sexta-feira, maio 27, 2016

Lolô - Sobre medos compartilhados

Como seria a amizade entre um lobo e um coelho? No mínimo, inusitada. Afinal, lobos são tradicionais predadores de coelhos. Seria possível que a inteligência, o afeto e a empatia superassem a distância natural entre predador e presa? 
Essa é a premissa da belíssima fábula moderna de Grégoire Soloitareff. Tom é um coelho educado e sensível que conhece Lolô, um jovem lobo que nunca havia visto um coelho antes. Lolô está em uma situação complicada e Tom se oferece para ajudar. Assim, nasce entre eles uma improvável amizade, construída através da convivência e, principalmente, da disposição de Tom em ajudar um inimigo histórico de sua espécie. 
A narrativa de Soloitareff é leve e enxuta. Ele não se perde em detalhes e procura narrar o essencial. Além disso, o traço de seu desenho é forte, de cores marcantes, dando uma aparência bruta ao jovem lobo, sem no entanto deixar de lhe conferir elementos de doçura, como seus olhos tão expressivos. E o que Lolô tem de forte, Tom tem de delicado, tanto por sua pequena estatura quanto por suas formas arredondadas e de linhas mais tênues. Assim, através do desenho, o autor acentua as discrepâncias entre os dois, criando uma tensão que culminará no clímax da narrativa. Poderá a amizade superar o medo e a ameaça velada? E o lobo terá força para perceber no coelho mais do que uma simples presa? Será ele capaz de se colocar no lugar do amigo para sentir seus medos e incertezas?
Assim, Lolô se consagra em mais uma belíssima obra da literatura infantil contemporânea, uma alegoria pungente e delicada sobre a importância de se buscar a empatia pelo outro para superação das diferenças.

Título: Lolô
Autor: Grégoire Soloitareff
ISBN-13: 9788574065854
ISBN-10: 8574065854
Ano: 2013
Páginas: 32
Idioma: português
Editora: Companhia das Letrinhas

Perfil do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/lolo-333580ed373867.html

quarta-feira, maio 25, 2016

Dores de alma

Tem vezes que a alma range. Parece meio velha, estala um pouco, não cede. A gente chega a achar que ela encolheu.

Em dias em que o sol dá lugar à sisudez do cinza, quando num golpe de vento o meio-dia ganha ares de lusco-fusco, a dorzinha na alma fica mais forte. É como aquele joelho que costuma reclamar em tempos frios.

E assim, açoitada pela espessa cortina de água, a alma não mais range, geme. E a nós resta apenas forçar um pouco mais, respirar fundo e esperar que logo passe.

segunda-feira, maio 23, 2016

Encantos

Recebi à tarde uma galerinha de 4 anos. No calor da apresentação que fazia da biblioteca, esqueci o livro que leria para as crianças. Meio afobado, corri o olho pelos livros mais próximos expostos no espaço lúdico e me deparei com o lindíssimo "Estrela do céu, estrela do mar", da Anna Göbel. Um livro de imagens. Seria minha primeira experiência de leitura compartilhada de uma obra assim. Foi uma maravilhosa surpresa quando, ao terminar a leitura, uma menininha deu um sonoro suspiro e sorriu. Os aplausos vieram em seguida.
Fiquei simplesmente encantado.

15 de maio de 2015

terça-feira, maio 17, 2016

De felizes despedidas




Sábado passado, dia 14 de maio de 2016, foi o último dia em que a Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de BH abriu para atendimento externo no Bairro Santo Antônio. Como era de se esperar, não podia deixar de ir. 
A expectativa já se faz grande. Afinal, estamos mudando de endereço. No primeiro dia de junho estrearemos em nossa nova casa, o Centro de Referência da Juventude, na Praça da Estação. A cidade, claro, ganha muito com a instalação de uma biblioteca municipal desse porte em um lugar tão estratégico. Afinal, estamos junto ao metrô, em plena Avenida dos Andradas, onde diversas linhas de ônibus passam. Além disso, temos estações do MOVE bem perto de nós. Ou seja, nosso alcance aumentará exponencialmente.
Contudo, não pude evitar o sentimento de melancolia que me tomava naquele sábado. E não era para menos, pois naquele local eu construí um sentimento de afeto ao longo dos últimos cinco anos. Tanta coisa legal feita naquele endereço! Sem falar as amizades granjeadas, junto a leitores e parceiros da Secretaria Municipal de Educação.
E naquele último dia, recebi um gracioso presente. Estava junto ao balcão quando uma criança entrou me saudando com energia:
- Bolinho! - e me deu um abraço.
Era o Luiz, um menino que foi levado pela mãe em uma das edições do evento "Manhã Encantada" e que voltava em busca de mais histórias. E ainda trouxe seu primo Vinícius. Os dois fizeram questão de que eu lesse para eles e no final ainda pediram que eu contasse as mesmas histórias que contei quando o Luiz foi à Biblioteca pela primeira vez.
Quando estavam de saída, Vinícius deu um sorriso e declarou:
- Quando eu crescer, vou fazer um filme. Vou ser o segundo principal. Você vai ser o primeiro.
Fiquei emocionado. Perguntei se o Luiz seria o diretor, mas ele disse que preferia ser ator no filme. Então, os dois ficaram listando quais de seus amigos ocupariam o papel de diretor. Não chegaram a uma decisão. Precisavam ir embora. Não deixaram, porém, de me agradecer com um abraço e a promessa de que irão ao novo endereço da Biblioteca.
Após a enérgica visita do Luiz e de seu primo, toda a melancolia havia sido dissipada. A presença deles foi como um belo presente de despedida, pois não há nada mais importante em uma biblioteca como a nossa que o reconhecimento e a consideração dos leitores. São eles que dão sentido ao nosso trabalho.

