segunda-feira, fevereiro 26, 2018

Reminiscências - Parte IV de IV

Ir para Reminiscências - Parte III de IV

 – Si-sim.
O jovem arqueiro desceu habilmente pelos galhos. Um vulto cruzou com ele numa velocidade surpreendente. Assustado, olhou para cima a tempo de ver Thin dar saltos enquanto subia pelos galhos, como se fosse um esquilo. Aldreth alcançou o chão e desceu a encosta aos tropeções. Correu rumo à pequena caverna. Enquanto aproximava-se, notas claras de uma suave canção alcançaram seus ouvidos.
Chegando à fenda, deparou-se com Uri sentado em frente a Lucan que, já desperto, tocava uma flauta de madeira. Ou melhor, quase fazia o pequeno instrumento chorar. A melodia era tão bela e aconchegante, que Aldreth entrou e sentou-se. Sentia-se confortável, uma felicidade crescente tomando conta do seu peito. Não sabia quanto tempo ficara a ouvir Lucan tocar seu instrumento, embora nem se importasse com isso. A flauta o fazia lembrar de ribeiros cristalinos, o sol incidindo em verdes folhas, o cheiro do pão fresco da sua mãe...
– Mas o que é isso!? – bradou alguém atrás de Aldreth, na entrada da fenda.
O rapaz deu um sobressalto, enquanto sentia com tristeza a música desaparecer. Lucan tinha um olhar assustado. Seridath estava parado na entrada da caverna, com seu olhar implacável. Thin estava um pouco atrás, meio que se divertindo ao prever o que iria acontecer.
– Mandei que os chamasse, garoto! – vociferou o guerreiro. – Não foi para ficar escutando música! E você, arauto, se pode tocar uma flauta, também poderá empunhar uma espada! De pé!
– A culpa foi minha, senhor Seridath – replicou Lucan. – Uri comentou que estava com fome e, como essa música faz esquecer muitos males, pensei que o agradaria se escutasse um pouco.
– Música não enche barriga, seu pedaço de bosta! – replicou Seridath, ainda furioso. – Essa tolice no mínimo irá denunciar nosso esconderijo aos inimigos. Quero todos fora!
Os três levantaram-se. Aldreth ainda estava atordoado pelas palavras duras. Aqueles olhos azuis, de gélida impiedade, sempre o perturbavam, mas ele não estava conformado com a injustiça sofrida pelo arauto. Aldreth queria que o bravo Uri falasse algo, já que o anão parecera tão satisfeito enquanto ouvia a música. Lucan mostrava dificuldades para se pôr de pé. Uri bateu levemente nas costas do arauto, enquanto o ajudava a se levantar.
– Foi uma bela música, meu rapaz – resmungou o anão. – Até esqueci a fome.
Seridath ouviu o comentário, mas manteve silêncio. Ele também ficara um tempo ouvindo a melodia da flauta de Lucan antes de interrompê-lo. E a música despertou nele imagens e sentimentos há muito adormecidos. Olhos verdes, bondosos, o fitavam, adornados por um rosto queimado de sol e cabelos castanhos, mas claros como o mel. Uma mão quente o afagando. Sorrisos, verdadeiros diamantes de alegria. Poesia de algum tempo perdido. E aquele caldo grosso que matava sua fome, perto da lareira, enquanto a neve batia de leve na janela.

O jovem balançou forte a cabeça, afastando aquelas lembranças, enquanto subia a colina com os outros. Detestara aquela música.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário