Um relato sobre minha viagem para curtir o Festival Literário Internacional de Poços de Caldas
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Um registro da minha câmera maravilhosa. |
Enquanto escrevo, o ônibus balança um pouco, fazendo trepidar a tela do aparelho celular em minhas mãos. Estou retornando para Belo Horizonte. Saí de Poços de Caldas no início da tarde. Estive na cidade para curtir mais uma edição do Festival Literário Internacional Poços de Caldas - Flipoços. Estive nos dias 1 a 3 de maio assistindo a debates, passeando entre livros e revendo amizades. Além de ter feito novos contatos.
Quando cheguei já era noite do dia primeiro. Com isso, visitei a feira sem participar da programação. Saí do Lux Hotel, onde estava hospedado, e fui caminhando até o Parque José Affonso Junqueira, onde o evento estava montado.
Já de início fiz contato com a escritora Bianca Pontes, colega no Clube de Escritores BH. Combinamos de nos encontrar já na feira. Também contatei a Mírian Freitas, que estava em companhia do Pedro Gontijo e da Gilberta Kis.
Era uma profusão de acontecimentos. A programação ainda acontecia. Um fluxo intenso de pessoas transitava pelas barracas e também pela chocolateria Lascaux, famosa por seus chocolates artesanais, inspirados em minerais da região. Encontrei a Gil e a Mírian no corredor de acesso do Lascaux Fomos até a entrada da feira e eu avisei que tinha uma outra amiga no evento. Fui em sua busca.
Ao encontrar a Bianca, ela me apresentou a escritora Cibele Laurentino. Tratei de apresentá-las às outras duas amigas. Logo chegou o Pedro Gontijo e nos juntamos como um grupo. Saímos juntos, trocamos ideias, reflexões e opiniões literárias e sobre a vida também. Nessa primeira noite em Poços de Caldas, atravessamos o centro da cidade, saindo do local da vila literária e indo até uma pizzaria chamada Caos, pertinho do meu hotel.
No segundo dia, vasculhei um pouco a feira. Procurei a tenda do movimento Neomarginal, em especial a pessoa do Wesley Barbosa. Conversei um pouco com ele, explicando que trabalho em biblioteca pública e estou em contato com coletivos literários da periferia da Grande BH. Comprei dois livros dele e o cumprimentei pelo trabalho. Eu havia ficado sabendo do trabalho literário do Wesley a partir de um episódio lamentável ocorrido no evento, sobre o qual prefiro não entrar em detalhes. A mídia nacional cobriu amplamente o acontecido. Por isso, estaria só repetindo o que todo mundo já sabe. Apesar desse episódio execrável, pude por meio dele conhecer o trabalho do Wesley, que tem uma editora chamada Barraco Editorial. Os livros do Wesley que adquiri foram “Viela ensanguentada” e “O diabo na mesa dos fundos”.
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Com o escritor Wesley Barbosa. |
Almocei com Bianca e Cibele. Na saída, adquiri o livro “Nobelina”, da Cibele. Depois do almoço, nos separamos para uma passada no hotel. Mais tarde, nos reunimos para assistir à mesa “Gaza: A Tragédia Silenciada – Reflexões sobre o Genocídio e suas Vozes”, que contou com a presença da Mírian Freitas, além da Soraya Misleh, Jornalista palestino-brasileira, Salem H. Nasser, professor da FGV e estudioso do Oriente Médio, do mundo Árabe e Mulçumano e a Laura Di Pietro, co-fundadora da editora Tabla. Quem mediou a mesa foi o Pedro Gontijo, que é escritor e jornalista.
A mesa foi forte, urgente, com falas contundentes e necessárias, denunciando o genocídio em curso promovido pelo Estado de Israel contra o povo palestino. Uma atrocidade sem tamanho, em que milhares de crianças foram e continuam sendo assassinadas. A Soraya foi incisiva em sua fala, com uma revolta quase explosiva, conclamando todas as pessoas a lutarem em prol da causa palestina. Ela falou da colonização por ocupação, que visa substituir a população nativa por uma outra, de fora, e que o plano sionista não é novo, assim como os massacres de Israel contra aldeias palestinas.
O professor Nasser teve uma fala reflexiva sobre os disparates do silenciamento das narrativas palestinas e imposição de uma história única, elaborada como propaganda para colocar toda a comunidade mundial contra o povo palestino.
A Laura abordou a riqueza da literatura produzida por palestinos. Não apenas como relato documental, algo importante para o registro histórico do que está ocorrendo, mas também como resistência e principalmente como sobrevivência da cultura palestina.
Mírian então fez sua fala a partir da experiência de escrita e publicação de seu livro “Damascos Feridos – poemas sobre Gaza”. Uma obra poética que atua como um grito de dor e protesto, nascido da empatia pelo sofrimento das mães, suas crianças e demais pessoas da Palestina.
A mediação do Pedro foi brilhante. Equilibrada, incisiva e reflexiva, procurou explorar o que havia de fundamental nas falas das convidadas e do convidado.
Dessa mesa, dois pontos eu gostaria de destacar: um é a palavra “Sumud”, que é rica em significados, uma palara-semente, que encerra em si a resistência e a esperança do povo palestino. A segunda é a frase da Soraya: “Somos todos palestinos.” Enquanto não percebermos a dimensão dessa frase, continuaremos inertes diante da escalada do terror que ocorre na Palestina.
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Mesa sobre o Genocídio em Gaza. |
Depois dessa mesa tão potente, precisei retornar ao hotel para descansar um pouco, pois foi uma mesa que mexeu muito com a gente. Retornei mais tarde para encontrar os amigos, que estavam em um bar na companhia da Laura e da Ana, ambas da editora Tabla. Conversamos bastante sobre literatura.
Mais tarde, depois que Ana e Laura haviam ido embora, saímos do bar e fomos caminhando ao longo das bordas do parque, até encontrarmos um quiosque que vendia pizzas e massas, chamado Picolin. De lá, ainda passamos em uma loja de conveniência, onde compramos picolés e nos despedimos com muita alegria.
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A galera reunida. |
No dia seguinte, 3 de maio, cheguei a tempo de pegar a mesa “Prêmios Literários: Reconhecimento, Impacto e o Futuro da Literatura Brasileira” com a presença da autora Izabella Cristo e mediação do Henrique Rodrigues, curador do Prêmio Caminhos da Literatura. Izabella venceu o 1º. Prêmio Caminhos da Literatura e estava lançando o livro “Mãezinha”, pela Editora Dublinense. Durante a mesa, ela falou sobre a experiência da escrita do livro, que passa pela vivência da maternidade da UTI e também do exercício da profissão de médica cirurgiã.
Aproveitei para perguntar sobre a importância da cadeia de mediação para o fortalecimento da literatura. Henrique respondeu que é fundamental profissionalizar a mediação, inclusive criando leis que estruturem a mediação como política pública, atrelada à compra de livros, para que não aconteça de o livro acabar parado na estante ou dentro de um armário de uma biblioteca escolar ou pública.
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Com Izabella Cristo. |
Logo em seguida começou a mesa “Literatura e Família – Maternidade, Paternidade e dramas familiares na literatura contemporânea” com Karine Asth, Cibele Laurentino, Guilherme Marchi e Jaqueline Lima. Bianca Pontes foi a mediadora. Com um domínio impecável, ela conduziu tanto o tempo de fala quanto as reflexões, demonstrando um grau enorme de comprometimento com o tema da mesa e com as obras das convidadas e do convidado. Logo de início ela fez uma provocação ao dizer que estava mudando o nome da mesa, trocando “Maternidade” e “Paternidade” por “Parentalidade”, argumentando a partir da fala da Izabella Cristo na mesa anterior, que mãe nem sempre é quem gera e que o ato de criar, educar uma criança, muitas vezes foge do padrão de família convencional. Ela também convidou as pessoas integrantes da mesa a refletirem sobre como essas relações surgem não apenas em suas obras, mas em seus processos de escrita.