sexta-feira, maio 13, 2016

Ameaça de 7 cabeças - Dando alimento ao inimigo

Impulsionado pelo surreal momento político que estamos vivendo, resolvi recomendar esse que foi um dos livros mais incômodos que li em minha adolescência. Escrito por Pedro Bandeira, Ameaça de 7 cabeças narra como um único homem colocou toda uma cidade de joelhos por causa de uma ameaça jamais vista. 
O narrador, um homem tão sonhador que pretende vender bolhas de sabão, lança mão de um misto de ingenuidade e ironia o regime de exceção que vai sendo construído enquanto a população, cada vez mais amedrontada, vai cedendo aos desmandos de um autoritário cavaleiro.
Tudo começa com um ESTRONDO. E logo em seguida surge um homem coberto de aço, com uma espada suja de sangue, que começa a contar uma mirabolante história sobre sua terrível luta contra um dragão de sete cabeças. Esse pretenso herói se chama Dom Pendragon, e usa do terror gerado pelo medo desse dragão para que suas vontades sejam atendidas. E aos poucos suas exigências vão se tornando cada vez mais absurdas e autoritárias, rumo a uma verdadeira ditadura.
Lembro-me nitidamente da indignação que me instigava a cada página do livro. Pendragon é o típico "valentão" e usa de sua arrogância para convencer os moradores da pequena cidade de Findomundo a obedecê-lo.
A narrativa é leve e rápida. Além disso, Pedro Bandeira usa de toda a sua habilidade com as palavras para estabelecer um ambiente de humor, tornando leve uma história que na verdade muito tem de sombria. O enredo é alegórico, transcorrendo em um ambiente atemporal, recurso comumente utilizado nos contos de fadas. Porém, o texto foge da idealização, assumindo uma postura crítica, de forma a causar incômodo nos leitores diante da ingenuidade quase criminosa dos moradores de Findomundo.
Novamente, considero importante frisar como esse texto vai de encontro com o momento atual, mesmo tendo sido escrito há tanto tempo. Publicado a primeira vez em 1985, em plena redemocratização, Ameaça de 7 cabeças também recebeu o título de O Poeta e o Cavaleiro e alerta para os perigos do medo irracional e acrítico e como este pode ser usado como arma de poderosos para manipular o povo a abdicar de seus direitos.

Ficha Técnica:
Ano: 1985  
Páginas: 64
Idioma: português 
Editora: Moderna


sexta-feira, maio 06, 2016

Quero meu chapéu de volta - Um thriller para pequenos leitores



Uma história de suspense com doses certas de humor e ação. Está é a fórmula do incrível livro Quero meu chapéu de volta, do escritor e ilustrador Jon Klassen.
O urso está muito angustiado. Ele perdeu o seu chapéu e ninguém o viu. Começa, então uma jornada em busca de seu precioso chapéu, numa espécie de atrapalhada investigação. Dialogando com o gênero policial, onde muitas vezes o culpado está diante do leitor o tempo todo, há um jogo que brinca com o protagonista, tornando o leitor o detetive. E assim, a narrativa ganha um gracioso tom de humor, o que torna leve tanto o suspense quanto o inusitado desenlace.
Outro ponto forte do livro é a expressiva ilustração. Enquanto o urso conduz sua busca pelo bem perdido, vários animais são interrogados. Os desenhos dialogam com o universo infantil, por seus traços redondos e por sua simplicidade estética. Essa simplicidade, porém, não compromete a beleza do desenho. E isso torna a ilustração de Klassen, a meu ver, fenomenal. E vale destacar que, por ser um álbum ilustrado, desenho e texto estão integrados no processo de narração, sendo impossível separá-los.
Por fim, vale destacar a brilhante escolha de Klassen de isentar sua obra de moralismos limitadores. Não há lição edificante a ser aprendida. Há simplesmente a observação de fenômenos de causa e efeito. Assim, acredito que o trabalho do autor ganha uma força ainda maior, por sua escolha de afastar-se desse moralismos falsamente "edificante" que contamina muitos dos livros infantis.
Com seu tom de humor e seu suspense atrapalhado, além da primorosa ilustração, Quero meu chapéu de volta certamente conquistou seu lugar entre os melhores livros para pequenos leitores. Uma história que vale a pena contar e recontar.

Ficha técnica:
Título: Quero meu chapéu de volta
Autor: Jon Klassen