sexta-feira, agosto 30, 2019

A fúria do corpo - Um relato selvagem

Um homem sem nome nem sem passado conta uma furiosa história de amor. Ele vaga pelas ruas do Rio de Janeiro. Em especial, de Copacabana. Sua palavra é descontrolada. Ao leitor, ele faz o relato de seus devaneios em uma vida insalubre e inconsequente, que ele divide com a mulher que ama.

Esse é, por se dizer, todo o enredo de A fúria do corpo, de João Gilberto Noll. O romance gira em torno das experiências sexuais e delírios do narrador. Nesta obra, Noll faz um retrato de um Rio de travestis, prostitutas e mendigos com suas vicissitudes. Um livro que é, antes de qualquer coisa, escatológico.

Aqui, o adjetivo escatológico se confunde em seus sentidos divergentes. A linguagem é pornográfica, profana, libertina. Contudo, o texto é entremeado de referências bíblicas, em especial ao livro Apocalipse de João. O próprio narrador já de início se compara ao evangelista em seu relato.

Outra forte fonte de referências, porém, está no paganismo que cerca a figura de Afrodite, a mulher que compartilha com o protagonista o caminho da mendicância. Por diversas vezes as experiências sexuais narradas se tornam bacanais onde a depravação pura é o ponto de partida. E o clímax acontece justamente no Carnaval.

Outro viés da narrativa é seu cunho de retrato de exclusão, em tom de denúncia velada. O narrador mais de uma vez declara estar pronto para ser morto pelo Esquadrão da Morte. Há relatos de violências absurdas em prisões e cadeias. Sua vida e de Afrodite estão sempre a ponto de serem descartadas.

Com muita crueza, mesclada a uma certa dose de doçura, pela adoração incondicional que o narrador devota à sua mítica Afrodite, A fúria do corpo flerta o tempo todo com a insanidade, sem deixar de lado o trato minucioso com as palavras e um apreço por fazer literatura. Assim, este é um complexo romance de enredo extremamente simples, mas que na sua simplicidade aprofunda e mostra o que nós temos de mais humano.

Ficha Técnica 
A fúria do corpo
João Gilberto Noll
Ano: 1989
Páginas: 276
Idioma: português
Editora: Rocco

Nenhum comentário:

Postar um comentário