Mais uma vez em quis contribuir e, no momento das perguntas do público, perguntei às pessoas da mesa como elas viam a biblioteca pública e se ela ainda é relevante em nossa sociedade atual, em que a informação e a literatura migram cada vez mais para o suporte digital. Todos afirmaram que a biblioteca é fundamental na vida de quem lê e escreve. Karine foi mais longe ao ressaltar que é imprescindível que mães e pais se envolvam no incentivo à leitura, levando suas crianças à biblioteca pública. Ela fez um encantador relato pessoal sobre a visita que fez com seu filho à Biblioteca Pública de Recife.
Ao final da mesa, aproveitando que tanto a Jaqueline quanto o Guilherme são de Belo Horizonte, falei da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH, convidando-os para conhecerem nosso espaço. Os dois pareceram interessados em visitá-la um dia. Aproveitei para comprar o livro da Cibele “Eu, inútil” e pegar um autógrafo. Em seguida, fui com Bianca, Cibele e Karine a um café que funciona dentro do parque. Porém, logo nos separamos.
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Com a Cibele Laurentino. |
Já no início da noite ocorreu a mesa “Territórios da Palavra: A Literatura de Itamar Vieira Junior”. Eu cheguei quando estava começando e ouvi alguém mencionar no alto-falante “O caso da borboleta Atíria”. Meu alarme apitou. Era o Itamar, contando como esse livro foi crucial para que ele se tornasse escritor. Fui conquistado naquele momento, pois me senti conectado ao Itamar. Afinal, esse livro me encantou de tantas maneiras que ele realmente é a razão de eu ter me comprometido com a leitura e a escrita. Comentei isso com o Pedro, que estava do meu lado. Ele riu e disse que com ele foi a mesma coisa. “Foi o primeiro livro da Série Vaga-lume que eu li!” Ele falou. “Somos irmãos de livro!” Declarei, também rindo.
Um pouco mais tarde, ficamos sabendo de uma mesa nascida “de improviso” sobre o Movimento Neomarginal e fomos assistir. No palco estavam o Wesley Barbosa e o Vitor Miranda. Ambos falaram sobre suas trajetórias como escritores. Wesley revelou como encheu o Ferréz de contos e recebeu dele o retorno positivo. Sobre sua escrita refletir sua realidade e sua admiração por contistas clássicos russos.
Autor de “Os ratos vão para o céu?”, Vitor falou sobre a ironia no nome do Movimento Neomarginal, que dialoga com a literatura marginal de 1970. Falou também sobre seu gosto por brincar com leitores e personagens, visando o inusitado. Após a mesa, aconteceu o sarau do Movimento Neomarginal, com participações de autoras e autores com seus textos de prosa e poesia.
Ainda naquela noite, fomos jantar no Ibis. Lá, reencontrei o Henrique Rodrigues. Ele me reconheceu e perguntou se tinha sido eu a fazer a pergunta sobre mediação. Respondi que sim. Conversamos um bocado sobre prêmios literários e políticas públicas para livro e leitura.
Ainda esticamos um pouco mais a noite, indo parar em uma lanchonete especializada em batatas fritas. Lá, nós falamos sobre experiências com editoras, mercado literário e projetos afins. Dado o avançar da hora, nos despedimos por lá e eu segui a pé para o meu hotel.
Bem, esse foi o fim da aventura na 20ª edição do Festival Literário Internacional de Poços de Caldas - O Flipoços. Dias de encontros inspiradores, nascimento de novas amizades e fortalecimento de parcerias. Acredito que um evento desse porte é extremamente necessário, dada sua potência. O evento também revelou uma necessidade urgente do engajamento no combate ao racismo e a outras várias formas de violência.
É o terceiro ano seguido que vou a Poços de Caldas em ocasião do festival. Ano passado, fui para expor um dos meus livros na tenda dos autores independentes. Desta vez, porém, estive lá como parte do público e pude curtir mais o festival. Espero que em 2026 eu compareça novamente, fazendo novas amizades e fortalecendo as atuais. Por isso, termino este texto saudando as pessoas da Bianca Pontes, da Cibele Laurentino, da Gil Kis, da Mírian Freitas e do Pedro Gontijo. Muito obrigado por tornarem esta experiência inesquecível.
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Gratidão! |