segunda-feira, julho 01, 2013

A retirada - Parte II de V

Ir para A retirada - Parte I de V

Lucan retornou no fim da tarde. O arauto ofegava, por ter corrido durante um trecho considerável.
Eles estão vindo, senhor – reportou ele a Balgata. – Um bando daqueles bichos peludos. Parecem que estão patrulhando a região.
Sei... – respondeu o capitão. – Estão realmente recebendo ordens. Não duvidava disso, mas até agora não sabemos ao certo com o que estamos lidando. Eles estão seguindo em nossa direção?
Creio que sim.
Então temos que interceptá-los – intrometeu-se Seridath.
Não creio que isto aqui seja um conselho de guerra – respondeu Balgata, com rispidez.
Eu sei, capitão, mas é melhor usar o elemento surpresa.
Agora era o que me faltava! – rugiu o capitão. – O garoto querendo dar aulas a um oficial!
Seridath calou-se. Aquele brutamontes já estava começando a irritá-lo. Mas Balgata não demorou a concordar. Contrariado, admitiu:
Tudo bem. Faremos um assalto. Deve ser rápido e sem baixas de nosso lado. Nenhum deles pode fugir, mas eu quero um prisioneiro a quem possa fazer perguntas. Fui claro?
Sim, senhor – respondeu Seridath, com um sorriso divertido.
Segundo Lucan, eram vinte homens-macaco, todos portando clavas ou lanças rústicas. Balgata levou metade do grupo de vanguarda. Avistaram a patrulha após meia hora de marcha. Esconderam-se atrás dos troncos secos, enquanto observavam as criaturas aproximando-se. Era a primeira vez que olhavam os inimigos tão de perto e à luz do dia. O capitão já havia acertado os gestos de ordem. Seridath e Lucan estavam próximos a ele, bem como o anão Uri, portando um machado repleto de runas. Os argros, como Urso Pardo os havia definido, eram mesmo humanóides, embora andassem curvados e não usassem roupas, exceto uma tanga que lhes cobria a cintura. Eram criaturas feias, embora inspirassem mais pena que medo. Sua feiúra denotava decadência e abandono. Pareciam quase desprotegidos. Apenas Uri trilhava os dentes diante da visão dos inimigos, murmurando impropérios na língua do seu povo.
Balgata acenou para os guerreiros. Era a hora. Lançaram-se sobre os inimigos como uma torrente silenciosa e mortal. Nenhum deles sentiu-se animado a dar berros de guerra. Os argros caíram na emboscada, soltando uivos de dor e desespero, enquanto eram golpeados pelas armas da Companhia. Somente Seridath, com sua rapidez e habilidade, degolou três deles, que sequer esboçaram reação. Mais uma vez, o cavaleiro recebeu as sensações dos inimigos mortos, sentiu o calor de suas mortes. O bando de argros foi espremido entre os atacantes, mas um deles, mais magro e baixo, conseguiu escapar do cerco, largando sua clava. Seridath foi em seu encalço, derrubando-o com um chute nas costas. A criatura tropeçou e rolou pelo chão pedregoso, soltando ginchos de dor.
Garzinb nïgh atmarihr! – gemeu o argro. – Não mata! Garzinb nïgh! Pedir perdão!
Agora ele estava cercado pelos homens da Companhia e olhava, aterrorizado, para todos os lados, tentando proteger a cabeça com os braços curtos.
Vamos logo matar esse verme desgraçado! – rugiu Uri.
Espera! – interviu Balgata. – Ele deve responder umas perguntas primeiro. Se ele souber nossa língua, é claro.
Uri baixou o machado, antes pronto para esmagar a cabeça do homem-macaco. Mas, numa segunda olhada, era possível concluir que se tratava de um menino argro, quase um filhote. Era um milagre que ele soubesse falar mais de duas palavras na língua dos homens.
Anão, você fala a língua desta criatura? – perguntou o capitão.
Garznirni não têm língua própria, senhor – respondeu Uri, entredentes. – Essa escória usa nossa língua. Nossa língua!
Pois converse com ele na sua língua, anão. Arranque da criatura qualquer informação útil.
