando ele chegou. Ninguém desconfiava que era um ser sobrenatural, é claro, mas atraiu os olhares com sua presença marcante. Até a música parecia ter parado. Ele foi para o centro da pista e começou a dançar.

Ninguém dançou o break como ele. Alguns, mais ousados, arriscaram acompanhar, mas logo desistiram, diante das manobras que ele fazia. O povo tinha voltado a dançar, tentando se distrair, mas logo tiveram que parar, fascinados com o movimento.

Em instantes, a roda estava formada. Todo mundo batia palmas. Era uma festa maior que a festa. Parecia que agora o baile tinha realmente começado. Ele dançou de tudo o que tocava. Mulheres e homens o desejavam. Queriam ser como ele, ser dele.

Nisso, a música parou por uns segundos. Era meia-noite. O dançarino sem querer deixou o boné cair. Ele se abaixou para pegá-lo. Foi quando todo mundo, até quem estava bem longe, viu o par de chifres despontando na cabeça dele. Ergueu-se com um sorriso zombeteiro, dentes pontudos e olhos vermelhos.

Um estouro de fumaça e um fedor de enxofre. Correria, gritos, gente se empurrando. Ninguém queria ficar na quadra coberta, nem mesmo o DJ.

Meu amigo encerrou o relato dizendo que, na noite em que encontrou o Capeta do Vilarinho, decidiu virar evangélico. 

Vinte e cinco anos depois de ouvir essa história, eu me pergunto por onde andará aquele rapaz bonito e reservado que, em um culto em minha casa, revelou ter sido testemunha ocular de uma das maiores lendas urbanas de Belo Horizonte. 


sexta-feira, março 12, 2021

Comida de fada: A infância roubada a pequenas mordidas


Uma menina esperta e imaginativa recebe o convite para se divertir entre as fadas. Parece o início de uma aventura mágica e maravilhosa. Ninguém desconfiaria que, na verdade, essa é a abertura de um conto macabro. 

Comida de fada, obra de Val Armanelli, faz justamente esse movimento. Apresentando uma protagonista que tem tudo da criança precoce na imaginação, mas ainda cheia da fantasia da infância, trata-se de uma história em quadrinhos que vai mostrar como o mundo das fadas pode ser frio e assustador.

A leitura de Comida de fada foi extremamente perturbadora. Talvez fossem as cores alegres e fortes, ou a profusão de guloseimas, ou a insidiosa referência ao filme O labirinto do fauno. Talvez o conjunto de todas essas coisas e outras mais fossem sussurrando para mim que algo extremamente distorcido e errado acontecia, enquanto a heroína era constantemente aliciada pelas pequeninas fadas a comer os doces de uma mesa farta, ainda que a menina estivesse sem fome.

Outro ponto que achei marcante na obra de Val Armanelli é o silêncio ensurdecedor. Ainda que as fadas falem o tempo todo, ainda que a menina responda, há uma total impossibilidade de comunicação. Talvez uma referência à terrível solidão infantil. Afinal, uma criança vive em um mundo de gigantes, sempre mais fortes, sempre impondo suas vontades. Torna-se então uma fina ironia que sejam as fadas, quase invisíveis de tão pequenas, a constantemente impor suas vontades durante a narrativa.

Com cores de contrastes marcantes e um ar enganosamente encantado, Comida de fada é uma viagem estética que mostra como sonhar pode ser perigoso e assustador.



Para quem deseja conferir o trabalho de Val Armanelli, Comida de fada está na reta final de sua campanha de financiamento. Para conhecer um pouco mais - e contribuir - basta acessar a página da HQ no Catarse.


Ficha Técnica:

Comida de fada

Val Armanelli

Edição Independente

quarta-feira, março 10, 2021

Vídeo: A Cidade Suspensa - Capítulo I

Compartilho aqui com vocês a leitura do meu livro A Cidade Suspensa - Capítulo I. 



Para ler online ou baixar o livro em pdf, basta acessar aqui: http://www.oguardiaodehistorias.com.br/p/a-cidade-suspensa.html.


Até a próxima semana!