Uri, contrariado, voltou-se para o argro. Começou com algumas frases isoladas, que o prisioneiro respondia timidamente. Logo, o anão passou a fazer perguntas mais longas, que o argro respondia com a cabeça baixa. Enquanto o interrogatório prosseguia, Lucan aproximou-se e examinou melhor o prisioneiro.
Mas ele não se parece com um macaco... – comentou o arauto. – Parece mais um râmster. O que é medonho é essa falta de orelhas...
Ninguém respondeu, mas, de fato, o argro tinha o rosto dócil e os dentes avantajados de um roedor. Os olhos eram um pouco menores, quase humanos. Poderia se passar por um esquilo gigante, mas não possuía orelhas. Balgata comentou:
Uma vez alguém me disse que essas criaturas têm as orelhas arrancadas em seu nascimento. Parece ser um ritual desse povo.
Medonho... – sussurrou Lucan.
Nesse momento, começou uma confusão. Uri partiu para cima do argro, golpeando-o com o cabo do machado. Quatro homens, além de do capitão, foram necessários para arrancar o anão de cima da criatura, que guinchava e choramingava.
Pelos abismos! – praguejou Balgata. – Segurem esse anão!
Pedaço de merda, eu te mato, porcaria! – gritava Uri.
Os quatro homens seguraram o anão com força, mas o argro aproveitou a confusão para escapar entre as pernas de seus captores.
Todos se alarmaram. Se o argro chegasse ao seu destino, estariam perdidos. Mas a perseguição ao fugitivo sequer começou. Seridath interceptou o caminho da criatura, surgindo de trás de uma árvore. O argro brecou, ergueu os braços e estava para abrir a boca quando o cavaleiro perfurou-o com Lorguth. A criatura choramingou e tombou num átimo.
O que você fez!? – esbravejou Balgata.
Eliminei um inimigo, capitão – respondeu o cavaleiro. - Creio que o anão já deve ter conseguido alguma informação... "útil".
Você é um maldito covarde, isso sim! – gritou o capitão. – Matar um inimigo desarmado, quando ele ia suplicar por sua vida!
Deixe os cavalheirismos de lado, capitão Balgata – aconselhou Seridath, friamente. – Esse animal nem é humano e mantê-lo como prisioneiro seria dar uma constante chance para sua fuga. Eliminar um prisioneiro inútil é o mais acertado na situação crítica em que estamos.
Balgata murmurou uma praga, mas deixou como estava, desistindo de discutir com Seridath. Todos voltaram-se para Uri, que ainda era mantido pelos próprios companheiros. Os homens fizeram menção de soltá-lo e ele mesmo se desvencilhou, girando os ombros com violência. Nenhum deles protestou ante o gesto do anão. Todos aguardaram o que ele tinha para dizer.
Não tinha nada de útil – resmungou Uri.
Como assim? – inquiriu Lucan.
Nada. Aquele pedaço de bosta ficava repetindo que não sabia nada, que era a primeira "caça" dele e que eles tinham migrado para morar nas terras que foram prometidas. Não sabia quem prometeu. Também disse que não sabia pra que lado ficava o acampamento do seu povo. Era uma porcaria inútil.
Então estamos na mesma – respondeu Balgata, resoluto. – Vamos apressar os comboios. Também vamos tomar um desvio e tentar apagar nossos rastros. Logo eles saberão da patrulha que não retornou.

Os homens se puseram a caminho e chegaram à caravana em poucos minutos. Foi penoso guiar os bois para fora da estrada. Sabiam que era um recurso quase infrutífero e que lhes renderia horas extras de marcha, mas Balgata estava decidido a não condenar o grupo por negligência, ainda que mínima. Seguiram por sendas tortuosas e estreitas, entre troncos secos de árvores que pareciam já mortas. Anoitecia e eles continuavam em marcha. Não acamparam, pois a falta de abrigo deixava-os vulneráveis a ataques furtivos e aos possíveis perseguidores. Durante a noite, a caminhada foi bem mais lenta e penosa, pois não poderiam acender fogo para iluminar o caminho. Por sorte, o luar crescente forneceu iluminação suficiente para que pudessem prosseguir.

Continua...