Distopia sanitária


10 de março de 2041

São seis da manhã. Hoje acordei passando mal. Fui ao banheiro e peguei um teste rápido de Covid. Deu positivo. Felizmente, estou com sintomas fortes o bastante para não me considerarem uma pessoa assintomática. Depois que fizer a consulta online, terei um diagnóstico oficial. Será a vigésima terceira vez que pego covid.

Ontem, quando voltava do trabalho, prenderam uma assintomática no vagão em que eu estava. Não sei como descobriram, todo mundo estava de máscara.

Pra onde levam todos os assintomáticos? Li na Deep Web que eles vão parar em campos de testes para novas vacinas. Não sei se acredito nisso. Tem gente que diz que eles são extraditados. 

Tinha um rapaz assintomático no final da minha rua. Eu me lembro da noite que levaram ele. Foi horrível. Ele nunca mais voltou.

Estou com meu cartão covid em dia. Com sorte, vou ter vaga na UTI se piorar. Com sorte.

sexta-feira, março 05, 2021

O Aquário - O cárcere da loucura


 
Como o confinamento forçado pode afetar nossa mente? Esse impacto pode variar, de acordo com o nosso grau de conformidade? Diante de uma situação em que a nossa liberdade é suprimida, devemos nos conformar ou buscar uma saída? 

O Aquário, de Cornélia de Preux, conta a insólita experiência de uma família que acaba confinada em seu porão durante as férias. Constantin, o pai, havia declarado aos vizinhos que levaria a família para uma viagem às Ilhas Fiji. Sem dinheiro para manter a palavra, porém, ele acaba se trancando com a esposa e os três filhos no porão durante o período programado para a viagem.

Tem início então uma trama repleta de tensão. Tatiana, a mulher de Constantin, era a única que sabia do plano doentio do marido. Sem forças para enfrentá-lo, porém, ela acaba deixando que ele concretize o projeto. Os filhos, pegos de surpresa, haviam sonhado por meses com a paradisíaca viagem. Traídos, eles são transportados ao porão enquanto dormiam e acabam tendo que se resignar a uma prisão rígida, com uma programação inflexível, vítimas dos caprichos loucos de um pai que, da noite para o dia, torna-se seu carcereiro.

Não bastasse a decepção da viagem frustrada, as três crianças, Kevin, Violet e Vladmir, precisam participar de módulos em que terão que fingir estarem em Fiji, pois deverão manter a mentira após as férias. Pelo menos é isso que Constantin quer.

É interessante observar que a trama de Cornélia de Preux busca explorar o labirinto psíquico de Constantin e Tatiana, em especial desta. Durante a leitura, somos mergulhados no emaranhado de questionamentos e temores da mulher. De Constantin, experimentamos a insanidade e os sentimentos tenebrosos que cultiva contra Kevin, o filho mais velho, maior opositor ao projeto do pai.

O Aquário é uma obra-prima que acaba vindo de encontro ao tempo em que estamos. Forçados a um confinamento, vítimas de uma ameaça invisível, somos obrigados a criar estratégias de sobrevivência, buscando válvulas de escape para manter a nossa saúde emocional. Felizmente, contamos com momentos de fugidia liberdade, ao contrário das infelizes vítimas do romance de Cornélia de Preux. 


Deixo aqui meus agradecimentos ao José Vicente, coordenador do grupo de leitura coletiva Amigos Pra Valer, bem como para Maria Isabel Brant e Maurício Moura.

*Errata em 11/03/2021: Não havia agradecido à minha grande amiga, Kátia Mourão. Foi através dela que conheci esse grupo que tem me levado a outras sendas da leitura literária.


Ficha Técnica:


O Aquário

edição bilíngue

Tradução de Reto Melchior e Maurício Moura

Cornélia de Preux

ISBN-13: 9788569789062

ISBN-10: 8569789068

Ano: 2019 / Páginas: 248

Idioma: português

Editora: LF Publicações 


Perfil do Livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/o-aquario-11819567ed11819932.html

quarta-feira, março 03, 2021

Vídeo: O sumiço das leituras

Olás! Hoje eu compartilho um vídeo diferente. Nele, eu explico o sumiço da maioria das leituras que gravei para o canal.


Abraços e até semana que vem!